6 de fev. de 2010

O Virtual

Já observaram como o mundo virtual, de tanto que reproduz o real, tornou-se tanto o quanto?
Pode-se namorar com o outro lado do mundo, com o quesito do domínio do inglês, pelo menos. Bem, para isso já existem tradutores on line também. Mas é bom não arriscar muito. Apaixona-se facilmente pela palavra digitada, descobrem-se personalidades pela lógica textual, abrem-se expectativas por imagens, poesias postadas e palavras de carinho com imagens de flores e borboletas glitter.
A tela, por sua vez, a tudo aceita, e a mente, mais um pouco. Nunca soubemos tanto sobre o outro como agora. Mesmo que esse saber seja um aglomerado de vetores virtuais. A expectativa cria uma ilusão que se passa via texto, recebido por outra expectativa criada por outra ilusão mental, espalhando o virtual expectorado por toda rede mundial.
No virtual não há gosto, não há cheiro, não há imperfeições sensíveis pelos outros sentidos. Numa tela com resolução de 1024X768 as imperfeições são deixadas de lado. Vai ver é por isso que ninguém me acha gordo nas fotos. O virtual e sua expectativa seduzem, pois alimentam mais e mais expectativas. Na imagem ideal do homem charmoso uma voz fanha ou aguda demais não faz parte do pacote.
Num chat, ninguém é insincero, no que tange à opinião. Pode-se dizer o que bem se entende, o que se pense, o que se sinta, sem a ameaça de um olhar de viés ou um punho fechado no nariz. Omitem-se informações, mente-se a idade. Os internautas experientes já tem plena consciência disso e nem dão atenção. No entanto, a opinião é sempre levada a sério, seja refutada ou reforçada, ou até mesmo, ignorada.
O internauta de carteirinha tem uma relação consigo mesmo sempre de bem. Confia desconfiando. As fotos nos sites de relacionamento mostram frequentemente rostos em festa e felicidade plena, palavras de afeto. Cuida-se mais do display da página do que da própria imagem. Ninguém é mau, todos são bons e cercados de amigos. Os scraps de “te amo” são redondamente maiores do que os de “te odeio”.
Agostinho, teólogo católico teorizou sobre o dualismo maniqueísta, criando a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Pois é, na Cidade de Deus tudo é felicidade, bondade e perfeição. Na dos homens, bah...
O virtual criou sua própria Cidade de Deus, sem afetar diretamente a dos homens. Tudo são rosas, mesmo quando a palavra “luto” aparece. E eu que pensava que as pessoas não ficavam mais de luto.
Rosa conheceu Cássio num chat. Moço educado, digitava bem, era convicto no que dizia e, segundo ela, muito inteligente. Ele, já no msn com ela, apaixonou-se pelo sorriso da foto. Ao telefone, meses mais tarde, a voz dele era grave, mas terna. A voz dela era suave e lembrava a voz de uma aeromoça falando ao microfone. Após oito meses de contato diário, virtual, resolveram se encontrar e passar uma semana juntos. Viajaram. Encontraram-se. Ele e ela eram realmente como nas fotos. Talvez ele não tenha notado que as pernas eram um pouco grossas demais e ele um pouco mais baixo do que parecia ser na foto. Detalhes. No hotel, a terrível verdade: ao se beijarem, Rosa sentiu o hálito horrível de Cássio. Beijar, a partir dali tornou-se um suplício. No dia que passaram juntos, a outra verdade: ela não parava de falar, falava pelos cotovelos, e Cássio, por sua vez, amava o silêncio. Não deu certo. Voltaram do encontro frustrados. No entanto, casaram-se. Falam-se todos os dias, dão-se muito bem e veem-se pela webcam, trocando eternas juras de amor. Há dois anos eles criaram sua própria Cidade de Deus. A dos homens, como sempre, era insuportável.

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