18 de set. de 2012

Futuro - I

Dezembro de 2277. Após arqueólogos terem descoberto um acervo completo de antigos... Como se chamavam mesmo? Era uma sigla se não me engano... D... DV... Ah! DVD's. Embalagens de plástico, intactas. Como puderam durar tanto. Um compartimento em ferro, aqueles antigos containers, repleto desses dispositivos. Nomes esquisitos nas embalagens e nas mídias. Black Sabbath, Deep Purple, Led Zeppellin, entre outros. Desenhos estranhos de uma época em que quase nada sabemos, pois tudo se perdera pelo desuso. O modo de produção então era o capitalismo industrial-financeiro. Após a revolução técnico-científica de 300 anos atrás, tudo o que se produzia tornava-se descartável. Muitos pensavam que todo esse legado cultural seria guardado por alguma instituição filantrópica para o futuro, mas a história dos 1000 leiteiros se repetira: ninguém guardava a enorme variedade cultural de uma época de pioneiros na tecnologia de ponta.
Bem, não havia nenhum aparelho que reproduzisse o som e o vídeo daquelas pérolas históricas. Não havia um só livro explicando o que era aquilo e sequer onde se reproduzia aqueles dispositivos. Um sentimento de derrotismo tomou conta dos pesquisadores. O mundo todo, agora apenas uma grande cidade global, pusera-se a procurar uma forma de resgatar o passado. De um modo febril, chegaram a criar um concurso, com o prêmio de 12.000 horas de descanso subsidiado, para quem criasse um dispositivo que reproduzisse aquilo.
Passado. O que tanto temos curiosidade sobre o que as pessoas pensavam, como viviam as pessoas no passado distante? O que seria o século XVII na Europa para um habitante da Terra Brasilis? Dizem e mails sortidos que no Palácio de Versalhes não existiam banheiros. Provavelmente os nobres faziam necessidades em algum canto escuso daquele palácio enorme. Bem, ao menos, penico já era conhecido. Mesmo assim, uma coisa inadmissível para nós. Então, se vivemos em condições bem melhores do que os nobres do passado, por que a obsessão por conhecê-lo em seus mínimos detalhes?
Um menino de 8 anos e meio ganhou o concurso. Inventou um dispositivo complicadíssimo chamado DVD Player, coisa que a tecnologia dominante do final do século XXIII nem sonhava em ter, já que tudo era pré-projetado por máquinas pré-projetadas por humanos há mais de dois séculos que, por medo da concorrência, jogaram fora as informações de como foram construídas.
Bem, o que se viu aí foi uma explosão neocultural. os DVD's foram analisados pelos cientistas neurobiônicos mais respeitados da zona norte da GUC (Grande e Única Cidade). Conclusão? O final do século XX e  começo do XXI fôra marcado por um forte sentimento de revolta, indignação e envolvimento emocional nos relacionamentos humanos. Uma época em que a procriação era por relação e tudo girava em torno de quem possuía quem.
O achado arqueológico logo foi transformado em informação neuroquímica e todos os habitantes Gucianos puderam visualizar os shows pirotécnicos do Heavy Metal das décadas de 1980 e 1990. Um acervo de mais de 10.000 DVD's agora estava crivado na memória dos 16 bilhões de habitantes da GUC. Os que mais sentiram o impacto da descoberta foram os Submen (homens geneticamente modificados com guelras e que podiam suportar altíssimas pressões) habitantes do fundo do mar. O som neste ambiente, o oceano, era bem mais intenso. Não demorou semanas, uma sociedade antes treinada para ser fria, calculista, estava agora questionando tudo, sendo irracional, enviando neuroemails para autoridades virtuais, reivindicando coisas que os avós sentiam mas não colocavam pra fora.
O passado só é passado porque não é nosso presente. Mas foi presente de nossos antepassados. Confuso? Sim. É o tempo. É o passar do tempo. E alguns pontuais são conflitos internos eternos no homo sapiens. O que muda é a explicação, mas o questionamento está ali. E épocas têm suas características próprias. Senão Hobesbawn não teria escrito Eras daquilo, Eras disto...
Todos os gucianos estavam ávidos por aquele estilo de música visceral, primitivo, ritualístico, cheio de misticismo. Guitarras viajantes e vocais estonteantes. Baterias ensandecidas e baixos trazendo todos ao mesmo caminho. Som nunca dantes ouvido. Som inebriante, contagiante, diferente de meras combinações sonoras neurolinguísticas. O passado trazido para o presente. Avassalador.
A sociedade não será mais a mesma. Não sabemos o que será do século XXXIII. A juventude já se transformou. Quer ter sentimentos, emoções fortes. O paradigma de uma sociedade equilibrada depender da responsabilidade social e da consciência disto estava prestes a desmoronar ao som de Smoke on the Water. As passeatas pelas hidrovias rápidas intercontinentais da GUC agora eram repletas de "We don't need no education..."
A arte muda a sociedade sim, quer queiram ou não. Pra melhor ou pra pior? Pergunte aos produtores do filme "Mohammed Trial". Filme que vem causando frisson de violência e revolta entre os povos islâmicos. Não demorará para que algum muçulmano crie um documentário mostrando que Jesus não ressuscitou e seus restos mortais jazem num ossário em Talpiot.
Só um aviso: a arte questiona, nunca incita. Quando houver uma lacuna no bem estar social, a arte estará lá, para questionar e encher os tubos de quem se dá bem com a situação. Respeito é bom, e os muçulmanos gostam, assim como nós, herdeiros da tradição judaico-cristã.

22 de mai. de 2012

Salvem as Piadas

"Ele matou oitenta pessoas em dois dias" - "Ele é adotado".

