31 de dez. de 2011

The X Factor

É. Coloquei em inglês o título sim. Mais chique. Imponente. Se estivesse em português, algum porto-alegrense desavisado começaria a salivar imaginando um saudável cheese bacon, livre de gorduras trans (trans, mais non sans). O título é instigante, justamente por ser uma constatação. Que a matemática não é, necessariamente, a mais exata das ciências humanas. Demasiado humanas.
Discorda? Hum. Ao longo dos anos em que minha consciência anda mais ativa que meus desejos primazes, ouço que calouros ficam estarrecidos ao ouvir, já no primeiro semestre, que a matemática não é uma ciência exata, desconstruindo o binarismo exatas-humanas, que permeia o mundo acadêmico e profissional. Ciências têm seus métodos próprios de investigação, sejam eles por aproximação ou por conclusão panorâmica multidisciplinar. Sim, Descartes deve estar revirando no túmulo agora.
O "X Factor" é sempre aquela pedra no sapato para tudo aquilo no qual depositamos certeza. É o pé atrás em algo que todos sabem ao certo que é exatamente do modo como todo mundo pensa que é. O X. Eita letrinha xarope que nos persegue. O fator que alguém esquecera de considerar. E que abatuma o bolo de casamento.
Este X encontra-se mais que presente, se bem que implícito, nas resoluções de fim de ano, para um ano novo cheio de felicidade, luz, paz, e inovações tecnológicas excitantes. A resolução é convicta? Claro que é. Ninguém diz "talvez", ou "se der". Todos bradam em alta voz que realmente colocarão em prática aquilo que a resolução determinou. "Vovó disse que em 2012 tratará melhor o vovô, que está com angina". Passa a meia noite, o velho deixa a tampa do vaso para cima e tudo continua como está. Aí apresenta-se o X. O condicionamento, o eterno inimigo das "novas consciências". Ninguém muda um padrão ou atitude sem um recondicionamento. Se agíssemos por consciência em tudo o que fazemos todo o dia, ficaríamos loucos.
O X da questão é que a questão só existe quando o X não foi transformado em número, em quantidade. Resoluções de uma vida mais saudável não implica somente em comer coisas saudáveis e inscrever-se numa academia. Neste caso os X são muitos. Arranjar horário e condicionar-se a ele, em detrimento de um trabalho causticante que te tira até a vida em família; ir ao super e aguentar o fardo de gastar mais com produtos "naturais" do que os industrializados; aguentar os primeiros meses de dores no corpo e reeducação alimentar. Pois é, caro resolucionista. O X é um pé-no-saco, e se você não é um pé-no-chão, então a resolução será meramente retórica. Há sempre um X, que fazemos questão de esquecer, mas que na hora certa pula sobre seu pescoço como predador à espreita. Happy new year, mon ami, em inglês e francês, para não perder o costume condicionado.

22 de dez. de 2011

Caim e Abel: A criação dos Filhos

Ho, ho, ho... Neste Natal, dê presentes. Muitas dívidas? Novos financiamentos. Cheques voltaram? Renegocie-os. O 13º já foi gasto no fim do ano e os banqueiros estão felizes com isto? Comprometa o décimo do ano que vem. Pode ser que algum dia o Senado aprove o fim do décimo terceiro, aí banqueiros não demonstrarão alegria, apenas indiferença. Afinal, com sete bilhões de pessoas no mundo, basta aumentar as tarifas alguns centavos.
Filhos ganham presentes, óbvio. Pais podem não ganhar, avós podem receber cartões de alguma instituição filantrópica, tios podem ganhar aqueles e mails natalinos maravilhosos do tipo "lembramos de você" (e de toda a lista de contatos), mas os filhos ganham presentes. Têm de ganhá-los.
Ganham a mesma coisa? Não. Mesmo porque não pedem a mesma coisa. Mas o que acontece? Em alguns casos, a "outra" coisa é melhor do que a "sua" coisa.
Parafraseando o grande Inácio, "nunca na história desse país", se comparou tantos as coisas. Trabalhamos nosso cérebro por comparação quantitativa e de valor agregado, a fim de sabermos se o que temos é bom ou não. No caso das crianças, irmãos, o do outro é "sempre" melhor. Minha filha menor pediu um note. Ganhou. A minha maior, um PC. Ganhou. Qual é o discurso agora? A maior diz que o note é melhor porque dá pra carregar pra lá e pra cá. A menor diz que o PC é melhor porque dá pra jogar jogos pesados. Nem a gregos nem a troianos. Muito menos a portoalegrenses.
Sabe aqueles enfeites de Natal que ficam nos pinheiros? Aquelas bolas? Sabe o que elas significam?
As bolas de enfeite de Natal simboliza o presente que toda a criança pobre ganhava na Europa Medieval. Maçãs carameladas. É, isto que você leu mesmo. As crianças ficavam contando dias para receberem de presente, maçãs carameladas. Comiam-nas, devoravam-nas e começavam a contagem regressiva para o próximo natal. Era este o presente. Não havia comparação. Uma maçã não era mais doce que a outra, um filho não era melhor que o outro na hora de receber presentes. Era aquilo.
Presente se dá. Não se pede. Presente é uma graça que alguém oferece em retribuição, ou pelo simples prazer de ver algum olho brilhando. Presentes significativos fazem chorar. Presentes errados nos fazem rir. Ganhar sabonete cheiroso, xampu ou colônia poderia ser sinal de desconfiança. Será que ando fedendo? Pais ganham gravatas. Nunca vi um pai reclamando que sua gravata era pior do que a gravata do cunhado. Pedir presente é mais um subterfúgio do consumismo natalino.
Irmãos pedem presentes. Já sabem o que irão ganhar. Acho que a maior sacada do meu natal era a surpresa. O que eu ganharia? Quem me daria o que? A maioria hoje já sabe o que irá ganhar. Não tem graça. Fora amigo secreto. Que na maioria das vezes nem é mais secreto.
Filhos reclamam que são injustiçados, são tratados de maneira diferenciada. Que são menos amados do que os outros irmãos. A irmãzinha, terceira da família que é a mimadinha do papai. O primeiro filho, primogênito, que merece maior respeito. E o segundo, sempre o rebelde da família, por justamente estar no meio. Nunca igual, nunca melhor. Por que?
Educação é hoje a coisa mais difícil de se definir, mesmo que pedagogos tenham orgasmos piagetanos. Os vetores sociais de comportamento são múltiplos e multifacetados, o que torna a educação e o aprendizado mais complicado que os doze trabalhos de Hércules. Como criar, o que priorizar na Educação, que informações os filhos podem ou não podem ter. Falo de morte com minhas filhas desde que eram pequenas e com a maior naturalidade possível. Na minha morte, chorarão de saudade, pela perda, não pela morte em si. Faço errado?
Não criamos os filhos de igual modo. Mesmo que sejam gêmeos e andem ridiculamente com a mesma roupinha, são apenas semelhantes, não iguais. Agora, criar filhos diferentemente não significa que um seja melhor ou mais amado. Significa que respeitamos as diferenças de personalidade de cada um. Uma maneira de falar para com o maior. Outra maneira de falar com o menor, o mesmo assunto. Conteúdo igual, retórica e discurso diferente.
Respeito, boa educação, amabilidade, sociabilidade e cidadania é igual para todos. O mesmo respeito que temos por chefes, superiores, ou aqueles que nos alimentam, devemos ter pelos filhos. E ensiná-los a ter este respeito. Não são limites. São filtros. Sermos amáveis é normal, não é exceção. Sendo amáveis, nossos filhos naturalmente o serão. Crianças aprendem mais por modelagem e imitação do que por discursos e métodos mirabolantes. Sendo, eles serão. Não comparando, eles não compararão. Não julgando, eles não julgarão. Não jogando, eles não jogarão. Ou então faça como eu: juntarei dinheiro pra comprar um note pra maior e um PC pra menor. E haja conta de luz...

