19 de fev. de 2010

Mais Show do que Reality

Incrível como algumas palavras exercem sobre nós pré concepções sobre o que entendemos por verdade. Realidade é uma delas. Nossa mente ocidental tem um foco especial nessa palavra. Ela parece explicar tudo sem dizer praticamente nada.
“O que é o real? Como você define o real?” Morpheus faz essa pergunta a Neo, atentando para o fato de que o real possa ser algo além de reações neuro-interativas. Perceberíamos a realidade de maneira diferente se pudéssemos enxergar tantas cores quanto uma galinha, ou mesmo ouvir infra-sons?
Outro evento instigante sobre o assunto encontra-se no best-seller O Código daVinci, no momento em que Leigh Teabing pergunta à criptóloga Sophie Nevau sobre aspectos do afresco A Última Ceia. Não há cálice. O santo graal não está na pintura. Escotoma. A mente vê o que ela quer ver. O significado de escotoma na medicina não é bem esse, mas vá lá. Vetores como educação e experiências de vida, traumáticas ou não, fazem com que o cérebro selecione o que vamos ver e observar. Sendo assim, o que percebemos da realidade, está condicionado aos nossos sentidos.
O termo reality show foi criado, em minha opinião, com o propósito de opor-se ao roteiro, à história pré-fabricada onde já se conhece toda a linha de eventos que leva a um determinado desfecho. Em outras palavras, deixar rolar e ver no que dá. Para alguns, uma reprodução do jogo da vida.
Em detrimento desse reality, a tela da tevê é uma só. O telespectador não escolhe a câmera, quem o faz são os produtores do programa, construindo a edição da história de um reality show. A câmera escolhida pela produção é o próprio escotoma.
Coreografia. É um conjunto de movimentos organizados e sincronizados que constituem um espetáculo de dança. A trama caótica dos vários momentos de um reality show num enlace de pequenas causas e efeitos acaba sendo editada a fim de se fabricar uma história com tendência ao dramático, ao teatral. Uma coisa genial. O perfeito “Fiat lux” da pós modernidade, organizar o caos. Por isso perdura até hoje.
Todo o drama da vida emocional, visto de coisas como amor, ódio, amizade e intrigas transformam um reality show, se bem editado, numa novelinha cuja centralidade é o jogo. A partir do jogo e dos status produzidos pelos que ganham as provas, as relações humanas se auto-coreografam, fazendo com que a opinião pública seja juiz e protagonista principal no desfecho de cada episódio, marcado pela saída de um dos participantes, até o final. Lembra Highlander: Só pode haver um.
Bem diferente da realidade na qual estamos atrelados, por sinal. Aqui, vai-se muito além de provas e regras de jogos. Aqui, podemos reclamar das agruras da vida. Num reality show, poderia apostar que não poder criticar o programa consta no contrato. Interessante como alguns ficam famosos num piscar de olhos porque foram excluídos ao burlar cláusulas. No local onde vivem os participantes a realidade encolhe-se e fica reduzida a eventos predeterminados. Eis aí a coreografia.
Entendo um reality show mais ou menos como a Caverna de Platão invertida. Nós, do lado de fora, observando os participantes dançarem junto com as sombras da fogueira. Como nas novelas, os entusiastas do reality show projetam-se nos protagonistas, transformando o reality na sua própria fantasia, esquecendo de um detalhe: o jogo.
Em oposição ao que se aventa, a vida, definitivamente, não é um jogo. Não há prêmios e nem regras. Há leis. Não há fórmulas e quanto mais se dissimula, mais se foge dela. Jogos são superações. Como surfar no arco-íris, sair-se bem sucedido e encontrar o pote de ouro no final. A vida é o virtual, mas que dói e dá prazer também. Sociedade do Espetáculo, como diria Guy Debord. A vida é o arco-íris completo, a volta toda, um começo e um fim. E o pote de ouro, para alguns conquista, outros sorte, alguns, corrupção, e outros, sonho.
Todos queremos um brother, mas não tão big assim, para um outro Brasil, melhor, mais reality do que show.

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