27 de jul. de 2010

Animais Videntes

Século XXI. Tecnologia da comunicação. Pesquisas científicas nas alturas. A metereologia, por exemplo, está caminhando para um prognóstico acertado do tempo em relação ao que acontecia há quinze anos atrás. Podem-se prever com antecedência espantosa as repercussões globais de um crash da bolsa de valores de algum país. A sociedade, nas últimas décadas, tem procurado se organizar no sentido de poder prever, através da lógica e da multidisciplinariedade de diferentes áreas do conhecimento coisas ruins que possam vir a acontecer, prejudiciais à existência humana na Terra. Meteoros maníaco-depressivos são uma delas.
Dois mil e doze. Prevendo o futuro, já marquei uma cervejada com meus amigos no dia 22 de dezembro daquele ano. Prevejo o melhor, mesmo porque se o pior acontecer, será o fim da picada... Literalmente.
Sob as forças que dominam, normalmente aparecem forças reativas na mesma intensidade e significância. Quanto mais a ciência e a tecnologia evoluem no sentido de melhorar a qualidade da vida humana, mais a superstição e a busca por respostas além do conhecimento científico crescem na mesma medida. O futuro sempre foi uma constante preocupação. Necessitamos saber o que vem por aí, não importam os meios usados para isto.
Bem, nesta última copa mundial de futebol entrou em cena um outro tipo de craque: um polvo. Também uma foca, um cão e um papagaio. Animais videntes. Uma novidade a ser amplamente comentada. O povo Paul, inclusive, fará uma pontinha num filme chinês. Beverly Hills que se cuide. Aí vem o zoológico, com tudo.
O curioso é que na antiguidade os animais não eram adivinhadores, mas por outro lado, instrumentos de adivinhação. Lia-se o futuro nas entranhas dos peixes; previa-se o tempo no voo das aves, e assim por diante. Aos animais não era dado o privilégio de pensar, refletir e prever o futuro.
Mas vejam vocês o que o mundo hi-tech apronta: um polvo que não errou nenhum prognóstico em detrimento do papagaio que sonhava em ver o Maradona nu nas câmeras. O polvo Paul previu, então está previsto. Não se argumenta com um polvo, pois este é dualista: se algo não é presa então só pode ser predador.
Fico viajando um pouco na maionese, e como todo bom filósofo de quiosque praial me pergunto se nosso amigo Paul não poderia prever o próximo resultado da loteria local. Sim, porque além do marketing, somente a loteria é universal. Paul (e porque não outros que forem aparecendo) poderia responder questões mais urgentes para nós, pobres primatas, tais como se o ciclo de vinte e cinco mil anos realmente acabará em 2012. O Faustão, a exemplo dessa crônica, poderia criar o quadro “Vidência Animal”. Com toda certeza algum brasileiro terá, em cativeiro, um chupacabra com o dom da premonição. E como chupacabras devem ser possuidores de uma inteligência maior do que a dos cefalópodes, ao invés de apenas fazerem escolhas simples entre uma alternativa e outra, poderá escolher entre cartas enigmáticas em baús escondidos no público, ao mesmo tempo em que dança um reboleixon. Um verdadeiro espetáculo, que aprofunda e embeleza um plano de significação tão importante quanto a previsão do futuro.
Há que se pensar sobre isto e não deixar a mídia criar significâncias ilusórias. Animais que até cem anos atrás não tinham nem alma, agora têm espírito premonitório. Pobres de nós. Pobre mãe Dinah, Zora Yonara e Omar Cardoso e Walter Mercado com seu famoso "ligue djá", saudosos midiáticos.
Em contrapartida, na humilde opinião desse humilde “metido”, não há futuro melhor do que cuidar e viver bem o presente.

