15 de fev. de 2010

Seres

Notaram como, praticamente, não existem mais parâmetros de diferenciação etária? Uma adolescente de quinze anos pode muito bem passar por uma de dezoito, ao passo que uma mulher de vinte e oito pode parecer nem ter chegado aos vinte ainda.
Numa antiguidade não lá muito distante, as idades e as fases eram visivelmente diferenciadas, em particular, nas vestimentas. Não havia uma relação direta com a compleição física. Roupa caracterizava a faixa etária. Solteiras e casadas tinham suas nuances. Fitávamos os dedos da mão esquerda e direita a fim de encontrar o grau de comprometimento. Se não houvesse no anelar da esquerda uma aliança, os termos “moça” ou “senhorita” vinham à tona instantaneamente. Ser velho, por exemplo, era normal, aceitava-se isso. Exigia-se respeito ao idoso. Orgulhosos, ostentavam-se dizendo terem chegado à velhice. Hoje, o termo soa como ofensa. O mercado encontrou um termo “mais” apropriado: a melhor idade. São os tempos.
Por ser romântico e saudosista, achava lindo contemplar menininhas de cinco anos com vestidinhos, sapatinhos e laços de fita nos cabelos. Ora, pois, nessa mesma faixa etária, até emo já anda, com direito a All Star e meia arrastão. Crianças alfabetizam-se ao mesmo tempo em que aprendem a fazer um download não-oficial de uma canção da banda do momento. Criam “fakes” nos orkuts da vida e adicionam sei lá quem ou o que em seus msn. Antes de ler O Pequeno Príncipe, já viraram o Resident Evil 5. Adolescentes convivem tranquilamente com o ato corrupto de copiar e colar o texto de um site em sua íntegra e entregar o “trabalho” impresso como se fosse de autoria própria. Nem roupa nem atitude diferenciam idades.
Os seres não têm mais a identidade que tinham. Perderam-se muitos estereótipos da sociedade e, com eles, seus referenciais. O “ser” criança já dança funk; o “ser” adolescente possui bem mais acesso ao conhecimento (de qualquer tipo) do que nós, quarentões, jamais imaginaríamos ter. Sinto-me feliz com o DVD, no entanto, flerto com um aparelho de Blue-Ray lagarteando na vitrine de uma loja chique. Ando satisfeito com meu celular que também é MP3 Player, porém, claro, já desejo um touch screen bonitinho e economicamente viável que vi nas mãos de uma amiga. Ao meu idoso ver, é essa impermanência das coisas úteis que ajudou a derrocar a diferença entre as faixas etárias. Vivemos numa constante mudança. E que mudança.
Isso é benéfico? Em certo sentido, sim. Quando eu tinha doze anos, mirava um casal de quarenta atirado no sofá, assistindo, inertes, às novelas da noite. Esperavam o natal e outras festas para fazer algo diferente. Nos dias de hoje, vejo-me chegando aos 50 um verdadeiro mocetão. Coisas do aumento da expectativa de vida e da revolução técnico-científica. Pena eu não ter dinheiro pra comprar um creme que rejuvenescesse em até dez anos o meu rosto.
Crianças nascem de olhos abertos. Não nasciam. Não faltará muito para que nasçam com dentes. Arrisco até furos nas orelhas, de nascença. Algumas crianças fêmeas ganharão, de presente de um ano, um piercing no umbigo. Exagero? Assim caminha a humanidade.
Caminharei com ela, mas já vou avisando: gosto da ideia de envelhecer, por isso vou devagar, passos lentos, dor nas costas e nos rins, contemplando tudo.

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