13 de dez. de 2011

CARTA AO PAPAI NOEL

Não, Papai Noel. Desta vez não pedirei carrinho de bombeiro. Eu cresci. Meus desejos também cresceram. E ademais, as crianças não sonham mais em ser bombeiros ou pilotos de caça para defender o país dos comunistas. As crianças de hoje são mais realistas. Sonham em ser um Peter Punk e ter uma banda como a Rock Bones, ou sonham em ser como o Neymar, mesmo que elas não saibam direito o que o seu herói faz com as modelos. Falando nisso, as barbies perdem espaço para kits de maquiagem e vales-corte de cabelo. Meninas não sonham mais em ser modelos. Elas querem ser modelo no agora. Ser modelo e jogador de futebol só depende de vetores que você, Papai Noel, não precisa dar de Natal.
Minha cartinha, bom velhinho, faz pedidos fáceis de realizar. Nem precisarás explorar os pobres gnomos que fabricam sem parar nesta época do ano. E, mesmo porque no pólo norte deve ser difícil de aparecer algum fiscal do trabalho. Foste esperto, by the way...
Desejo pouca coisa. Peço pra ti que faça com que as pessoas não se apresentem na defensiva e deem uma chance de conhecer melhor alguém estranho. Peço pra ti que os seres humanos busquem um comportamento amigável e que se desliguem um pouco do trabalho extenuante e pensem mais nas pessoas próximas que as amam. Que parem de reclamar e vão à luta para conquistar seus sonhos. Que promovam uma índole pacífica e não usem automóveis como arma de destruição em massa. Que bebam, mas que peguem um táxi e deixem o carro em casa, pra variar. Peço que o mundo pare um pouco e reflita sobre o que seremos num futuro próximo. Um uso mais consciente dos recursos naturais e uma convivência equilibrada com a natureza. Peço que os vizinhos de um mesmo condomínio cumprimentem-se com um simples "bom dia", e se fizerem algo que possa ter prejudicado outrem, um simples "desculpe" já basta.
São desejos, talvez nutridos por sonhos. E, Papai Noel, que se veste de vermelho e obviamente torce para o mesmo time que eu (nossa única identificação), não peço essas coisas pra mim. Peço por minhas filhas, e por bilhões de filhos e filhas que habitarão este mundo depois que eu for embora dele. Não é muito, é só uma pequena mudança de atitude e, consequentemente, de pensamento.
Mas eu sei. Minha carta ficará jogada no meio de muitas e não será atendida. Foi o que aconteceu na minha primeira carta. Pedi um carrinho de bombeiro, daqueles que levanta sozinho a magirus. Ganhei um Forte-Apache. Sempre ganhava um Forte Apache. Não me atendeu. Mas foi bom. Eu cresci e descobri o que realmente acontece no Natal.
É uma estratégia tua, Papai Noel. Tu não atenderás o meu pedido por uma questão muito simples: se o mundo for um lugar melhor para se viver, as crianças não pedirão obsessivas, um novo game ou tablet. Se as pessoas se respeitarem mais e o mundo ficar menos violento, a sociedade não precisará da fuga do consumismo patológico. Aí tu não serás mais necessário nos shoppings. O natal passará a ser o que era, uma história religiosa. Bem esperto, velhinho barbudo.
Encerro minha carta com um protesto. Que se acabe com o monopólio do entregador de presentes. O mercado sem concorrência não evolui. E tu, Papai Noel, monopoliza a entrega de presentes. E não atende a todos os pedidos. Quem sabe a criação de alguma "Mãe Katiúscia", ou algum "Titio Horácio" não te faça mais competente e eficiente?
Quem sabe...
Um sindicato dos EPN (Entregadores de Presentes Natalinos) até que não seria uma má ideia.