16 de jul. de 2010

Mede o Ensino

E bateu a química. Neurotransmissores enlouquecidos levaram o casal na pré-descoberta da atração à loucura. Coração em disparada, olhares dela contidos, sorrisos dele, descontidos, aproximação e sem verborréias preliminares, um beijo. Olhos fechados e mente turva. Hormônios explodindo, soltando fogos de artifício. O lobo frontal, fechado para balanço. O hipocampo congestionando conexões. Amor? Insanidade? Não sabiam. E nada disso importava. A química estava em alta naquele momento único em suas vidas.
Veio a biologia. Ela agitava os cabelos, feromônios à vista, ele, enlouquecido. Ele endireitando as costas para ficar o mais alto possível, e assim, demonstrar proteção aos futuros filhotes. Ela atlética, estilo “chester” (peito e coxa), uma boa reprodutora. A dança, ritual de acasalamento mostrava que os dois estavam, na balada, aptos para o perpetuar os genes. Não havia necessidade nenhuma de palavras, os corpos diziam tudo. E a música alta impedia a filosofia. A essa altura, o lobo frontal curtia férias.
Em cena, a matemática básica. Ele, dezenove, ensino médio concluído, ela dezoito, concluindo. Boa diferença de idades. Estudariam juntos. Ele, Letras. Um grande escritor no futuro. Ela, gastronomia. Uma brilhante chef. Em cinco anos estariam prontos para somar e multiplicar. Dividir gastos e subtrair problemas. Potencializar ganhos radiciando bens numa eterna báscara para a felicidade.
A física. Sem a gravidade, o amor é nulo. Dois pés no chão, fazendo peso. A cinemática, o movimento, a força, a aceleração e o atrito, em benefício do prazer. A inércia, para aproveitar cada momento vivido. E novos vetores que os empurravam em MRU, um para o outro.
A Educação Física. Ele, jogador de vôlei, ágil, paciente, hábil com as mãos. Ela, surfista, corpo esculpido em aeróbicas, pilates e musculação. Dois aviões no máximo do “corporis sano”. O “mens sana” ainda estava curtindo um descanso.
A Geografia. Residiam perto, fácil o encontro. Norteavam-se pelo cheiro do perfume, um do outro. Globalizaram suas amizades privadas, mas estatizaram seus segredos mais íntimos. O clima, tropical de altitude, sempre sujeito a chuvas e trovoadas no final da tarde, mas sol e calor, na maior parte do tempo. O relevo já decorado pelos dois, em suas mínimas nuances. A cada encontro, o sismógrafo apontava 7,6 graus na escala Richter.
Artes. Fotos tratadas, filmes no youtube, bilhetes quilométricos com o nome dela escrito mil vezes. Um quadro de caricatura decorando o quarto dela feito por um desenhista en passant no bar mais badalado da cidade. Um coração imenso desenhado a giz na rua em frente a casa dela. Quanto mais o tempo passava, mais humana ia ficando a relação. Afinal, as exatas já haviam concluído sua tarefa.
Inglês. Na intimidade, o ouvido dela era bombardeado por frases na língua anglo-saxã. Não havia nenhum entendimento significativo dela, mas o tom de voz era tão doce que a química e a biologia faziam muito rapidamente a sua parte. Por tradição, um bom I Love You tem maior valor que um Eu te Amo.
História em foco. O historiador é um profeta com os olhos voltados para trás. Todos os relacionamentos anteriores foram efêmeros, mas todos os preparavam para este, dito definitivo. Fatos omitidos por questões politicamente corretas. O processo histórico de uma nova vida florida estava em jogo, e o passado sempre acusador, poderia reativar o caos. A história começara agora. O antes era coisa de algum homo habilis, que não era sapiens.
Mataram muitas vezes a única aula de filosofia da semana, iam para a sala das bolas no ginásio, namorar um pouco. Já tinham o seu Platão em suas vidas. O Descartes já estava combinado. Hegel já os havia reunido na dialética e no absoluto. Às favas com Sartre, Nietzsche e todo um negativismo niilista. A única filosofia permitida a todas as criaturas era o amor.
Um novo livro a cada semana. Da leitura de Tempo e o Vento, passou-se aos best sellers: Mulheres são de Vênus e Homens são de Marte. Havia pressa em definir o que era todo aquele sentimento novo, e o subjetivismo da literatura antiga não era bem vindo. A literatura ganhara, para os dois, novos paradigmas.
Enfim, chegara o tempo da identidade. Do confronto de ideias dantes relegadas a segundo plano. Conversavam tanto sobre a faculdade recém conquistada e o mundo novo que se postava diante deles. Um mundo em constante movimento. Ele, estarrecido com teorias literárias, escrevendo sobre tudo e todos. Ela, impressionada com conhecimentos novos sobre alimentos e suas técnicas de preservação do sabor.
Aconteceu de conhecerem seus novos amigos. Começaram com os novos colegas da gastronomia. Uma frase dela e o lobo frontal voltaria das férias. —Agora com a faculdade até que tem menas coisas pra mim fazer durante a semana. Menas? Pra mim fazer? Como os colegas da Letras receberiam isso? O lobo frontal acordara e estabelecera o caos. E agora? Ela sempre ficava em recuperação na disciplina de português. E isso agora, era significativo. Um elemento do processo histórico que havia sido deixado de lado. Uma cortina de ferro da antiga bipolarização do mundo. Agora a filosofia enquanto arte do pensamento clamava sua presença em sala de aula. Em tudo, tudo mesmo, menos no português. No Ensino Médio da vida, nunca esqueça a boa comunicação. Com certeza a oxitocina continuará em alta, por muito tempo.

