21 de jun. de 2010

Vuduzelas, Saramago e Resultados

Nos anos 1990, Gustavo Kuerten trouxe o tênis para o Brasil. Na campanha do primeiro título da Roland Garros, um lance foi magistral: sua honestidade. A bola, segundo o julgamento de Gustavo, caíra dentro enquanto que o juiz dera como bola fora. Mesmo sabendo que poderia perder o ponto, Kuerten foi lá e bateu com a raquete onde a bola tinha caído, dentro da quadra. O fato foi citado e a atitude engrandecida pelo narrador. Depois, facilmente esquecida.
Jogo do Brasil contra a Côte D’Ivoire. Um lance bonito, dois chapéus em cima dos adversários e o gol. Perfeito, se não tivesse sido a bola dominada pelo braço. Luís Fabiano sai comemorando e com a cabeça e as mãos para cima como se agradecendo a Deus. Pelo quê, pergunto eu; pelo fato do juiz não ter visto a dominada com o braço? Saramago, em todo o seu criticismo pelo cristianismo moderno, ironizaria. Mas ele se fora. O que não partiu e tornou-se imortal foi sua acidez, humor e ironia sobre as coisas institucionalizadas da religião. Regras, meras regras. Feitas também para serem distorcidas, corrompidas e até mesmo, ignoradas. É do jogo, diriam alguns.
Torcedores torcem, comemoram, riem, choram, não refletem sobre particularidades. Afinal, futebol é resultado e Saramago, o processo. E entre os dois estão as vuvuzelas, cujo ruído eu peço a licença trocadílica de renomear para vuduzelas porque o som é horrível. Tadinha da natureza na África do Sul. Quem lê os prêmios Nobel da história também torcem, mas pensam. Os mais chatos pensam até demais, sobre os detalhes. Mas os detalhes fazem sim, toda a diferença. A diferença entre um Gustavo e um Luís Fabiano, dois ícones do esporte, separados por uma atitude, um detalhe. Imagine o comentário da imprensa se o Luís Fabiano tivesse parado no meio do lance, retido a bola com a mão, entregue ao juiz e dito: “eu dominei com o braço”. Mas o lance foi muito rápido. Atitude e honestidade em seguir regras é uma questão de reflexo condicionado. Um hábito de se fazer o que está dentro das regras até de modo inconsciente, e que muitas vezes passa despercebido. Vai ver por isso que o erro tem maior ibope: porque traz à consciência. No livro Caim, de Saramago, Caim traz Deus à consciência sobre suas decisões. Ironia, cobrança de atitudes. Luís Fabiano fez o gol, e o resultado final foi a vitória e a reconquista do atacante frente à sua torcida. Imagine-se o contrário: Drogba no lugar de Luís Fabiano, e a Côte D’Ivoire ganhando o jogo. O discurso “é do jogo” seria facilmente esquecido, e traríamos à baila a questão da honestidade. Uma honestidade reflexa há muito tempo esquecida. Deixada em flashes na década de 1990. Requerida na política brasileira, mas deixada de lado no futebol. Afinal, o que importa é o resultado. O processo? Bem, isto fica para a eterna briga entre Saramago e Deus. Sobre o que é melhor fazer: seguir as regras ou burlá-las e curtir a diversão? As vuduzelas precisam fazer barulho, ensurdecer, comemorar e não refletir sobre processos e detalhes.