8 de dez. de 2011

Por Quem os Sinos se Dobraram

A história é cruel com o desuso. Ela é avassaladora com os recursos que outrora eram significativos à sociedade. A lei do uso e desuso em vigor. O que não é hábito, o que não é mais significativo para o meio social, torna-se supérfluo. Ah! E incomoda, atrapalha. Afinal, o ser humano tem de progredir linearmente, não pode retroceder. Exemplos? A caligrafia. Ganhava-se prêmios pela melhor. Alunos exemplares eram detentores das formas perfeitas, com letras esguias e imponentes. Arremedo de conteúdo e estética. Hoje, garranchos inteligíveis são tolerados por serem inteligíveis e não causar desconforto entre pais permissivos e professores estressados. Pra quê? Net, notes e PC's têm teclados e não canetas. Uso e desuso. Caligrafia (kalós = belo; grafós = escrita)é supérflua. Incomoda.
Até o visionário rico Santos Dumont usar o primeiro protótipo do relógio de pulso, sendo ele e Cartier, seu amigo, os prováveis inventores, relógios eram caros e usados pela aristocracia. As horas então eram medidas por outros meios. Meu tio de Venâncio Aires, olhava o sol e não errava. É, talvez os minutos. Mas a hora ele sabia. Quando não tinha sol? Não sei, não me lembro de tê-lo visitado quando chovia. Sinos de igreja eram um dos recursos. A comunidade mantinha-se informada da passagem das horas ou de algum evento importante pelo bater do sino. Ouvia-se a quilômetros. Não incomodava, nem se calculavam decibéis para saber se era poluente ou não. Estava lá, no alto das igrejas, imponente. Uma cena significativa do filme 2012 e que passou despercebido por quem não tinha conhecimento de causa, foi a do monge budista tocar tranquilamente o sino enquanto uma onda gigantesca o assolava. No Oriente, os sinos eram os arautos de invasões, tragédias ou qualquer outra coisa que pudesse ser antecipada. O sineiro no Japão da dinastia Tokugawa era importante. Não importa o que acontecesse. Ele tinha que tocar o sino. Sinos são, até hoje, o prenúncio do Natal. Mesmo que não vivamos em meio à neve.
O sino caiu em desuso. As igrejas badalam seus sinos para avisar o começo do serviço de adoração. Domingo pela manhã normalmente. E isto deve incomodar. Foi o que aconteceu com o Serginho, numa cidade litorânea próxima. Sua casa ficava ao lado de uma igrejinha protestante, antiga mas bonitinha, construída com a chegada de imigrantes alemães, há muito tempo, onde o sino era importante.
Serginho é um adolescente, como diríamos, "prafrentex". Dinâmico, pro-ativo, produtor, re-produtor, bombástico, bombado, surfista bronzeado 365 dias por ano, estudante de direito na faculdade particular da metrópole mais próxima. Aos sábados, a prancha e o neoprene são suas ferramentas de trabalho: surfa até umas 17h. Seus amigos o admiram. As moçoilas casamenteiras, doidas de amor não-interesseiro, o admiram. Serginho, o queridão. Fica no bar com os amigos à beira-mar, curtindo a vista, tomando sua cervejinha moderadamente e ouvindo sertanejo universitário, com o som vindo de sua caranga envenenada com 150W RMS e duas caixas médio-grave. Aliás, Serginho é altruísta. Não só ele, mas toda a praia pode desfrutar de seu gosto musical. Embora a cidade possua uma lei que reprime a poluição sonora, acima de 50 decibéis, Serginho é filho do Seu Nestor, o melhor amigo do prefeito. Policiais militares não querem incomodação. Afinal, quem reclama são os idosos. A maioria fica inerte e não se pronuncia. Lá pelas 20h, Serginho volta pra casa, larga suas ferramentas de trabalho, toma um banho, come alguma coisinha, briga com a mãe e sai pra balada de sábado à noite. Afinal, as moçoilas estão aí e não estão prosa...
Volta pelas seis da manhã no domingo. Cansado, extenuado de relações pessoais e intrapessoais, dirige-se ao leito gostoso, arrumado por Dona Chica, sua mãe. Dorme o sono dos justos mas não dorme direito (nem sempre o que é de justiça, é também de direito). Serginho tem sono leve, pobrezinho. O sino da igrejinha evangélica toca às nove horas da manhã. Pessoas simples, idosos, crianças e casais dirigem-se para seu interior. O sino chamou. Serginho, no entanto, não se sentira "chamado" pelo sino e sim, incomodado. O caso, claro, chegou à Câmara de Vereadores. Seu Nestor sofria ao ver o filho não conseguindo dormir por causa da poluição sonora. O decreto foi claro: o sino da igreja estava proibido de tocar. Incomodava. Culpa do sino. Não tocava sertanejo. O sertanejo é estimulador, o sino, bucólico. O sertanejo é romântico. O sino, gótico. Uso e desuso. Meu espírito saudosista pranteia, tocando bucolicamente, o som sineiro em meu coração.

30 de nov. de 2011

Sombras... À margem de...

Peter Pan achou Wendy tentando capturar sua sombra. O fenômeno físico da forma pela simples "obstaculação" da fonte luminosa engendra um universo metafórico de implicações psicológicas existenciais. Esta aiônica é uma homenagem sincera àqueles que viveram à sombra das celebridades, sejam amigos, patrões, pais, ou mesmo donos (imagine o dono do Rim-tim-tim, ou mesmo do Marley). Que fizeram do fenômeno físico, um fenômeno psíquico fantasmagórico, bruxuleante, que os perseguiu, durante toda a vida.
O foco luminoso que serve de exemplo para nossa análise é a irmã de Wolfgang Amadeus Mozart. Maria Anna Mozart, cinco anos mais velha que o irmão. Aos sete, tocava teclado tão bem quanto o seria a celebridade emergente. Era sim, um prodígio.
O que nos faz simplesmente sermos sombra de alguém popular, famoso, notório, com talento para algo que outros apenas sonham em ter? Será que próximos, não gostaríamos de "tirar casquinhas" desta fama toda? Mas e quando sabemos que somos tão talentosos quanto os famosos? Pensemos melhor sobre isto.
Um número significativo de mulheres sempre me disse que todo músico fica sexy quando se apresenta. Não importa sua beleza ou sua compleição física. Ed Motta que o diga. E o Tim que o dissesse. Tornam-se evidência, e evidência é, em última instância, poder. Carisma? Pode ser, ainda que esta palavra não esteja muito bem explicada. Os especialistas usam o termo empatia. Mas empatia até minha professora de primário tinha, mas sei que, pobrezinha, não tem seu nome hoje em alguma Escola. Gessy, o nome dela. Simples e perfumada como o sabonete.
Famosos são carismáticos porque têm talento, ou são talentosos porque têm carisma. Ao invés de ficarmos elucubrando sobre ovos e galinhas, simplesmente admitamos que talento é talento e carisma é carisma. Mesmo que os dois coexistam, não significa que a pessoa será famosa. Beethoven tinha uma genialidade e um talento muitíssimo acima de sua truculência. Se fosse outro mané surdo, não continuaria atuando como músico, pois seria sombra de sua própria sombra.
Anna Maria era o ídolo da infância de Wolfgang. Ele sonhava em ser como ela ao teclado. Foi. E foi compositor também. Anna, desejava muito ser compositora também, mas como seu pai um dia lhe dissera: "algumas coisas estão muito além dos homens comuns, quanto mais das mulheres". Mozart, o menino sapeca, é um ícone da música mundial. Anna, quando muito, era sua irmã. Famosa por suas composições? Não. Nada ficou para posteridade. Seriam necessárias muitas outras Marias, como a Curie, para que as mulheres pudessem adentrar no mundo masculino. Mas parece que o da composição musical ainda conserva o feminino à sombra. Sombra esta honrosa, pois são consideradas musas dos compositores. Mas até crianças que descobrem que o Papai Noel é na realidade, o Papai Ma Noel, sabem que musa é mitologia grega. Compositoras populares estão, felizmente, mostrando que a composição é assexuada, e... "amusada".
O que faz com que vivamos à sombra? Wolfgang insistia para que Anna desobedecesse ao pai. Ele mesmo fez muito isto durante a vida toda. Mas não. Anna era obediente. Na adolescência já não acompanhava pai e irmão nas turnês que o tornaram famoso e respeitado. Preparava-se para casar. Seguir o status quo social europeu do final do século XVIII. Anna escolheu ser assim? Sim e não. Escolheu seguir o manual à risca, talvez porque não queria macular a fama do pai, nem do irmão. Mas condições tinha e tinha muito. A Superinteressante exalta a genética dela, dos Mozart, mas afirma que o ambiente influenciou. Então Anna simplesmente decidiu ser da época dela. Quem sabe o que a história poderia contar de uma maluca compositora em pleno século XVIII?
Sombras são o contraponto da luz quando algo se antepõe à fonte geradora. Mozart seria menos conhecido se a irmã desenvolvesse sua genialidade? Não creio. Acho até que formariam a primeira dupla caipira da história: Anni & Wolf, mais ou menos como Sandy & Júnior.
Anna foi sombra. Mas só foi sombra porque no início foi luz. A vida a sombreou e ela decidiu por cobrir-se de negro, ficando na penumbra da história. Quantas sombras estão aí, dando a luz à celebridades? Quantas Annas estão construindo Wolfgangs e não podem ir à luz só porque não possuem uma beleza televisiva? Quantas eminências pardas que a história adoradora de indivíduos criou para que os famosos tenham seu nome na eternidade? Estou, no exato momento que escrevo esta aiônica, ouvindo Mozart. O Wolfgang. Mas desejava muito ouvir também sua irmã. Para comparar? Não. Para trazer à luz. Serei como Peter Pan. Capturarei minha própria sombra para que não ofusque a luz de ninguém.