6 de jul. de 2010

Pedacinhos

Guilherme Arantes, na década de 1980, conseguiu ser um romântico incorrigível sem alcançar o perigoso nível da breguice chauvinista. E conseguiu isto numa canção de mesmo nome do título desta crônica.
A despedida da seleção brasileira desta copa no país do “apartheid comportadinho” (ou que propósito teria tantos discursos contra o racismo?), pode ser comparada ao final de um relacionamento, ou de modo geral, ao final de todo vínculo emocional com uma coisa ou alguém.
Ficam as mágoas, juntam-se os pedacinhos. O que era um ardente “meu bem” transforma-se num efusivo “meus bens”. Cobra-se até o custo da peridural que permitiu um alívio maior no nascimento do filho; no fragor da batalhas, não há fracassos, não ao menos da parte do que analisa. É sempre o outro, o causador do sofrimento. No mundo das causas e efeitos alguém sempre paga o pato.
O pato pode ser o infiel da relação. No caso da seleção, Dunga não foi infiel. Ele era o marido autoritário. Não discutia a relação com sua esposa, a imprensa. E esta, como sói acontecer, o destruía para sua melhor amiga, o povo. O pato também pode ser o chato da relação. O exigente, o fleumático, o sempre sério. A esse não concedemos o perdão, pois a sisudez não está na moda do culto ao corpo, e agora, à psique. Até a “melhor idade” deixa de lado as constantes dores de um corpo desgastado para sorrir diante das câmeras. Bem, nesse quesito, o técnico da seleção pagou caro. Poderia ter sido o técnico mais afetivo e compreensivo que a seleção brasileira já conheceu, mas... à mulher de César... bla, bla, bla... Diferente de seu arquiinimigo, o Dieguito, sorridente, passional, afetivo com seus jogadores. No caso argentino, ninguém pagou o pato ao final da relação, pois como disse Nietzsche, “aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”. Foi uma paixão que se perpetuou em sua torcida.
Pagar o pato era uma especialidade masculina, até o meio da década de 1990, de quando as mulheres sentiram cheiro de sangue e foram em massa, à luta. Hoje o pato pode ser pago por elas também. Assim como dos jogadores. A seleção havia jogado apenas contra uma equipe forte, com quem empatou sem gols, antes de jogar contra a forte e decidida Holanda. Quando o problema tornou-se grande, a brasileira titubeou, escorregou e, caiu. A mulher do pós modernismo não é mais aquela que aturava tudo. Hoje ela contabiliza, ou seja, ama, mas pensa. Claro que, acaba pagando o pato.
O pato seria melhor administrado numa relação se fosse dividido conscientemente. E que se caísse logo a ficha de que um relacionamento acabou e que o mundo continua a girar, o sol brilha e a grama cresce. O relacionamento de Dunga com a CBF acabou como acabam os relacionamentos modernos: pela internet. Bola pra frente, literalmente falando. Não é conveniente continuar tratando o outro da mesma forma que se tratava durante o relacionamento. Distância, respeito e, se possível, amizade. Os pedacinhos ainda necessitarão de muito tempo para reunirem-se novamente. Na seleção, como na vida de pessoas que ainda insistem em valorizar o mundo das ideias, fica sempre o “e se?” Se paga o pato. Mesmo porque, e se o Pato tivesse sido convocado? Teria sido diferente? Não importa. O passado é história. Daqui a quatro anos será documentário. Como diz o senso comum: nada como uma nova relação para esquecer a velha. Ame, mas não esqueça nunca de convocar o pato para sua seleção.

“Eu bato o portão sem fazer alarde, eu levo a carteira de identidade, uma saideira, muita saudade e a leve impressão de que já vou tarde.”
Chico Buarque