  O mais interessante do filme Os Vingadores não é a ação nem os efeitos especiais, cada vez mais complexos, mas sim a genial mixagem entre ação, dramas individuais e humor furtivo, com pequenas incursões visuais e frases que tornam-se chistes fast food. Um destes chistes é o citado acima. Humor rápido, despropositado.
O que caracteriza uma piada? Justamente uma situação excepcional onde alguém se dá mal. O engraçado normalmente é o inesperado desta situação. A resposta que não aventamos e que vem de uma forma esdrúxula.
As piadas estão em perigo de extinção. O politicamente correto é o fator ambiental responsável pelo processo de extinção. Praticamente não se pode mais brincar com nada. Não me assustaria ver uma ONG portuguesa que reclamasse na justiça da UE a discriminação contra as piadas brasileiras que falam dos portugueses. A piada sempre teve uma "escada". Algo típico, caricato, que por si só já é engraçado e com a circunstância certa e a narração exata, faz-nos cair de gargalhadas.
Mas se quisermos então ser mais politicamente corretos, deveríamos acionar judicialmente a Marvel por partir do princípio binarista que os deuses nórdicos realmente existem, mas que, a exemplo do Eram os Deuses Astronautas, apenas são habitantes de um longínquo planeta, com uma tecnologia superior à nossa e que sabem como viajar pelas wormholes. Isto seria então, uma afronta aos outros credos. De igual modo, poderíamos processar a Marvel pelo fato de que nem todo rico e poderoso é egocêntrico e playboy.
Sou filho adotivo e em nenhum momento me senti ofendido com aquilo. Não resumo o mundo todo a meu pensamento, isto não seria politicamente correto. Mas também não elevo uma piada circustancial a uma batalha pelo bem do povo adotado. Que bom que foram adotados, dada a situação de milhões de órfãos no mundo.
Daqui a cinquenta anos podemos ter um mundo sem piadas, sem humor. Sem o diferencial que nos faz humanos: o riso, a alegria. Podemos chegar a um estágio que, ao acordar de manhã e esboçarmos um sorriso, isto poderá ser interpretado como ironia de não ter morrido durante a noite, e a Associação dos Além-Túmulo quiser nos processar por causa disso.
Salvem as piadas. O greenpeace precisa criar uma subcomissão. Que seja o Laughpeace, o riso da paz. Há que se rir de tudo, inclusive e principalmente, de nós mesmos, para que a vida seja mais leve. Querer truncar o humor achando que tudo é discriminação é, no mínimo, paranóia. Ou então processarei o Eric Stoltz por todos os papéis de vilão que  tenha feito, afinal, também sou tão ruivo quanto o dito cujo.
Lutemos pela preservação das piadas. E dos filmes com bom humor, ainda que o mundo esteja em perigo. Que não seja o Ragnarok, o lobo que trará a escuridão eterna, a detonar com a alegria que ainda existe neste mundo. Afinal, Loki era adotado sim, mas ao menos sabia de onde vinha.

4 de mai. de 2012

Gandula Expiatório

Substituição. Sai o bode, fedorento, repugnante. Entra a musa, olhar doce, cabelo rabo de cavalo, professora de educação física. Segundo tempo, um time perdendo e outro, obviamente, ganhando. Dirigentes que propuseram ideias mirabolantes agora veem-se acuados pelo fracasso; técnicos descartáveis, como figurinhas repetidas dos antigos álbuns tentando desesperadamente achar uma explicação externa para a derrota de seu time. E as luzes da ribalta voltam-se para quem era um elemento quase esquecido: o gandula. Particularmente em dois momentos em jogos de decisão.
Galtieri & Cristina. Uma Argentina em crise. Culpa disto, razão por aquilo, mas o povo argentino vai sim às ruas incomodar em frente à Casa Rosada. Então torna-se mister criar um mecanismo de diversão, dissimular, procurar bodes expiatórios os quais atenuam a revolta popular. Galtieri jogou-se aos leões bretões. Cristina, peita o touro espanhol. Não me assustaria se fossem parentes. Dissimular e trocar o foco do problema é uma estratégia usada desde que o homo sapiens descobriu que a mini-saia era mais IN do que a folha de parreira.
Ética. Adorno, Husserl e outros que tanto discutiram o valor da moral, dos costumes. Alguns, como o Fritz desconstruindo, outros reconstruindo. A ética é a parte da filosofia que hoje mais se debate, pois será sempre a pedra no sapato da liberdade individual. A ética é a visão do bem estar social visando o outro. Mas num mundo de eternas desconfianças nunca saberemos se o outro proporcionará bem estar social aos outros outros. No entanto, ela é reivindicada por tantos. Também para os gandulas. Afinal, eles também são filhos de Deus.
Proponho aqui então um curso relâmpago, prático e filosófico ao mesmo tempo, de ÉTICA GANDULAR. Transcender ao mero e enfadonho "repor a bola".  São dez os quesitos éticos para um gandula consciente. Postarei os primeiros cinco quesitos como ilustração.
1. Imparcialidade - resista à tentação de torcer para algum time. Faça melhor. Torça para uma equipe de Badminton e diga que gandula é sua aspiração, profissão. Mostre ao mundo que Auguste Comte e outros positivistas estavam certos este tempo todo. Mostre imparcialidade. Você nem gosta de futebol! Você gosta mesmo é de correr atrás da bola!
2. Precisão - mantenha exatamente o mesmo tempo de reposição da bola para ambos os times, não importando a situação em que isto ocorra. Cronometre a reposição da bola em milissegundos. Não sorria para nenhum jogador, ou sequer esboce uma sílaba para qualquer um deles. Seja cartesiano e impassível. Nada de relativismos ou nihilismos.  Não reaja. Apenas recoloque a bola em jogo em tempos iguais para o outro time, ainda que precise voar para pegar a bola que foi pra torcida.
3. Previsão - Estude antecipadamente esquemas de jogo fracassados por técnicos performáticos mas que vivem fazendo lambança. Estes, por sua vez, treinarão jogadores para fazer mais lambança ainda. Aí fica fácil de prever quando e para onde a bola vai, quando este ou aquele pé de pau estiver em posse da bola. Melhor prevenir do que sair nua na Playboy depois.
4. Sagacidade - a melhor habilidade do gandula. Imitar os pegadores de bola do tênis é uma boa pedida. Ficam lá, com cara de paisagem mas com a expressão de estarem salvando o mundo de terríveis extraterrestres. Sagaz é o indivíduo que leva sua missão às últimas consequencias, não importando se o cartola do time mandante o pressiona para favorecimentos do seu time incompetente.
5. Globalicidade - a maior e mais nobre das habilidades do gandula. Ao seguir as quatro instruções anteriores, o bom gandula, se não for massacrado pela torcida, se não virar dançarina do Faustão ou se não ganhar uma participação na novela da Record, pode galgar o céu dos gandulas: atuar no jogo da seleção brasileira, na final contra Gondwana. O jogo está zero a zero e o tempo de jogo é de quarenta e um minutos do segundo tempo. Um gol e o Brasil será Hexa. Mas você, gandula, é ético. Imparcial. Vê igualmente os dois times, mesmo não sabendo onde fica Gondwana. Repõe a bola em jogo ao mesmo tempo que repôs bolas em jogo durante toda sua carreira de gandula, com a mesma precisão. Naquele momento, em que você repôs a bola eticamente para o jogador Gondwanense cobrar a lateral, ele lança um atacante que pega a impenetrável defesa brasileira de surpresa e faz o gol. Você foi ético, foi preciso, foi imparcial. Mas sua nação perdeu a Copa, e em casa ainda. Seu trabalho justo e competente foi mal interpretado no vídeo tape do jogo como reposição muito rápida da bola. Afinal a câmera não registrou suas reposições anteriores, nem havia ninguém para cronometrar sua performance. Azar. Comoção nacional. Mas você, gandula, é um cidadão do mundo. Você é ético e não se envolve só porque é brasileiro. Porém, neste caso, morar em Gondwana não seria uma má ideia depois disto. Lá você será recebido como herói, aqui, nem tanto.
Sejamos honestos. Quanto mais coordenadores e supervisores um profissional tem, mais a culpa recai sobre os que carregam o piano.

10 de abr. de 2012

Desculpem-me, mas vou perdoar.

