24 de out. de 2011

Tempo Real

E, aqui vamos nós outra vez. Ao findar da digitação, esta crônica será postada, em tempo real. Salvo bugs e problemas de hardware, meus e mails enviados chegarão rapidamente ao destino. Ligo a tevê e vejo notícias do que aconteceu há pouco, no mundo. Filmaram, em tempo real e com um celular, a morte daquele que um dia foi o homem mais poderoso da Líbia. A imagem do ditador em trajes luxuosos contrasta com a condição miserável no momento da morte. Tudo, em tempo real.
Muito se disse sobre a passagem do tempo. Ela é absoluta? Ela é relativa? Hoje é, realmente, 24 de outubro de 2011? Os dias passam, os meses passam, e os anos, à medida que envelhecemos, passam cada vez mais rápido. É como um caminho que da primeira vez fora desconhecido parecer bem mais curto depois de conhecido.
O tempo passa, quer queiramos ou não. Como ele passa, depende de nós, ou dos governos estaduais de nosso país que decidem adotar o horário de verão... ou não.
É. Mais um horário de verão. Sendo a voz que clama no deserto, venho em defesa daqueles que, como eu, acostumam-se com o adiantamento de uma hora, mas não adaptam-se completamente. Não sei quantos são. Penso que a criação de uma ONG "Salve o Ciclo Circadiano" seria uma boa pedida para saber quantos somos neste território de muitas ideias e poucas reflexões.
Meu relógio biológico é totalitarista. A democracia não passou nem perto. Meu organismo tem horário para tudo e depois dos quarenta, ninguém o tira do poder. Meu lobo frontal não pode simplesmente ordenar à minha pineal ou ao meu reptiliano que modifique toda uma rotina. Conclusão: a autocracia do Estado digladia ferozmente com a autocracia do meu metabolismo. Resultado? Não consigo dormir mais cedo. Mas me obrigo a acordar mais cedo. Sono, irritabilidade, raciocínio lento são apenas algumas características. Isto sem falar que meu intestino grosso não está nem aí para meu horário de trabalho.
Se eu pudesse votar? Votaria pelo não. No entanto, tenho plena consciência que somos minoria. A maioria esmagadora prefere o horário de verão, e os argumentos para isto, beiram à humilhação. Sentem-se mais dispostos. Dizem trabalhar melhor. Podem aproveitar por mais tempo a cervejinha do happy hour, visto que "demora" mais pra escurecer. Bem, então poderíamos adiantar o relógio três horas e não apenas uma, e neste caso, a diversão duraria o dia inteiro, praticamente.
Qual é a razão de um Estado autoritário resolver adotar o horário de verão? A economia de eletricidade. Pensemos sobre isto mais a fundo.
O horário de verão foi instituído, por livre e "espancada" vontade, no início da Era Vargas. Era descontínuo. Acontecia em alguns anos e em outros não. Portanto, medida impositiva. O horário de verão foi inventado por um inglês, em 1907, cujo objetivo era a diminuição do consumo de eletricidade. Sim, num país do hemisfério norte, onde anoitece em torno das 22h em alguns países no primeiro semestre, o horário de verão era uma dádiva.
Uma curiosidade. Trinta países adotam o horário de verão, e as datas de início e fim não são determinadas por critérios astronômicos. A decisão, como é comum, é política. O Brasil é o único país equatorial que adota o horário de verão. Por quê? Pense um pouco e tente se lembrar das aulas de geografia do ensino médio. Ah, você matou as aulas? Que peninha.
O horário de verão realmente economiza energia? Pensemos sobre isto também. Segundo a ONS, a questão nem é a economia, mas a segurança do sistema. Ainda operamos com aparelhos criados nos anos setenta para gerar e distribuir energia. Qualquer pico maior de luz gera apagões. Então, nem de longe é a economia, o principal fator.
Economizava-se luz no começo, quando foi adotado. Hoje, o natal faz com que milhões de casas instalem luzinhas coloridas até na pia do banheiro; papais noéis luminosos com direito a renas e premiações em associações de bairros. Por causa do eterno rabo preso entre poder e indústria, a venda de carros triplicou nos últimos anos. Ué, mas carro não gasta combustível? Sim, mas o processo de manutenção dos carros gasta eletricidade. E muita.
Os lares estão repletos de celulares. E estes tem de ser recarregados. Televisores de LCD em todos os cômodos da casa. Computadores e notebooks também. Luzinha pra isto, abajur praquilo... Refrigeradores ocupando mais de 30% do espaço da cozinha, fornos micro-ondas, forno elétrico, sprints paradisíacos. Estamos é gastando mais energia, e o pior: cada vez mais. E quem paga o pato? Meu organismo.
Ok, continuo tentando me adaptar, afinal, não sou governo, não exerço poder. No máximo, me acostumo. Mas acostumar-se não é o mesmo que se adaptar. Titãs tinham razão desde o início... Não vou me adaptar. Um tempo real que foge ao real.