21 de fev. de 2010

A Ansiedade da Hora

A Hora, menina ansiosa, indagava aos irmãos menores, o Minuto e o Segundo, por que o tempo demorava a passar. O Segundo, afoito caçula, responde prontamente: — porque esperas pelo moço dia 29, e hoje temos a presença do moço dia 15. O maior pergunta, pensativo: — por que não ficas com o dia 15, o de hoje? Podes apreciá-lo neste exato momento. Ela fita-o de soslaio e diz: o 29 é especial. Ele tem um charme que os outros não têm. Ele é forte, bonito, tem conteúdo e sempre que aparece, os próximos dias são diferentes e tudo é alegria. Hora quer o dia 29. Pena que o moço 15 retorna e tudo torna-se saudade e espera.
O avô Mês, lento e soturno, ouvindo a conversa, pôs-se a argumentar, solene: — Hora, querida, não viva a vida pela espera de um dia. São outros tantos que por ti passam e tu não os atendes. Quanto poderias aproveitar com os outros moços dias? A moça Hora se fez de rogada. Haveriam de passar os moços 15, 16 e assim por diante, até que chegasse o tão esperado moço dia 29. Ele sim, era único.
— Nada é único nessa vida, Hora — retruca a avó Anual, esse era seu nome. Mulher forte, que ao final de suas frases e períodos longos, como num texto em alemão, fazia todos refletirem sobre o passado, e automaticamente fazerem novos planos para o futuro. Sábias palavras que não mereceram a atenção de Hora. Em sua adolescência, tudo era rápido e lento ao mesmo tempo. No ardor da juventude, ela não queria saber o porquê, queria mesmo é que o tempo passasse.
O pai Semanal, entendendo o caso, interveio: — já fui assim, ansioso. Em meio a inúmeras alternativas, eu só pensava nos dias que encontraria minha amada, não é, querida? A mãe Quinzena, tranqüila, chegou à sala e juntou-se ao debate: — sim, querido, vivíamos dionisíacos dias: Sábado e Domingo. Chamavam-nos aos prazeres da carne e não víamos o tempo passar. Agora vivemos para os pequenos eventos que a bisavó Anual nos proporciona. Quisera as novas gerações aprender com os mais velhos e dominarem suas ansiedades.
A moça Hora escutava, mas não ouvia. Sua ânsia não a permitia pensar, e seu foco era apenas o moço dia 29 e todas as benesses que adviriam dele. Naquele dia, ela acordava antes dela mesma e ia se preparar para o grande encontro. Aprumava-se com melhor que possuía, desdenhando dos irmãos que caçoavam dela. Saía então para o tão esperado encontro.
Encontravam-se sempre no Banco da cidade, em frente ao caixa eletrônico. Seus dedos ágeis acariciavam a superfície do moço, que expressava um display de palavras de alegria a quem as entendesse. Encontro rápido, porém intenso. Chegava em casa, cheia de si, trazendo da mercearia doces para os irmãos menores. Saía cantando pela casa, sua alegria era contagiante. Neste dia, ou melhor, todo o dia 29, até a bisavó dançava.
Individualmente, cada um sabia o porquê da alegria, mas velavam-se em si mesmos. Sabiam por que o moço dia 29 era tão especial assim: era dia de pagamento. A Hora vivia para o fim do mês. O avô mês sorria ironicamente, para a cotidianice da vida. A bisavó Anual não conseguia criar uma reflexão maior sobre isto. O pai semanal, atrelado à igual condição, sentia-se impotente. A mãe Quinzena reclamava muito, mas nada fazia. Aos irmãos minuto e segundo, o tempo era muito curto o que não lhes permitia pensar sobre o assunto. À Hora, só restava o esperar, e viver a felicidade de um mês num dia apenas.

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