Há quem confunda termos. Perdoar e desculpar fazem parte do rol de confusões. Um pode estar contido no outro, mas não são exatamente, sinônimos. Há uma profundidade maior no perdoar, visto ser ele herança de tradição judaico-cristã, com forte intensidade na questão pecado. Já o desculpar, contido no perdoar, é furtivo, casual, do tipo "ah, deixa pra lá", mas não elimina por completo a culpa de quem cometeu algo prejudicial a outrem.
Perdoem-me, mas por que falar de perdão? Não é assunto religioso? Não é assunto cuja área de debate é dominado pela teologia? Pode ser, considerando-se suas origens. Mas também pode ser visto como um espelho do mundo que vivemos, em comparação a épocas passadas. Muito mudou na sociedade da comunicação e pouco se denotou sobre isto.
Quem hoje não se justifica? Quem hoje acusa o golpe? Quem tem fibra para chegar num meio de comunicação e admitir que pisou na bola? Ou mesmo, na frente dos amigos e conhecidos, ou mesmo colegas de trabalho? Pouquíssimos vemos fazendo.
O que faz com que a sociedade viva o momento do "eu não fiz isso", ou mesmo "não foi bem assim"? Vejo claramente dois motivos. O fim dos limites e dos fatores que estabeleciam certo e errado, recompensa e punição gerou um certo relativismo quanto ao que se faz e ao que se fala. As redes sociais demonstram isto. Fala-se o que se quer, como quer e quando quer. Só que existem leis que protegem os lesados e causas por danos morais é o que não falta por aí. No trânsito, por falta de consciência e responsabilidade social, os seres humanos retornam à selvageria usando seu automóvel como se fosse uma lança a ser arremessada contra o inimigo impiedoso. Este sim, fez mal, eu não.
A perda de referenciais sociais e a má administração familiar compõe o outro motivo. O apelo da mídia, que faz a cabeça de milhões gira em torno do egoísmo e da busca pelo indivíduo total, pleno. "Compre um carro, mas não ligue pro CO2 que ele libera na atmosfera". As doenças respiratórias aumentaram consideravelmente e a qualidade do ar nas grandes metrópoles, cada vez pior. Mima-se o indivíduo, castiga-se a sociedade.
Então, se todos têm justificativa, pra que o perdoar? Simples, e nele está contido a responsabilidade e o bem estar social. Guardar rancor produz toxinas, desculpar é poder mencionar o erro alheio numa ocasião oportuna; agora, perdoar, na significação que o termo exige, é agir como se não houvesse acontecido, apagado da memória.
Ando muito de táxi, escolhi isto a ter um automóvel. Não sou cuidadoso com minhas coisas, e ter um carro nestas condições seria um desastre para a sociedade. Admiro o número grande de taxistas que trabalham no trânsito caótico de Porto Alegre. Constantemente eles presenciam barbeiragens e ações agressivas. Nada fazem. É como se não existisse. É como se não houvesse acontecido. Os outros berram, esbravejam. Eles não. Impassíveis. Admiro, chego a me emocionar. Eles aprenderam a intensidade do perdoar. Apenas, cônscios de que aquelas coisas irão acontecer, simplesmente relegam. Não geram toxinas, não produzem cortisol ou qualquer outro hormônio estressor do corpo.
Quando se conhece a natureza humana, defensiva e neurótica, o perdão já faz parte da essência dos que simplesmente não dão importância ao que se faz de ruim para eles. Aprendem a desenvolver o amor universal e a compaixão e viver em harmonia com o meio hostil.
Mais uma disciplina a se desenvolver: a do Estado do Perdão Constante. Esta sim deveria ser amparada por alguma ONG e noticiada todos os dias. Os que perdoam, os que transformam a energia da revolta em energia do bem.

4 de abr. de 2012

A "Prática" do Bem

"Ele me bate e ainda diz Deus te abençoe". Desabafo do garoto sensação do momento num jogo de campeonato regional. Uma frase que pode muito bem, resumir o que é o mundo hoje. No coração e na mente, o princípio do bem, da redenção e da salvação; na hora do "vamos ver" os fins justificam os meios.
O processo da inquisição medieval seria hilário, se no fim não houvesse tortura e morte. A mínima acusação por parte de alguém gerava um processo cujo resultado seria a confissão, após passar pela experiência de uma dama de ferro. Damas. Sim, as mulheres eram o foco principal. Quando queimavam, exalavam um odor mais agradável do que os homens. Eram perseguidas. Vistas como instrumentos do demônio. Não é difícil de entender a raiva da Igreja pelas mulheres: os sacerdotes simplesmente não podiam tê-las.
Milhares se arrependiam sem saber exatamente do que. E o clero perdoava sim. Então, por que eram queimados? Para serem purificados, uai. Com a purificação do fogo, a alma poderia ser aceita nos céus. Apanhavam, sofriam, queimavam. Mas...que Deus as abençoava, não havia dúvida.
A religiosidade popular brasileira ainda é intensa. O que mudaram foram os vetores, na última década. O sincretismo religioso brasileiro está regerando a significação do ser religioso: um pentecostalismo latino com elementos afros. Maravilha. Praticamente um novo conceito em religião. Retetés são uma demonstração disto. Uma música repetitiva com forte ritmo afro-brasileiro, letra da música com teor evangélico e uma noite inteira de louvor.
O futebol, convenientemente, é um rio farto para se pescar homens. O número de jogadores evangélicos é grande. Outras religiões também, no entanto não se vêem manifestações como as dos evangélicos antes de começar uma partida. A oração ostensiva antes e depois das partidas sempre foi um ótimo marketing.
Há uma arqueologia do saber. Mas também há a do sentir, ao meu ver. E a religião ligou-se fortemente ao sentimento do bem estar espiritual. Também em épocas passadas a religião foi referencial de moral, ética e bons costumes. Hoje, em muitos casos, sobra o discurso.
O garoto é rápido, habilidoso com a bola. Domina-a com maestria. Mimado pela mídia. Mas não pelos colegas de trabalho. Quem não pode pará-lo com habilidade, tentará pará-lo na força. Força num esporte de contato transforma-se em violência com muita facilidade. E aí vem o conflito.
Prega-se a paz, o amor. Mas mesmo um volante ou um zagueiro precisa sustentar família e outros gastos. E não deixar passar o garoto hábil é uma forma de garantir o pão na mesa, ainda de forma violenta. Como sempre, os fins justificam os meios.
Talvez o "quem amar sua mãe ou pai, ou filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim" se aplique neste caso, ou mesmo, "amai vossos inimigos", mas não sei. Não sou teólogo e a teologia da prosperidade ainda não criou uma cláusula que contenha um inciso em que o mostrar a outra face não se aplique em um jogo de futebol profissional.
Uma frase define o momento. Define o discurso, define a prática. Espero, sinceramente, que os assaltantes não adotem esta prática. Ser assaltado, apanhar e ainda ouvir: que Deus te abençoe. Não pegaria bem. O mal não pode ser confundido com o bem. Ou pode?