21 de nov. de 2011

Tragédia - Notícia = Estatística

Melissa é repórter. Matinal. Sua rotina laboral inicia mais ou menos no mesmo horário que muitos chegam da balada. Banho, maquiagem, café rápido, carro, emissora. Seu trabalho, após cinco anos de luta para conquistar um lugar ao sol no canal aberto de maior assistência no país, tornara-se mecânico. Ou cobria algum evento em uma cidade próxima à capital, ou anunciava algo novo. Por vezes, arriscava um palpite sobre o tempo. Reclamar disto? Nunca. Melissa chegara onde muitas sonhavam chegar.
Repórter é jornalista? Não. Repórter carrega o piano. É itinerante. Vai onde a notícia está. Tira da manga um questionário rápido de um fato inusitado ao qual foi chamada para reportar, gerar notícia. Repórter é a história, viva. Dos milhões de micro-eventos durante as vinte e quatro horas do dia, é o repórter quem imortaliza determinado evento. Mas, por ironia do destino amplamente planejado do mundo televisivo, não é Melissa quem escolhe qual evento ganhará a alcunha de imortal-salvo-em-hard disk. São os editores, redatores e chefes. Quais monges escolásticos, eles decidem o que é doutrina e o que é heresia.
A tragédia. Numa quinta-feira, Melissa acordara depois do horário. Balada? No meio da semana? Não. Melissa era centrada, e seu trabalho era tudo. Mas não era de ferro. Acordou de sobressalto, arrumou-se como pôde e saiu em desvario, a fim de não se atrasar. Esquecera os óculos, que formavam a imagem simpática da morena baixinha, bonitinha e nerd, elogiada por quase toda a rua (menos a Kátia, sua arqui-inimiga, que também sonhava em ser repórter). Dona Mância, sua avó, era um orgulho só. A neta era repórter. Mância fizera de tudo para que Melissa chegasse a este posto. Costurava, limpava casas, vendia potes de conserva. Pagou o curso de Melissa, viu-a se tornar mulher. E de sucesso. Por toda esta intensidade, Mância, a Mãe Mância, não iria deixar que sua neta querida perdesse a identidade. Quem não tinha nenhuma identidade era Regina, que aos quarenta e oito anos de idade, ainda chegava da balada. Errara com a filha. Não erraria com a neta.
No mesmo impulso de Melissa, Mância corre em direção ao ônibus para encontrar Melissa no trabalho e entregar o precioso óculos. Sobe no ônibus, agarra-se mal ao corrimão, e o motorista, apressado, arranca. Ela cai no asfalto, bate a cabeça. Desacordada. O cobrador foge, desesperado. Pessoas acorrem e chamam a polícia. Quinze minutos a polícia aparece e dois minutos depois, a ambulância. Tarde, muito tarde. Melissa dá-se conta que esquecera os óculos. Neste mesmo momento, sua chefe a chama para cobrir um acidente na zona norte. Uma senhora caíra do ônibus e morrera esperando socorro. O primeiro grande furo de reportagem de Melissa. Deixa o pensamento sobre o óculos de lado, e corre com o câmera man para o local. Chega arfando e vê um corpo do que parece uma senhora de idade coberta por uma lona. Policiais, perícia, trânsito caótico, fiscais de trânsito berrando apitos... Melissa vai na fonte: a polícia. Não dizem muita coisa. Com seu faro, vai à procura de elementos para criar a notícia. Aprendera sensibilidade e perspicácia com a avó, que era mãe ao mesmo tempo. Procurou documentos, algo importante... Olhou para a mão esquerda da mulher, que jazia para fora da lona: um óculos. Igual ao dela. Era o dela. Reconhecera pela marca que fizera por questão de segurança. Ela tinha um TOC conveniente, de marcar tudo o que era seu. Se o óculos era dela... aquele corpo deitado, envolto em sangue.. Mância. Mentora. Mãe. Era ela. Melissa engole o choro. Contém-se. Aprendera a arte da imparcialidade. Sem o óculos dá a melhor reportagem de sua vida. A gravação termina, ela cai ali mesmo, esvaída em choro copioso. A tragédia. Sua avó se fora. Ela era sua força, seu esteio.
A notícia. Melissa volta à emissora. Vai direto a uma tevê. Espera ver sua reportagem passando na telinha. Não era por questão profissional. A imparcialidade é diretamente proporcional ao distanciamento que temos com determinado evento. Chorando, espera ver-se reportando o acidente com a avó. Ninguém na emissora sabia que aquela, era dona Mância, que no horário de almoço, trazia doces para Melissa e seus colegas. Aquela notícia era sim, uma homenagem àquela que dera seu sangue para que Melissa chegasse onde chegou. E que no último momento de sua vida entregaria os óculos da neta. Mância seria imortal. Todos lembrariam-se dela e da fibra de uma neta que reportara o acidente da própria vó.
A estatistica. A reportagem não veio. Em lugar dela, o furo era de mais um político pego em flagrante ato de corrupção, desviando alguns poucos milhões do erário público e que, por questões de ética e amor à pátria, desviara bem menos do que poderia. Sobre isto, a emissora criara uma novelinha que durou o programa de notícias inteiro. Ao final do programa, o anúncio de um acidente trágico. Apenas anúncio, mais nada. Um político corrupto com noções de ética amoral era mais importante que sua avó. A última frase ecoou na cabeça de Melissa: "Com esta morte só neste ano são mais de 1200 mortes por atropelamento. Vinte por cento a mais do que no ano passado". Mância tornara-se um número estatístico. Mais um. Melissa, num momento de ira incontida, falara a chefe, com sorriso amarelo que, se sua avó tivesse se candidatado a vereadora, ganharia fácil. Seria notícia, não estatística.
O que são planos cartesianos? Localização de coordenadas. Todos aprendem isto no ensino médio. A matemática. Cálculo. A mecânica do cálculo. O que poucos se dão conta é que os pontos que constituirão os fatores de cálculo são escolhidos, e estas escolhas estão atreladas à forças múltiplas de intensidades variadas. Forças humanas, demasiadamente humanas... egóicas.

