1 de mar. de 2011

Sedução Passiva

Muito bem — disse a mãe à menininha de olhos grandes, cachos dourados e um gorro que se estendia por uma capa, de reluzente vermelho: Leve esse bolo mais rosquinhas e este pote de geléia para a vovó que está doente. Mas evite ir pelo caminho da floresta. É mais curto, porém mais perigoso. Não fale com estranhos.

Chapeuzinho. Arquétipo da infância inocente, feliz e levada da breca. Mas observando de perto, as figuras denotam uma adolescente de curvas aflorando, uma quase mulher. Mais ou menos como as meninas que tatuam borboletas em seus corpos. São lagartas prestes a virarem pupas, para daí saírem borboletas. Curiosa, Chapeuzinho recebe de sua mãe, mulher experiente a exortação de não seguir pelo caminho fácil e curto. A Chapeuzinho então é dado o poder de escolha. São dadas as chaves do arbítrio. O fogo divino. No entanto, ela segue a borboleta. Seu desejo é a transformação e acaba entrando na floresta. Maldita borboleta. Maldito desejo. Lá se foi o arbítrio. A coruja, o superego regulador, avisara — Não vá pela floresta! — de nada adiantou. O desejo borboleta pulsava em suas veias. Das Ding fazia-se dominante. Nietzsche com certeza riria às pencas.

O lobo. Voraz, matreiro. Segundo a história de Perrault, o lobo já conhecia Chapeuzinho. Sua estratégia foi simples e eficaz: fala mansa e busca de informações que seriam valiosas para atingir seu objetivo. Uma aposta: a velocidade. Estar um passo à frente. Isto facilita. Não deixa que aquele que está atrás tenha tempo de pensar. O da frente age mais rápido ditando as reações do segundo, como numa corrida de Fórmula 1. Chapeuzinho não teria tempo pra pensar. Bem sabe o lobo a relevância de fazer uma mulher não pensar. Homens que deixam-se levar apenas pelo instinto predador aliado ao de passar seus genes ao maior número de fêmeas possível, geram estratégias incríveis a fim de conquistar e agradar. Qualquer Chapeuzinho que esteja “vermelha” (ou, cuidado com as ruivas), em fogo, ávida por uma experiência, vai ter que rebolar muito para se desvencilhar de suas investidas. Não, pensando bem, rebolar seria contraproducente nessa hora. O lobo então, fabrica toda sua razoabilidade a partir de seu instinto de preservação, na história, maquiado pelo de sobrevivência. Bem diria o escritor: “Descemos das árvores apenas para impressionar nossas namoradas”.
A dialética precisa da síntese. Seria muito fácil o lobo comer a Chapeuzinho na floresta. Comer agora ou depois daria no mesmo?.Chapeuzinho já estava ali, a borboleta saindo do casulo. Não. A síntese não foi nem a vovó. Foi a casa. A alcova. O lugar seguro onde segredos de defloração são guardados a sete chaves. A casa não é só o refúgio para o lobo, mas também para Chapeuzinho, caso o lobo se mostre um ótimo amante e escute suas mazelas de porque ela não pode comer o bolo que estava na cesta. Aí então a casa deixará de ser o motel para ser o lar. Quatro paredes. A quaternidade. A quadratura do círculo. Se o lobo comer a chapeuzinho e ficar pro café da manhã... Pobre lobo.

Por que o lobo simplesmente não devorou Chapeuzinho? Disfarçou-se de vovó, fez todo um auê para uma coisa que devia ser muito simples: deixar a porta aberta, vê-la entrando e abocanhá-la. Não, seria muito fácil. Na história de Perrault não há caçador que restabeleça a vida das duas. Elas são comidas. E ponto final.

O lobo precisa do Édipo. O ardil é excitante e provocador e por isso irresistível. Decifra-me ou te devoro. Devorou. Mas ela decifrou. E daí? Chapeuzinho seria tão tola assim de não ter se dado conta que aquilo fantasiado de mulher era um lobo? Ou simplesmente um lobo em pele de mulher, o fetiche da chapeuzinho? Quem era sonho e quem o sonhador? Se fosse nos dias atuais, a menina tiraria uma foto do lobo com o celular e colocaria em algum blog. Sairia correndo e rindo do pobre canídeo. Mas não, é evidente, no subtexto, que Chapeuzinho sabia que aquilo era o lobo. Mas ficou. Decidiu. Teve o arbítrio. Decifrou o enigma da pupa e deixou-se ser borboleta. Foi comida.
A pupa nos parece que a lagarta morreu, mas não era morte. Era renovação e simultaneamente outra coisa já. O desejo foi a faísca libertadora da pupa. Chapeuzinho Vermelho agora seria “Biquini Pink”.

Não só a história, mas a etologia, o comportamento animal é cruel. São as XX que escolhem o parceiro. XY são apenas depositórios de sementes. Mas elas foram condescendentes. Deixaram para os XY a tarefa de se mostrarem realmente aptos para a transformação. Elas geram pelo ventre. Nós, pela palavra. Chapeuzinho decifrara o lobo como forma de sedução passiva, implícita, mas mortal. Para ela? Pense... mas nunca, nunca num motel com a chapeuzinho em fogo... Afinal, foi ela quem escolheu, quem disse “sim”.
P.S.: Ás feministas: gerar pela palavra foi um eufemismo. Vocês também geram por ela, e muito. Discutir a relação é a prova cabal disto.