27 de mar. de 2012

O Mito da Tevê

Imagens bruxuleantes sob a luz de raios catódicos. Noção de movimento, muita cor, muita música. Um personagem-referência de sucesso e carisma preenche a tela de modo a parecer um deus falando. Tudo o que é "importante" (escolhido como) passa por ali. Realidade ou simulacro, não importa. O que importa é que se vive fora com a mente dentro dela.
Pessoas do lado de fora. Acorrentadas, como no mito da caverna. Os grilhões são a família, o trabalho, uma vida sem muita produção de adrenalina, o desconforto, o conformismo, o hedonismo e falta de perspectiva maior na vida. Talvez porque pensem que esta vida se repetirá ainda por várias vezes, então tudo ficará para a próxima. Correntes grossas e uma vontade louca de não querer se libertar.
Em filosofia, o Mito da Caverna de Platão sempre me intrigou. O que ele realmente quis dizer com aquilo? Que no plano das representações, ninguém vê a realidade e se delicia com sombras bruxuleantes na parede da caverna projetadas pela luz do fogo? Alguém consegue se libertar, sai da caverna e vê um mundo maravilhoso. Volta pra contar e ninguém acredita. E não acredita porque não enxerga ou porque acha que o libertado era doido de pedra?
Muitos sonham com a volta da Ditadura Militar. Não viveram aqueles anos de repressão onde eu e meus colegas éramos proibidos de sair dizendo qualquer coisa na rua. Onde, na adolescência, um Maverick todo preto com insulfilm nos vidros (sim, já existia), pegava um jovem barbudo com um bornal do Tchê impresso e uma boina suspeita, e levava não sei pra onde. Nunca mais o vimos. No entanto, o não vivido, o não experienciado, quando bem propagandeado e omitidas as crueldades, vira solução. Mais uma caverna, mais grilhões.
A Caverna é o mito mais conhecido de Platão. E como o senso comum mantém muito do pensamento hierarquizante do platonismo, ela simplesmente transformou-se em algo sólido e sonho de consumo do homo sapiens sapiens. A televisão promove a libertação da caverna domiciliar apresentando vários outros tipos de cavernas, com mais luz, mais música, mais glamour. E filme pra libertação de cavernas é o que não falta. De nacional a hollywoodiano.
Mas e a realidade? Ela existe? Sim, embora a palavra tenha significados multifacetados. A realidade, ou seja, tudo o que acontece, tudo que se é, se faz, não pode ser captado por nosso cérebro, por melhor que ele seja. No entanto o cérebro mesmo, "ciente" desta limitação, trata de preencher lacunas recriando o real. E por intermédio desses estímulos do real geramos emoções que serão expressas para o mundo lá fora. O que nos leva a concluir que: não estamos na caverna, nós SOMOS a caverna, pois a nossa querida massa cinzenta trata de completar a historinha da tevê ou mesmo do mundo virtual, onde se vive como se fosse a realidade presente, atual.
É bem capaz que o Fritz estivesse certo. "Depois da caverna, há outra, caverna, e depois da outra caverna, há outra..." Somos nossas cavernas. A tevê apenas se aproveita disto. Grilhões? Só em nosso pensamento. Não há do que se libertar, se nós somos aquilo que vivemos e que queremos ser. Em termos populares, um grande amigo, professor de matemática sempre me dizia quando analisávamos algum problema alheio: "cada um se f... da maneira que mais gosta". As escolhas são as únicas armas contra esta parte espertinha do cérebro. Mas escolhas custam caro. Ter a consciência das escolhas é realmente ser livre. E, quem quer ser livre?

20 de mar. de 2012

Corinligans

Adoro neologismos. Eles regeram e regeneram fenômenos que evoluíram segundo as mudanças do meio. Um termo novo além de carregar todo o background de seu correlativo, ainda traz consigo novas forças, novas potências. Estes novos termos redefinirão o Zeitgeist de cada época.
O assunto aqui é futebol e participação da população na política. Por isso o neologismo: Corinligans. Ele é uma fusão entre o nome do time paulista com os conhecidos torcedores Hooligans britânicos. Com nuances regionais, diga-se de passagem. No entanto, esta fusão traz consigo uma carga psicossocial muito profunda ao meu ver. Ela vem crescendo e o pior: fazendo escola.
Há muito que o brasileiro faz greve, faz passeata ou algum outro tipo de "boca no trombone" para questões pontuais. Por exemplo, acho linda a iniciativa de uma organização incentivar a obediência às leis de trânsito com peças de teatro. Pena que a significância se dará na intensidade do momento apenas. O hipocampo não registrará as informações por muito tempo, visto que não são hábitos e não estarão relacionadas com nenhum caso traumático, até que este venha a acontecer. O brasileiro, há muito, não faz nenhum tipo de revolta armada, organizada como a revolta dos "18 do Forte". Isto mesmo. Dezoito pessoas querendo derrubar o poder. Dezessete militares e um civil. Hoje, caso acontecesse algo semelhante, seria um prato cheio para as piadas do CQC. O Brasil se irrita, mas não se revolta. Não? Revolta sim, mas por outra força.
A elite que "pensa", que reflete e se indigna com a atual situação amoral da política brasileira caracteriza-se por uma "arma" que eles consideram muito poderosa: os e mails conscientizadores. Tão conscientizadores quanto reclame de maço de cigarros. Mas, como esta elite mesma atesta, fazem sua parte. Você é que não faz a sua. Tirando esta elite que vive na Matrix da TI, em geral o povo brasileiro conhece muito de futebol e pouquíssimo de política (seria porque não existe mais OSPB e Moral e Cívica nas Escolas?). Sabemos qual técnico é a bola da vez, qual jogador tem o melhor penteado e aparece mais na tevê, conhecemos táticas e técnicas e resolvemos o problema do nosso time no espaço de um corte de cabelo. Discutimos, defendemos e atacamos num debate acalorado como se estivéssemos jogando profissionalmente. Somos expert quando o assunto é futebol.
Política? Palavra maculada. Hoje sinal de corrupção, maracutaia, roubalheira entre outras alcunhas. Falar de política é falar de políticos, embora a relação não seja tão direta quanto se pensa. Mas é o que aparece, o que dá IBOPE. Propina e suborno com o dinheiro público. Ações judiciais que demoram anos para serem executadas, fazem-nos esquecer das maracutaias antigas. Aí surgem novas todos os dias. Então, qual seria o propósito de se entender de política? Não há técnicos salvadores, não há políticos habilidosos no trato com a bola (ou seria o bolo), que melhorem a situação. Cada milhão roubado equivale a um hospital a menos, uma escola pública mal aparelhada e por aí vai. Mas Escola não tem mais importância pro futuro e hospitais só são realmente importantes quando precisamos deles. E a nação da bola não consegue associar a precariedade da saúde com o roubo e a propina.
Corinligans. Corintianos Hooligans. Eles vêm aparecendo no cenário sociopolítico brasileiro. Sim, porque o futebol é a verdadeira prática política de nosso país. Estes e outros equivalem aos dezoito "mil" do Forte. O enfrentamento pela violência vem aumentando a passos largos. Isto porque sabemos muito de futebol e pouco de política. Outros aparecerão. Fruto do orgulho de ser torcedor. Orgulho, vaidade. Tudo é vaidade e como correr atrás do vento.

13 de mar. de 2012

Eu Nasci pro Trabalho...Minha Máxima Culpa.