Esta crônica é uma homenagem a todas as tragédias pessoais que no final, viraram estatística.

24 de out. de 2011

Tempo Real

E, aqui vamos nós outra vez. Ao findar da digitação, esta crônica será postada, em tempo real. Salvo bugs e problemas de hardware, meus e mails enviados chegarão rapidamente ao destino. Ligo a tevê e vejo notícias do que aconteceu há pouco, no mundo. Filmaram, em tempo real e com um celular, a morte daquele que um dia foi o homem mais poderoso da Líbia. A imagem do ditador em trajes luxuosos contrasta com a condição miserável no momento da morte. Tudo, em tempo real.
Muito se disse sobre a passagem do tempo. Ela é absoluta? Ela é relativa? Hoje é, realmente, 24 de outubro de 2011? Os dias passam, os meses passam, e os anos, à medida que envelhecemos, passam cada vez mais rápido. É como um caminho que da primeira vez fora desconhecido parecer bem mais curto depois de conhecido.
O tempo passa, quer queiramos ou não. Como ele passa, depende de nós, ou dos governos estaduais de nosso país que decidem adotar o horário de verão... ou não.
É. Mais um horário de verão. Sendo a voz que clama no deserto, venho em defesa daqueles que, como eu, acostumam-se com o adiantamento de uma hora, mas não adaptam-se completamente. Não sei quantos são. Penso que a criação de uma ONG "Salve o Ciclo Circadiano" seria uma boa pedida para saber quantos somos neste território de muitas ideias e poucas reflexões.
Meu relógio biológico é totalitarista. A democracia não passou nem perto. Meu organismo tem horário para tudo e depois dos quarenta, ninguém o tira do poder. Meu lobo frontal não pode simplesmente ordenar à minha pineal ou ao meu reptiliano que modifique toda uma rotina. Conclusão: a autocracia do Estado digladia ferozmente com a autocracia do meu metabolismo. Resultado? Não consigo dormir mais cedo. Mas me obrigo a acordar mais cedo. Sono, irritabilidade, raciocínio lento são apenas algumas características. Isto sem falar que meu intestino grosso não está nem aí para meu horário de trabalho.
Se eu pudesse votar? Votaria pelo não. No entanto, tenho plena consciência que somos minoria. A maioria esmagadora prefere o horário de verão, e os argumentos para isto, beiram à humilhação. Sentem-se mais dispostos. Dizem trabalhar melhor. Podem aproveitar por mais tempo a cervejinha do happy hour, visto que "demora" mais pra escurecer. Bem, então poderíamos adiantar o relógio três horas e não apenas uma, e neste caso, a diversão duraria o dia inteiro, praticamente.
Qual é a razão de um Estado autoritário resolver adotar o horário de verão? A economia de eletricidade. Pensemos sobre isto mais a fundo.
O horário de verão foi instituído, por livre e "espancada" vontade, no início da Era Vargas. Era descontínuo. Acontecia em alguns anos e em outros não. Portanto, medida impositiva. O horário de verão foi inventado por um inglês, em 1907, cujo objetivo era a diminuição do consumo de eletricidade. Sim, num país do hemisfério norte, onde anoitece em torno das 22h em alguns países no primeiro semestre, o horário de verão era uma dádiva.
Uma curiosidade. Trinta países adotam o horário de verão, e as datas de início e fim não são determinadas por critérios astronômicos. A decisão, como é comum, é política. O Brasil é o único país equatorial que adota o horário de verão. Por quê? Pense um pouco e tente se lembrar das aulas de geografia do ensino médio. Ah, você matou as aulas? Que peninha.
O horário de verão realmente economiza energia? Pensemos sobre isto também. Segundo a ONS, a questão nem é a economia, mas a segurança do sistema. Ainda operamos com aparelhos criados nos anos setenta para gerar e distribuir energia. Qualquer pico maior de luz gera apagões. Então, nem de longe é a economia, o principal fator.
Economizava-se luz no começo, quando foi adotado. Hoje, o natal faz com que milhões de casas instalem luzinhas coloridas até na pia do banheiro; papais noéis luminosos com direito a renas e premiações em associações de bairros. Por causa do eterno rabo preso entre poder e indústria, a venda de carros triplicou nos últimos anos. Ué, mas carro não gasta combustível? Sim, mas o processo de manutenção dos carros gasta eletricidade. E muita.
Os lares estão repletos de celulares. E estes tem de ser recarregados. Televisores de LCD em todos os cômodos da casa. Computadores e notebooks também. Luzinha pra isto, abajur praquilo... Refrigeradores ocupando mais de 30% do espaço da cozinha, fornos micro-ondas, forno elétrico, sprints paradisíacos. Estamos é gastando mais energia, e o pior: cada vez mais. E quem paga o pato? Meu organismo.
Ok, continuo tentando me adaptar, afinal, não sou governo, não exerço poder. No máximo, me acostumo. Mas acostumar-se não é o mesmo que se adaptar. Titãs tinham razão desde o início... Não vou me adaptar. Um tempo real que foge ao real.

8 de jun. de 2011

De Novo...De Novo...De Novo...

