11 de fev. de 2010

Eu-tu; Eu-isso

Buber foi um filósofo judeu que morreu no meio do século XX. Ele possui uma formulação teórica a respeito das relações humanas que gosto muito. Faz uma classificação das relações entre o eu-tu e o eu-isso. Peço licença para uma releitura, tendo em foco, rótulos e estereótipos.
A tendência de coisificar pessoas é velha, porém veio a se tornar uma força dominante na atualidade. Não há como coisificar uma pessoa sem que haja uma rotulação padronizante, como se coubessem dentro de “caixinhas”. Nessa condição, o tu transformar-se-á em isso.
O que é o “tu”? Com certeza não é um “isso”. O tu é alguém que sente, que se aproxima ou se afasta conforme a situação. Sente dor, alegria, ódio, reflete, pensa. Em suma, aproxima-se do EU por ter a mesma natureza. Com o tu interagimos, relacionamo-nos e damos sentido à essa relação.
O que é o “isso”? Contrário do tu? Não.
Aquilo que padroniza, que tira a alma da pessoa, faz um pré-juízo, dando-lhe uma forma normativa que determina toda e qualquer atitude. O isso está em voga, é flexível, dinâmico, sempre disponível a um interesse específico de algum outro tu. Simples, quando o tu não quer um outro tu chateando, torna-se rapidamente um isso. E dos grandões.
Alberto (tu), meu amigo (eu), sorridente (tu), aproxima-se a mim já contando piadas sobre judeus (isso). Pura coisa de adolescente (isso). Tenho (eu) ascendência judaica e rio muito disso. Por outro lado, Alberto tem ascendência alemã (isso). Óbvio que sua chacota teria um quezinho de anti-semitismo (isso). Alguns minutos de conversa e lá estava Alberto lamentando-se sobre o fato de não possuir dinheiro suficiente para fazer determinadas coisas. Dizia-se pobre (isso). Reclama pelo fato que ganho bem e posso ter acesso a coisas que ele não pode, chamando-me de rico (isso) Respondo (eu), emocionado, que foi à custa de muito estudo e suor do rosto, o que fez de mim um professor (isso) de renome. Disse-lhe também que o fato de ainda não ter concluído o ensino médio (isso), impossibilitou-lhe de alçar voos mais altos.
E por aí foi nosso diálogo. Enchemo-nos de “issos” a fim de detectar diferenças que nos colocassem em planos mais altos ou mais baixos. Vantagens, desvantagens, justiças, injustiças... pré-juízos. E um prejuízo enorme na relação eu-tu. Desgaste.
Máscaras sociais, papéis na sociedade, insegurança e desconfiança nos remetem a relações eu-isso. Quanto maior a quantidade de issos que se nos apresentam, maior o distanciamento. Em plena era da informação e da comunicação. Com certeza alguém rirá disso no futuro.
Cláudio casara com Kátia. Desde o início a relação foi um eu-tu. Transparente. Igualdade de condições. Decisões tomadas juntas. Irradiavam alegria por onde passavam. Algumas pessoas até começaram a acreditar que o casamento era uma coisa boa, por causa deles. Passou o tempo e a força dos issos começou, lenta e inexoravelmente, a se manifestar. Kátia fora promovida e ganhava mais do que o dobro que Cláudio. Já não se sentia mais à vontade de incidir nas decisões do casal. Kátia achava que já era hora de terem um filho. Tinham, no entanto, decidido não ter filhos e cuidar da carreira. Mais um isso: família. Ela sagrou-se doutora, ele contente com o nível superior. Viagens a trabalho, palestras, adiavam constantemente seus planos de conhecerem o mundo. Afinal, ninguém mais sabia de mecânica quântica no país quanto ela. Um “isso” de alto significado. A empresa de consultoria de Cláudio ia bem, até. Estava contente e conformado com seu “isso”. Hoje, ele busca seu filho todos os fins de semana na casa de Kátia.
Não há como se livrar do eu-isso na transitoriedade da vida. Talvez haja sim uma maneira de estimularmos relações eu-tu, procurando o tu no eu e identificando o eu no tu dos outros. Sem recorrer aos issos, claro.

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