Um vídeo no youtube. Corriqueiro, sem trilha sonora, sem ensaio ou cuidado com a iluminação. Dois irmãos vivem uma saga de 56 segundos. O bebê cutie-cutie, careca, sorridente com os dentes da frente separados (o que lhe renderá algumas zoações futuras). O irmão, dois anos mais velho, sentado logo atrás dele, dando-lhe o dedo para que seja mordido. Isto rendeu até agora, para os pais, cerca de cem mil libras esterlinas, o equivalente a duzentos e oitenta mil reais. Pagamento do youtube.
Cresci numa família de trabalhadores. Tio Flávio, o que melhor se deu na vida, fez concurso pro Banco do Brasil. Trabalhou duro desde o começo de sua carreira, junto com a tia Valesca. Tio Manoel, hoje falecido, foi caminhoneiro, dava duro de sol a sol. Tio Fernando (pasmem) trabalhou toda sua vida profissional na mesma empresa. Tio Plínio deu duro como analista de crediário na antiga J. H. Santos e Jurema, sua esposa, foi datiloscopista da polícia civil. Meu pai, José, fez concurso pra Polícia Civil e aposentou-se como Delegado. Além de dar duro, estudou muito para ter uma velhice tranquila (velhice tranquila = poder pagar dois mil reais para uma injeção no olho). Meus avós, com quem fui criado na minha infância, trabalhavam de sol a sol. Vó Maria na lida doméstica e Vô Edmundo como representante comercial. O trabalho era território onde todos habitávamos e os dísticos que referendavam tal hábito eram "o trabalho enobrece o homem", ou mesmo "estude para ser alguém na vida". Bem, até hoje me pergunto se sou ou não alguém na vida. Eu vivo...acho.
Em meio a todos estes exemplos de trabalho, simultaneamente eu vivia sentado em cima daquilo que viria a destruir estas visões românticas acerca do trabalhar e crescer na vida. A Revolução Técnico-Científica da década de 1970, que criaria a tecnologia da informação e, consequentemente, um vídeo patético que já rendeu um montante que atividade nenhuma minha (lícita) renderia, nem em 10 anos. Hoje ganha-se dinheiro, e justamente os que não trabalham, tem real tempo para isto.
Vejamos: um professor de doutorado, com pós-doutorado em Europa (uma das luas de Júpiter), que obviamente malhou muito o cérebro para chegar onde está e hoje é um professor inseguro, sem didática, intransigente, que faz de tudo para que o aluno tenha medo de perguntar, ganha em média dez mil por mês, o que já é considerado um alto salário para esta categoria. Do suor do teu rosto comerás. Ele suou e sua. Muito. Mas, como ele poderia triplicar seus ganhos mensais? Trinta mil por mês? Escrevendo livros de sucesso, suponho eu. Mas pós-doutores em administração não são lá os dramaturgos que vendem best sellers. E o mais deprimente: ele foi criado mais ou menos no mesmo mote que eu. Não foi uma menina baladeira, bonitinha, jeitosinha que seduziu uma inocente celebridade do mundo futebolístico. Ah, uma outra profissão que enobrece, pois contribui muito para o Rivotril Social de manutenção do Status Quo. Todos quietinhos torcendo para o time do seu coração. Esta menina sim, ganhará R$ 30.000 por mês. Outras ganham mais. Outras, ganharão mais ainda.
Um investidor na Bolsa de Valores trabalha? Dada a conceituação formal do que seja o trabalho moderno sim. O que ele está livre é dos grilhões que tornam o trabalho o suor do rosto. Ele investe, e se o faz de maneira eficaz, ganha uma boa bolada, permitindo-o viver muito bem por um determinado período de tempo. Aí é só reinvestir.
Mas o trabalho está aí, ainda comanda nossas mentes. O que ainda não comanda nossas mentes é como ganhar dinheiro sem suar o rosto. Libertando-se do fardo de trabalhar, dar duro. E num mundo de superprodução, poucos acharam um meio de gerir superganhos. E eu, um superidiota. Bem, ao menos é assim que me sinto.
Não sou investidor da Bolsa, não conseguirei seduzir nenhum jogador ou cantor e não tenho filhos bebês para ganhar com o youtube.
No início da década de 1990, uma música causou impacto. Vamos Dançar, do Ed Motta. "Eu não nasci pra trabalho, eu não nasci pra sofrer, eu decidi que a vida é muito mais que viver". Foi censurada no coral de crianças que eu regia. Uma crítica direta ao trabalho. Pobres crianças. São adultos hoje. E devem estar numa situação muito parecida com a minha. Trabalham, trabalham e trabalham. Sem tempo pra ganhar dinheiro.
Trabalhar enobrece o homem. Mas desde o final do século XIX a nobreza foi derrubada pela burguesia investidora. Eu assisti ao tal vídeo para compor minha crônica. Ajudei os pais da dupla a ganhar suas próximas cem mil libras, enquanto me preparo para o trabalho. Minha culpa, minha máxima culpa.