Os Teletubbies eternizaram esta frase. Um pedido. Uma súplica. A repetição de algo que proporciona prazer. O programa era um genial chamariz de pato para o público ainda pouco explorado: bebês e crianças até 5 anos. Talvez pouco explorado porque a tecnologia da comunicação não encontrou um jeito de fazer com que a criança expresse sua vontade de maneira que o pai entenda. Não o programa, mas os produtos gerados por este. O que ocorre é que a criança ficava em estado zen quando assistia quatro bonecos introduzindo desenhos animados e fazendo peraltices. Os pais é que, movidos pelo entusiasmo do bebê (que dava 30 minutos de descanso para babás) compravam produtos ligados a eles. O colorido vivo, a presença de bichinhos de estimação, o sol e os rostos felizes eram um simulacro da vida paradisíaca de uma criança.
De novo. Melhor seria "novamente". Crianças adoram assistir ao mesmo filme várias vezes. O cérebro está apenas treinando a linearidade do pensamento, da narrativa histórica simples. Ainda demorará muito para que a sociedade crie um tipo de pensamento não-linear, como Paul Veyne advoga na "História da Vida Privada". Bem, a repetição é então, sinônimo de prazer garantido.
A Política da brasilândia tem um histórico de repetições. Repetições de personagens, de atores sociais, que mudam apenas de partido ou discurso, conforme a direção do vento. Há políticos que já foram execrados pela esquerda carnavalesca carmesin e hoje são defensores acirrados dos ex-inimigos. Nomes conhecidos. Velhas práticas e novos discursos. De novo.
Escolher aquele que aparece repetidas vezes pode ter uma ação compensatória do cérebro. Não se gasta energia pesquisando qual político fez isto ou aquilo. Essa energia só é despendida quando a oposição não gosta da escolha de determinada figurinha repetida para cargos como a Casa Civil, por exemplo. Isto me lembra a narrativa do Nome da Rosa, onde o bibliotecário era o aspirante a abade, quando este morresse. O Chefe da Casa Civil pode ser o sucessor da Presidência.
E a tática usada foi o "de novo" teletubbiano. O ator social em questão já havia sido demitido por desconfianças de ações espúrias no passado lulatório. Agora, no início do ano, foi escolhido novamente. Se é uma estratégia, é genial, porque meus sensores de aranha só conseguem imaginar que se dá a cara para tomar tapa. Oferecendo todas as faces.
A oposição dos anos 2000 desenvolveu uma nova habilidade que pode ser adicionada ao campo político brasilândico: a fuçação. Até agora não possuíam munição suficiente para atacar o governo. Fuçaram. E encontraram. De novo... de novo...
Pergunto-me, absorto em elucubrações filosóficas, se novos personagens surgirão no mundo político ou continuaremos a ver profissionais do entretenimento sendo eleitos e continuar ganhando muito e fazendo muito...pouco...de novo...de novo.
Parafraseando em franco trocadilho com o nome do mais novo desempregado do mundo político, cito uma frase, muito conveniente aqui, de São Vicente Pallotti, escola particular onde estudei no ensino fundamental e aprendi a odiar tudo o que é evento formal: "A pessoa que se propõe metas a alcançar, vive de maneira mais consciente. Deste modo, ela consegue ver para além dos acontecimentos diários e é capaz de ordenar melhor o que lhe acontece". Fica aqui a sugestão para nossa presidenta.

30 de mai. de 2011

Funk do Hino e o Hino do Funk

1985. Nova República. A então famosíssima Fafá de Belém cantou, numa emissora com nome órbico, o Hino Nacional Brasileiro. Do jeito dela, lógico. De maneira sentida, lenta, com interpretação de mpb. Faltou apenas a cuíca fazendo o repinique do repleplé. No dia seguinte, lembro-me muito bem, manifestações contra e a favor do ocorrido. Quem era contra foi associado de cara com a direita; a favor, com a esquerda. Tudo o que se postasse como contrário ao status quo militar era logo associado à Nova República, que de esquerda só tinha alguns políticos que eram canhotos.
Positivismo. Postulado filosófico dominante no século XIX. O positivismo na história demandava um processo histórico definido por "grandes homens". O exército brasileiro da proclamação da República era todo positivista, praticamente. Seu maior expoente foi Benjamin Constant. A Igreja Católica, a Maçonaria e outros segmentos políticos e religiosos têm uma base forte no positivismo até hoje. O positivismo é hierarquizante. Os bons exemplos, os atos heróicos. Os valores, os tão afamados valores. Seja pai, aluno ou professor de uma escola particular e você verá vômitos verbais em torno desses "valores". Ao irmos fundo nesta questão, não há unanimidade nos valores, muito menos na intensidade deles. Pura hipocrisia social.
Militares. Instituição que, no Brasil, não se ocupa de tentar conquistar o Afeganistão, matar o Bin Laden nem malhar o Judas Saddam. Foi simplesmente tocante ver o que esses profissionais, juntamente com outros, fizeram ao participar das operações de resgate das vítimas das cheias do ano passado. Como trabalham tentando, com escassos recursos, manter a ordem e a paz na Amazônia Legal. Esse é o exército que eu sempre sonhei, na minha "esquerda direitosa". Ele existe e está aí.
Símbolos da Pátria. Armas nacionais. Endeusadas à exaustão no regime militar. Intocáveis. Mudar o hino ou fazer a bandeira do Brasil de camiseta era um sacrilégio. Usar uma calça verde e uma camiseta amarela já era motivo de escárnio pelos colegas. Malgrado dos que eram obrigados a vestir o que os pais obrigavam. Hoje, respeitados sim (ninguém gosta de queimar a bandeira brasileira, preferem a dos EUA) porém não endeusados. A bandeira do Brasil não é tão maior assim do que a camiseta do time para o qual se torce.
Funk. Nádegas a comentar. Batidão. Nome distorcido do que seria o movimento Miami Bass do começo dos anos 2000. Popular nas festas de periferia e também nas festas chiques, depois da quarta cerveja. Homarada enlouquecida e mulherada em franco ritual de acasalamento. Afinal, somos todos filhos da grande mãe, África.
Militares dançando funk numa versão do hino nacional, numa cidade do interior. Todos felizes, num momento de descontração, como mostra o vídeo. Uma encenação gostosa de um estereótipo da rigidez e da disciplina. Em tempos de paz, os soldados russos praticavam as danças folclóricas para se manterem ágeis e em forma. Os soldados franceses de Napoleão bem sabiam que não adiantava correr atrás de um russo: ele quase sempre vencia. Mas as regras. Ah! As regras. Algo que a brasilândia já há muito deixou de dar a devida importância, segundo o parâmetro dos "valores". Mas, assim como o benefício que os militares trazem em tempo de desgraças, as regras existem. Há que ser feliz com outras diversões, infelizmente. As regras não estão aí pra fazer a festa. Ainda mais com samba. Se fosse ao ritmo de Fafá, quem sabe...
O positivismo não se faz presente na sociedade, ao menos como força dominante. Ele, quando muito é um devir, em formas dinâmicas. Meninos brincando com fogo. Um fogo simbólico que só arde na mente de quem endeusa essas coisas.
Dance funk e cante o hino. Mas nunca as duas coisas juntas. Senão o funk do hino pode acabar se transformando no hino do funk. Aí, os arautos da desgraça dirão que não há esperanças. Em 1985 havia. Pergunte à Fafá.