8 de mar. de 2012

Elas

Não há poesia que as descrevam com maestria. Não há corrente filosófica que as conceituem no todo. Não há ciência que as definam. E não há música que as contemple, a contento. Dessarte autores que venham a ousar comparar o Elas com o Universo, com prazer eu discorreria aquinianamente sobre o fato de serem um buraco negro supermassivo. Ninguém sabe exatamente o que está do outro lado daquele blush.
Elas comandam o espetáculo. Aliás, só existem em função de um espetáculo. Toda a indústria voltada para o feminino cria e recria o espetacular. O pódio de geradora da vida foi agora ampliado para o pódio "bolachinha dez do pacote", relegando-nos, na mídia, a meros observadores.
Alguns passam anos tentando entendê-las. Quanto mais entendem, menos conseguem conviver. Os que conseguem conviver, é porque desistiram de entendê-las. Mas aí entra outro mecanismo maravilhoso de defesa fantástica: elas passam a não conseguir conviver com elas mesmas. Melhor fazer com elas aquilo que o grande artista, que conviveu com seis, quase ao mesmo tempo, disse e fez: "A arte moderna é como a mulher: se tentar entendê-la, jamais conseguirá apreciá-la" (Pablo, aquele...do Picasso)
Fórmulas. Os tradicionalistas apostam na velha prática misógina do protecionismo machista. Este animalzinho arisco até vale-se desta prática quando bem lhe aprouve. Mas logo, logo vem a força reativa do "grosso, manipulador". A imprevisibilidade, assim como mimetismo nos camaleões, é a principal arma de defesa do Elas. Os mais liberais, moderninhos, apostam na "igualdade". Ouvem, compreendem, auxiliam, mantém distância "naqueles dias", tentam agradar a todo custo e não são possessivos. Até o início da década de 1980 parecia ser a fórmula definitiva para conviver com Elas. Ledo engano, De dentro do buraco negro sai uma outra luz reativa do "homem que ama tem ciúme, protege a mulher". Não há fórmulas, e sim, percepções.
Freud perguntava-se "o que quer a mulher". Foi a via equivocada. Ele propôs entender o que queria um filho (a sua mãe), mas quanto ao Elas, ficou devendo. Nadarei contra a corrente e, sem medo de errar, direi o que Elas NÃO querem.
Relacionamentos. Elas NÃO querem homens bonitos. Esta máxima passa a valer a partir do momento que elas passaram por vários desapontamentos em relação aos melhores genes, mesmo porque esses genes têm a odiosa mania de querer mesclar-se com muitos outros, ao invés de ficar com um invólucro genético apenas (Elas). O que sobra? Homens inteligentes. Outra ilusão. Na maioria das vezes, homens inteligentes são chatos, pedantes e egocêntricos, transformando a vida dElas num personal hell. Mas tentemos observar o comportamento da zona de eventos desse buraco negro: trocamos o conceito inteligente por seguro e tudo fica mais claro. Homem seguro, de personalidade. Ajuda muito se este invólucro genético também for desejado por outras Elas. Uma parte visível desse buraco negro denota que Elas, fêmeas, são caçadoras. A seu modo.
Vida Profissional. Elas NÃO querem ser discriminadas. Igualdade sim, disparidade não. Isto até conquistarem o que projetaram e passar a ganhar bem mais do que nós no mesmo ramo de atividade. É o fardo do devir. Ser eternamente coitadinho até que habite no mesmo território, deixe de ser devir e passe a exercer poder. Não querem assumir a casa sozinhas, precisam de nós, mas metem o pitaco em tudo o que fizemos e noventa e nove por cento, fazemos de modo errado. Afinal, são milhares de anos de experiência doméstica.
Vida pessoal. Elas NÃO querem, de jeito maneira que nós sequer cogitemos saber de suas privacidades. Mas também NÃO admitem ficar longe da nossa. Dão diretrizes para tudo, mas não liberam as bissetrizes. Usam-nas como arma de pressão.
Um buraco negro na nossa vida. Inefáveis, insondáveis, espertas, matreiras. Não há como escapar. Assim como os buracos negros, são a outra força magnética mais forte do Universo. Sugam as luzes da ribalta, puxando o espetáculo para si. E numa sociedade de conveniências, isto é bom, para alguns...
Junto com o Dia Internacional da Mulher, vivemos o dia Mundial do rim. Nossos rins agradecem a força que elas fazem para que estes filtrem cada vez menos, a água de nossas cervejas.
"Mulher virtuosa, quem a achará?". Hoje em dia, ninguém.

2 de mar. de 2012

Educação Doméstica

Existe. E é legal, no sentido jurídico. A Educação Fundamental é obrigatória, não a Escola. E é a real educação, quando praticada. Ensinar os filhos em casa é, hoje, a verdadeira revolução no ensino. Por que? Simples. Porque elimina todos os vetores ditos prejudiciais ao desenvolvimento psíquico saudável de um primata com telencéfalo desenvolvido e polegar opositor.
Sim. Somos animais sociais. A vida em sociedade foi o que nos permitiu sobreviver. As ferramentas e a comunicação sofisticada nos deram a força que não tínhamos para enfrentar predadores. A civilização nos deu poder. E este poder, para manter-se, precisava progredir. Aí vieram as Escolas. Mas a eletrônica e a informática nos deram o que eu chamo de última fronteira do poder: a autonomia. A informação é questão de escolha. E escolha com liberdade de julgamento. Mesmo sociáveis, há momentos em que buscamos fazer coisas nós mesmos.
Mas, por que NÃO à Escola? Não falo em termos globais, mas regionais. Veja-se a propaganda que se faz sobre a Escola Particular, por exemplo: frases soltas de efeito, cuja centralidade ou é a metanarrativa "preparar para a vida" ou é "vestibular e profissão de sucesso". Um out-door daqui de Porto Alegre ilustra bem esta hipocrisia social. Um modelo fotográfico de jaleco e estetoscópio a tiracolo, com cara de fauno sedutor e um sorriso "técnico" no rosto. A frase, "sou médico, fui farroupilha" engendra uma lógica linear na qual exclui naturalmente toda e qualquer concorrência, pois o cérebro tende a reduzir ideias a uma centralidade. Deveria-se fazer sim, uma pesquisa científica para ver quantos fizeram esta ou aquela Escola e tornaram-se profissionais do crime. E postar num out door. Como havia dito. Autonomia. Escolha.
A Escola não detém conhecimento. Um número significativo de professores do ensino médio ainda dão aulas pelo famoso Esquema 2, isto é, são bacharéis e não licenciados. Não fizeram disciplinas didáticas e o discurso "eles que se virem" acabou virando regra. Difícil uma Escola Pública que não tenha professores faltando. E existe um descontínuo institucionalizado. Licença-prêmio, migração, contrato emergencial, acabam por prejudicar o desenvolvimento educacional da criança e do adolescente.
Professores combalidos por horas extras de atividades sem remuneração sofrem da síndrome da desistência, e é comum ouvir-se dizer que esperam a tão valiosa aposentadoria especial. Dar aulas sem motivação e recursos cansa. Sobre recursos, há uma análise ótima sobre isto: se a medicina tivesse progredido tanto quanto progrediu o ensino, os médicos ainda praticariam a sangria.
A Escola sociabiliza. Sim, é boa para quem tem uma genética favorável e é forte fisicamente. Desde cedo sabe-se quem manda e quem será mandado. De uma forma cruel e pré-histórica, como faz uma criança que não foi civilizada pelos pais. Sabe-se também quem tem mais posses, fazendo com que o limitado de acessos ao consumo veja seus pais como fracassados. Ótimo para a auto estima...baixa.
Educação em casa. A lei permite. Conteúdos básicos a serem vencidos, mas o melhor: a autonomia do que queremos ensinar a nossos filhos. Observar suas habilidades e tendências naturais e deixá-los escolher o que querem saber. Não uma Escola impositora, punitiva e disciplinadora para um mundo de competitividade desleal. Esforço dos pais. Dedicação. Pais e filhos aprendendo juntos, todos os dias. Sem o stress do acordar cedo, respeitando o relógio biológico; sem a preocupação do melhor tênis; sem o medo da humilhação por parte de professores e colegas. Não uma vida monástica, pois amizades se constroem no dia-a-dia. À Escola sobrou a função de ser depósito de filhos. Com direito a segurança privada nas particulares e brigadianos aposentados nas públicas.
Ensino domiciliar. Solução? Não. Contraponto. E um recomeço de algo melhor.