25 de mai. de 2011

PL 122 ou UMA PEDRA NO SAPATO

Parece prefixo de avião teco-teco. PL 122. Daqueles que vemos no litoral, levando de rabeta uma faixa que poucos lêem e os que lêem não dão tanta bola assim. Falando em bola, o Projeto de Lei nº. 122 é uma bola de pelos para alguns setores sociais.
O mais curioso de tudo é: quando há votação para o salário mínimo, não se vê mobilização social tão grande quanto esta que vemos agora, com a PL 122. Entenda-se mobilização social como a gama de e mails que um classe média recebe tentando "conscientizar" a população que lê (mas nem sempre compreende) dado um fato novo de nosso dileto e sacrossanto governo. Talvez porque ninguém mais ganhe salário mínimo, e isto só exista na minha cabeça. E vá saber. Quem o recebe não lê e mails. Nem ler direito sabe, e se lê, por conta do analfabetismo funcional que assola nosso país, obviamente não entende. Votação do salário mínimo não dá e mail.
Mas homossexualismo dá. Lembro perfeitamente de ter lido numa revista, uma entrevista com um ator global famosíssimo considerado ícone do Macho brasileiro. Ele dizia ser gay. Gay era uma palavra nova e diferenciava com certo glamour o termo pejorativo "viado" (que não vem do animal, que inclusive é muito macho, pois tem harém). Viado, putão, bichona, eram termos que segregavam uma classe cuja ORIENTAÇÃO sexual era homoerótica. Então, alguém se dizer "gay" era chique. Ainda mais no meio artístico.
Bem, os anos noventa vieram e o papo era o transexualismo. A tecnologia que muda o sexo. Novidade. Causou frisson. Mas como era muito caro, não dava IBOPE. Hoje, pode-se fazer uma cirurgia de troca de sexo pelo SUS. E pensar que uma consulta pra quem está com aquela dorzinha de estômago que não pára nunca, leva até dois meses.
O novo milênio entrou com tudo. Casais gays saíram do armário e foram morar junto. Assumiram. Fora barracos em condomínios, tudo bem. Mas isto faz parte da cultura da classe média pós moderna. Tentar ser chique mas não negar a origem do bairro pobre. E, claro, estes casais começaram a requerer tudo o que um casal tradicional pode ter, pela Constituição: filhos, estabilidade, herança, etc...
Nada mais normal. Acontece que o normal está na prática. Quando vira lei, forças reativas da sociedade, calcadas em tábuas com mandamentos e frases de efeito, aí a coisa encrespa. Por que? Porque vira instituição. E aí ninguém mais pode falar nada. E a PL 122 é justamente isto. Um avião que muitos não querem que voe, mesmo que esteja com o motor ligado há muito tempo.
Acho que está na hora de avisar a população leiga que Estado e Igreja estão, desde a Revolução Francesa, separados entre si e, que esta não deve interferir naquele. Ou mesmo, seguir passagens como "toda autoridade vem de Deus". Ao menos isto. E deixar que o Estado seja o provedor social de tais possibilidades, como a união estável e o casamento entre pessoas de mesma ORIENTAÇÃO sexual.
Quem sabe poderíamos canalizar nossa força reativa diante das coisas governamentais reivindicando uma jornada menor de trabalho e salários mais dignos para os trabalhadores? Na Europa, isto aconteceu nos anos setenta. Lembro-me perfeitamente disto. Quem sabe não poderíamos mandar mais e mails e tentar "conscientizar" a sociedade que lê e entende o que é lido, de limitar os ganhos dos políticos? Que concursados não possuam mais a tão famosa estabilidade e que isto seja realmente cumprido?
Os homossexuais são minoria na sociedade. Merecem respeito. E respeitar também é criar leis que os protejam. Sou hetero, mas isto não é motivo de orgulho, pois não estabelece nível de qualidade sobre quem é gay. Se a sociedade for toda gay, algum dia, serei minoria, e lutarei pelos meus direitos também.
Aqueles que vivem sobre a égide de leis espirituais que o sejam. Apenas deixem a história seguir seu rumo.

18 de mai. de 2011

Arrebatamento

Será um evento único. Imperdível. Os céus se abrirão, nem imagino como, vultos feitos de pura luz virão de todos os lados. Aconselhável o uso de óculos escuros. 3D? Não. O evento será mostrado em terceira, ou quem sabe, novas dimensões. Música? Se você gosta do som de trombetas, sim. Só não consigo imaginar o rock progressivo com elas.
O Fim do Mundo. Parte I. Antes da tribulação, pessoas serão arrebatadas, isto é, tiradas do chão e voarão em direção aos céus. Quem disse que o ser humano não voa sem a ajuda de ferramentas apropriadas? Taí. Em alguns sites, isto durará sete anos, pois os salvos serão em milhões e os anjos não têm equipamentos hi-tech para uma ascensão em tempo real e em massa. Eles terão de contar com a velha roda de fogo que fez Elias ascender, e isto leva tempo.
Espetacular. Você estará, neste sábado, dia 21 de maio, caminhando em plena avenida, e de repente, do nada, a gravidade perderá seu efeito sobre determinadas pessoas. Se você irá levitar junto é outra história. Mas será algo inominável. Mesmo as pessoas que não se lembrarem desse postulado escatológico do cristianismo, levitarão estupefactas, morrendo de medo que a gravidade volte a exercer seu poder e elas morram de maneira trágica.
Isso nos faz pontuar algumas situações concernentes ao território científico. Como ascenderão os mineiros que trabalham no subsolo? Além de burlarem a gravidade também burlarão a impenetrabilidade, que é uma das propriedades da matéria? Pessoas que estiverem num elevador também ascenderão? Mas elas já estarão ascendendo.Não acho aconselhável andar de ônibus neste sábado. Se o motorista for arrebatado em pleno percurso? Babaus! Curioso. Há um outro problema também. À medida que vamos nos afastando do chão, o oxigênio, que é um gás pesado, ficará rarefeito. As pessoas podem morrer asfixiadas, se passarem dos 5000 metros de altitude. Ao ultrapassar a estratosfera, com certeza morrerão de falta de ar. Que morte horrível. Aconselho a todos que têm certeza de seus arrebatamentos, que arranjem tubos de oxigênio e roupas para grandes altitudes. Na ionosfera, a temperatura chega facilmente aos oitenta graus negativos. Ah, uma roupa pressurizada também ajudará na sobrevivência do arrebatado. Pensando bem, ser salvo está saindo muito caro. Talvez seja melhor ficar por aqui e tentar a sorte de outra forma.
Arrebatar, segundo o dicionário, significa tirar alguém ou algo de algum lugar com violência. Então, para o arrebatado, não será uma coisa delicada. Será pujante. Dolorida até. Neste sábado, é bom andar de tênis e roupa leve (por baixo da pressurizada). Penso que o felizardo estará tão feliz, mas tão feliz, que nem notará o que está acontecendo. Quanto a nós desafortunados, vale a beleza de tamanho espetáculo.
Falando nisso: e se você NÃO for um dos arrebatados? Desespero? Choro e ranger de dentes? Não se preocupe. O texto diz que ainda há chances de salvamento (e sem o tubo de oxigênio). Mas que dá medo, isso dá. A pergunta será respondida. Tudo o que estava escrito era então, verdade... Segundo a familyradio, uma rádio de internet que está divulgando o evento, isto acontecerá no sábado. É bom ler esta crônica antes, e recomendá-la aos amigos. Prevenir é sempre melhor do que remediar.
Uma última recomendação. Doe todos os seus bens. Provavelmente não permitirão bens materiais lá em cima. A gravidade não se anulará com eles. Não adianta agarrar-se ao seu cofre para que ele ascenda junto. Desapegue-se de tudo e deixe para os que ficarem. Ah, e não esqueça de me passar sua senha do banco, o segredo do seu cofre e o lugar secreto onde você guarda aqueles Euros (não me venha com dólares) que estava guardando para uma viagem à Cancún.
Boa viagem. Bom arrebatamento. Ficarei aqui, guardando seu lugar.

1 de mar. de 2011

Sedução Passiva

Muito bem — disse a mãe à menininha de olhos grandes, cachos dourados e um gorro que se estendia por uma capa, de reluzente vermelho: Leve esse bolo mais rosquinhas e este pote de geléia para a vovó que está doente. Mas evite ir pelo caminho da floresta. É mais curto, porém mais perigoso. Não fale com estranhos.

Chapeuzinho. Arquétipo da infância inocente, feliz e levada da breca. Mas observando de perto, as figuras denotam uma adolescente de curvas aflorando, uma quase mulher. Mais ou menos como as meninas que tatuam borboletas em seus corpos. São lagartas prestes a virarem pupas, para daí saírem borboletas. Curiosa, Chapeuzinho recebe de sua mãe, mulher experiente a exortação de não seguir pelo caminho fácil e curto. A Chapeuzinho então é dado o poder de escolha. São dadas as chaves do arbítrio. O fogo divino. No entanto, ela segue a borboleta. Seu desejo é a transformação e acaba entrando na floresta. Maldita borboleta. Maldito desejo. Lá se foi o arbítrio. A coruja, o superego regulador, avisara — Não vá pela floresta! — de nada adiantou. O desejo borboleta pulsava em suas veias. Das Ding fazia-se dominante. Nietzsche com certeza riria às pencas.

O lobo. Voraz, matreiro. Segundo a história de Perrault, o lobo já conhecia Chapeuzinho. Sua estratégia foi simples e eficaz: fala mansa e busca de informações que seriam valiosas para atingir seu objetivo. Uma aposta: a velocidade. Estar um passo à frente. Isto facilita. Não deixa que aquele que está atrás tenha tempo de pensar. O da frente age mais rápido ditando as reações do segundo, como numa corrida de Fórmula 1. Chapeuzinho não teria tempo pra pensar. Bem sabe o lobo a relevância de fazer uma mulher não pensar. Homens que deixam-se levar apenas pelo instinto predador aliado ao de passar seus genes ao maior número de fêmeas possível, geram estratégias incríveis a fim de conquistar e agradar. Qualquer Chapeuzinho que esteja “vermelha” (ou, cuidado com as ruivas), em fogo, ávida por uma experiência, vai ter que rebolar muito para se desvencilhar de suas investidas. Não, pensando bem, rebolar seria contraproducente nessa hora. O lobo então, fabrica toda sua razoabilidade a partir de seu instinto de preservação, na história, maquiado pelo de sobrevivência. Bem diria o escritor: “Descemos das árvores apenas para impressionar nossas namoradas”.
A dialética precisa da síntese. Seria muito fácil o lobo comer a Chapeuzinho na floresta. Comer agora ou depois daria no mesmo?.Chapeuzinho já estava ali, a borboleta saindo do casulo. Não. A síntese não foi nem a vovó. Foi a casa. A alcova. O lugar seguro onde segredos de defloração são guardados a sete chaves. A casa não é só o refúgio para o lobo, mas também para Chapeuzinho, caso o lobo se mostre um ótimo amante e escute suas mazelas de porque ela não pode comer o bolo que estava na cesta. Aí então a casa deixará de ser o motel para ser o lar. Quatro paredes. A quaternidade. A quadratura do círculo. Se o lobo comer a chapeuzinho e ficar pro café da manhã... Pobre lobo.

Por que o lobo simplesmente não devorou Chapeuzinho? Disfarçou-se de vovó, fez todo um auê para uma coisa que devia ser muito simples: deixar a porta aberta, vê-la entrando e abocanhá-la. Não, seria muito fácil. Na história de Perrault não há caçador que restabeleça a vida das duas. Elas são comidas. E ponto final.

O lobo precisa do Édipo. O ardil é excitante e provocador e por isso irresistível. Decifra-me ou te devoro. Devorou. Mas ela decifrou. E daí? Chapeuzinho seria tão tola assim de não ter se dado conta que aquilo fantasiado de mulher era um lobo? Ou simplesmente um lobo em pele de mulher, o fetiche da chapeuzinho? Quem era sonho e quem o sonhador? Se fosse nos dias atuais, a menina tiraria uma foto do lobo com o celular e colocaria em algum blog. Sairia correndo e rindo do pobre canídeo. Mas não, é evidente, no subtexto, que Chapeuzinho sabia que aquilo era o lobo. Mas ficou. Decidiu. Teve o arbítrio. Decifrou o enigma da pupa e deixou-se ser borboleta. Foi comida.
A pupa nos parece que a lagarta morreu, mas não era morte. Era renovação e simultaneamente outra coisa já. O desejo foi a faísca libertadora da pupa. Chapeuzinho Vermelho agora seria “Biquini Pink”.

Não só a história, mas a etologia, o comportamento animal é cruel. São as XX que escolhem o parceiro. XY são apenas depositórios de sementes. Mas elas foram condescendentes. Deixaram para os XY a tarefa de se mostrarem realmente aptos para a transformação. Elas geram pelo ventre. Nós, pela palavra. Chapeuzinho decifrara o lobo como forma de sedução passiva, implícita, mas mortal. Para ela? Pense... mas nunca, nunca num motel com a chapeuzinho em fogo... Afinal, foi ela quem escolheu, quem disse “sim”.
P.S.: Ás feministas: gerar pela palavra foi um eufemismo. Vocês também geram por ela, e muito. Discutir a relação é a prova cabal disto.