18 de fev. de 2012

Reforma do Ensino

Uma das grandes reclamações feitas ao ensino atual é que ele é por demais acadêmico, teórico e distante da realidade do aluno na produção de saberes. Ensina-se o que poderia ser considerado básico no fundamental, que recebe esta alcunha, mas que não tem lá muito fundamento. Cobram avaliações ainda no sistema estímulo-resposta, mais como forma de mostrar quantitativamente aos pais dos alunos algum tipo viável de produção. Uma eficiente simulação do binarismo exigentes-exigidos no que tange ao trabalho moderno.
É raro ver, nos dias atuais, crianças dizendo que serão bombeiros, pilotos de avião, astronautas, médicas ou bailarinas. Lembro-me como se fosse hoje: eu tive, na sexta série, um colega de aula que não tinha o antebraço esquerdo e dizia para todos que um dia seria bombeiro, daqueles que apagam incêndios. Alguns riam alto, outros olhavam pro lado, era constrangedor. Não sabia o que dizer ao pobre menino. Nem imaginava o que era preciso fazer para ser bombeiro. Mas uma coisa eu tinha certeza: ele nunca seria aprovado por causa do braço. Um dia, estávamos na biblioteca pesquisando em livros (é, isto existiu um dia), e de repente, numa enciclopédia (não, não a wikipédia – a internet apareceria somente 17 anos mais tarde), apareceu uma foto enorme de um bombeiro subindo numa Magirus a fim de resgatar uma mulher na janela de um edifício em chamas. Caiu a ficha. Não havia como subir aquela escada enorme com um braço apenas. Frustração infantil. Vencida facilmente. Encontrei-o a alguns anos atrás e é um administrador de sucesso. Apaga incêndios. Mas financeiros, organizacionais. E para estes, basta o cérebro.
Por outro lado, não é raro ver meninos da atualidade sonhando em ser jogadores de futebol. Um sonho que não se sonha, pois muitos desses meninos já estão em escolinhas de futebol, esperando o momento e a pessoa certa. Um messianismo. O “olheiro” que vem caçar talentos e descobre o futuro craque, este sendo "salvo" da incógnita e da pobreza. Um deles ascenderá na cadeia alimentar. Os outros terão apenas o benefício do esporte como atividade física. Muitos sonham chegar ao Barca, passando por Flamengo (ou o contrário, dependendo da lambança fizerem no exterior), mas acabarão com um salário médio, em algum time do interior que lutar para chegar à série B do Brasileirão. Superstição? Sim, quase todos os meninos. Acham que imitando cortes de cabelo de certos craques alcançarão a fama desejada. Aí, o menino de dezessete anos deixará a casa de seus pais, pobres, e arranjará contrato num time grande, ou médio e pequeno do exterior. A glória. Uma casa nova. Um carro novo. Namoradas novas que acreditam piamente em amor à primeira vista e que não se importam com dinheiro. E isto sem passar pelo chato ensino acadêmico brasileiro.
Bem, é partindo desse cenário tupiniquim techno funk de alta definição em 4-D que proponho uma reviravolta total e irrestrita no ensino médio nacional. Mudam os interesses, mudam-se os métodos. Física, Química, Matemática, Português, Inglês, Literatura, Filosofia, Sociologia, Artes entre outras coisas supérfluas não são mais produtoras de “real” conhecimento. Afinal, Abaporu não é nenhum jogador recentemente contratado da África do Sul. Estas disciplinas estão totalmente demodês, não servem pra nada. Pense num grupo de jovens num barzinho à noite debatendo sobre a Segunda Lei da Termodinâmica, ou analisando a atual conjuntura política à luz do processo de desconstrução da Ditadura Militar. Ridículo, a não ser que os referidos alunos sejam nerds. O menino ou o adolescente que sonha em ser jogador de futebol necessita de outros saberes, urgente. Não demorará muito, as meninas também estarão neste mesmo patamar.
Vejamos então? O que um jogador precisa saber a fundo, além do trato da bola, para se dar bem no soccer business? Em primeiro lugar, as disciplinas de Estética Automobilística e Estética Capilar seriam um bom começo. Outra matéria indispensável é a administração do erário. Alguém que ganhava até três salários mínimos de ajuda de custo, que passe a ganhar R$ 200.000,00, fora luvas e direitos de imagem, precisa ter uma mente treinada para saber o que fazer. Abrir uma instituição de caridade talvez em uma vila pobre, mesmo que a Prefeitura da cidade precise encampar o projeto mais tarde. Também, outra disciplina de altíssima importância no mundo futebolístico é o de Relacionamento Social, a fim de que o jogador vislumbrado mais com seu dinheiro do que com seu futebol não arranje amizades escusas e acabe servindo de laranja para um traficante. No campo científico, podem-se criar disciplinas tais como Planejamento Familiar e Introdução ao Teste de DNA. Com isto, se o boleiro não for bem na primeira disciplina, com certeza conseguirá se safar na segunda. Algumas Mulheres adoram ter filhos com jogadores famosos. E, como complemento, aulas de Direito Cível, a fim de resolver a pendenga da namorada que apanhou da famosidade esportiva.
Uma renovação na grade curricular: a inserção de disciplinas eletivas, assim como se fazem nas Universidades: o esportista poderá optar entre "Comunicação Retórica Repetitiva Midiática", "Expressão Corporal - Dança de Pagode e Sertanejo Universitário", "Introdução ao Processo de Transição de Jogador Medíocre a Técnico", "Introdução à Técnica Vocal de Garganta para acompanhar Duplas Sertanejas", ou até mesmo a tão concorrida disciplina "Treinando o Pé e a Língua para se eleger Deputado". São muitas as perspectivas no universo complicado de um jogador de futebol. Quanto aos bombeiros, sobram os salários miseráveis e greves com prisões. Não vale a pena salvar. Outros o façam.
Meninos são espertos, meninas também. Não sonham com coisas irreais como ser a primeira bailarina do Teatro Municipal, ou Escritor de grandes romances. Jogadores que mal sabem se expressar ganham prêmios na ABL. Meninos e meninas sonham com o que é concreto, com o que dá um resultado final satisfatório. Ah! Que tempos maravilhosos vivemos...

9 de fev. de 2012

Armas & Força = Exercício de Poder.

Eu? Aquele ali, na fila bem atrás do senhor idoso. Qual senhor idoso? Aquele ali, com algo que se parece uma capa preta, surrada. Sua barba se projeta para além da costura. Deve ter uns quarenta e cinco anos no máximo. Difícil encontrar pessoas da idade dele. Já encontrei um senhor que viveu até os setenta anos. Só os poderosos vivem tanto. Sim, eu. Estou ali, tremendo de frio, esperando na fila impacientemente para pagar com o produto de um ano de plantio de trigo o tributo por ser mais um fraco num vilarejo sem proteção de nenhum senhor feudal. O questor é um homem de pele muito clara, cabelos loiros compridos, deve ter uns dois metros de altura e uma musculatura que eu nunca tinha visto em outro filho de Deus. Ele esbraveja, bate na mesa, exigindo que se pague tudo conforme dito na última vez que saquearam nossa aldeia. A voz dele ecoa pelo vale como se fossem muitos a falar. Se ele já mete medo por sua estatura, o que dirá gritando. Um homem acabou de ser açoitado porque o saco de farinha não correspondeu ao peso mínimo. Outro homem loiro, de menor porte, mas igualmente musculoso, faz a pesagem e não deixa passar uma arroba a menos. Em cima da mesa onde está o enorme nórdico questor, jaz um machado de dois gumes que, daqui, parece ter o meu tamanho. Enorme, pujante, que intimidaria até o maior cavaleiro de nosso Rei. Bem, está chegando a minha vez. Tenho vinte e sete anos. Sou um dos poucos que chegam a esta idade na minha vila. Meu irmão mais novo tinha dezoito quando morreu vítima de um coice de seu próprio cavalo. Não temos mais cavalos, os nórdicos vikings que agora exigem uma enorme porcentagem de nossa produção os levaram todos. Sobrou um potrinho doente que consegui esconder. Não sei até quando. Sempre fui assim, rebelde. Minha vontade era de enfrentar esses valentões. Não são muitos. Acho que uns quarenta, no máximo. Mas têm as melhores armas. Meu arco e minhas flechas mal servem para caçar cervos na floresta. Os deles atravessam facilmente uma armadura. Tenho uma adaga, afiadíssima. Já me livrei de várias situações de perigo, de ladrões a javalis enlouquecidos querendo defender sua cria da minha caçada. Minha adaga é comprida, quase do tamanho de um gládio, herança de meu avô, que ganhou do avô dele, que fazia parte das legiões romanas. Mas não sou páreo para aquele machado. Um casal acabou de ser decapitado por implorar perdão. Não tinham o que dar, perderam tudo na última chuva de granizo. O questor babava ira e contentamento ao ver sangue jorrar. Espetáculo horroroso, que sou obrigado a presenciar. Nada do que acontece aqui, é minha vontade, minha liberdade. Uma senhora, acho que uns trinta anos de idade, junto com sua filha de doze, mais ou menos, chega-se ao musculoso questor; este olha para as duas como se olhasse para um porco assado exalando o perfume do tempero que o cobre. As duas são dirigidas pelo outro a uma cabana logo acima deles. A menina com olhar apreensivo e a mulher, com olhar resignado. Já sei o que farão. O questor, muito à vontade, levanta-se, conversa demoradamente com mais dois subalternos que nos lançam um olhar agressivo, e entra na cabana. Ouvem-se coisas que temo em relatar. Trinta minutos depois, mais ou menos, sai o questor da cabana, com olhar sereno, contrastando com sua postura. Não se vê mais a moça e sua filha. Quase a minha vez. Que vontade de usar minha adaga. O idoso chama seu filho e mostra ao questor seu tributo. Não tenho tanto assim, não sou casado, não há mulheres na aldeia, levaram todas. Não tenho filhos, moro sozinho. Será que aceitarão meu pagamento? Sou o próximo. Demoram com o idoso, pois ele ainda presenteia os dominadores com as filhas do vizinho que ele mesmo matou, numa disputa de área de plantio, foi o que eu soube. Lá vão eles de novo para a cabana. E lá vou eu tremer mais de frio esperando para pagar uma coisa que não devo, mas por não ter força e armas suficientemente desenvolvidas para peitá-los, reduzo-me a insignificância de minha existência, no ano de 997, de Nosso Senhor. Acho até bom presenteá-los com minha adaga. Darei um jeito depois...
Um outro eu, um resquício genético daquele eu medieval, jaz numa cadeira dentro de uma agência bancária qualquer. Uma instituição pública, não privada. Chego com minha senha CC 0037 (CC = cliente comum) enquanto o display mostra a senha CP 054 (CP = cliente preferencial). Logo vem a senha de minha categoria inferior, a de comum e o número é 0022. Com dois caixas atendendo, a espera será longa. Acostumado e vacinado por anos de experiência, abstraio e começo a tecer crônicas, transformar o chronos em aión e deixar correr o tempo com meus devaneios literários. Ao retornar de tão lindo e perfeito universo, deparo-me com a realidade: o caixa que atende os relés CC's não está mais em seu posto. Conversa inadvertidamente com um provável colega. Riem, trocam mesuras. E eu, e mais outros pobres CC's esperamos, uma mistura de paciência resiliente com desagrado contido. Olhamos para o caixa relapso com olhar mais de inveja do que indignação, afinal, ele passou num concurso e é detentor de um machado (oops, confundi) de uma estabilidade no emprego, coisa que nós, CC's da rede privada, sequer sonhamos em conquistar. Nesse ínterim, uma pequena fila paralela de privilegiados entregadores de malotes se forma, dando ao cenário uma melancolia resultado da mistura de um Edgar Allan Poe com Kierkegaard. Não há o que fazer. Os maloteiros (que não são CC's e muito menos CP's) postam-se, altivos, imponentes, com seus malotes pujantes, enormes (será que confundi novamente?)serem atendidos, não pelo caixa que atende os majestosos CP's, mas o outro, que continua alegremente seu diálogo. Devem versar sobre coisas concernentes ao árduo trabalho de bancário. Duvido que conversem frivolidades em horário de serviço. O caixa que atende os CC's retorna ao seu nicho. Obviamente ele atende os maloteiros, e como se não bastasse, além de entregar malotes, eles também entregam mazelas...do cotidiano, e o que era para durar segundos, dura minutos, longos minutos. Uma senhora, aparentando minha idade, quarenta e sete anos, esbraveja para mim, como se eu tivesse uma adaga afiadíssima e caçasse cervos na floresta (aqui onde moro, floresta é nome de bairro e vila, cheio de outros bichos, mas nenhum cervo). Respondo a ela com um grunhido e este mesmo me leva a um insight: eu tenho uma arma! Um celular, e o meu algoz deixou uma brecha: o 0800 para reclamações, críticas e elogios. Por ironia, ao mesmo tempo em que digito o número, ligo e obedeço ao ritual de números a serem apertados para se falar com o atendente que irá criar um protocolo da reclamação, pedir todos meus dados, ouvir, digitar, ditar para ver se ele não esqueceu nada, uma moça vistosa, bem arrumada, achega-se da região onde ficam os caixas, e é atendida prontamente pelos únicos dois que atendem. Com certeza era uma estagiária nova, porque perguntava repetidas vezes a mesma coisa. De novo o olhar deles era o mesmo que há 1015 anos atrás o viking lançara para a mãe e a filha; mais um fragmento do mosaico funéreo e sarcástico do mundo pós moderno: CC's, CP's, maloteiros esperando para que a estagiária mate a fome de saber e eles matem a fome de...bem, deixa pra lá.
Volto ao telefone, e relato, in loco o que está acontecendo. Minha arma funcionou. Feri o sistema, não pessoas. Aviso a senhora ao meu lado de meu feito. Senti-me poderoso, pujante. Naquele momento, eu tinha o machado, eu tinha dois metros de altura e era forte, musculoso. Depois de exatos cinquenta e três minutos, sou atendido. Não dura mais do que dois minutos. Paguei o aluguel e o meu TOC de herança paterna fez com que eu separasse o dinheiro a fim de que o caixa, já cansado de tanto tro-lo-ló, não tivesse trabalho em contar as suadas cédulas de meu trabalho. Fui embora, deixando outros CC's atrás de mim, com a promessa que o gerente do banco ligaria para me dar uma explicação em até 5 dias úteis.
Na tarde daquele mesmo dia, reconheço a voz de quem me liga: era o mesmo rapaz que me deu a senha, reconheço o nome pois leio sempre crachás. É um bom passatempo ver os funcinários espantados quando tu os chama pelo nome. A explicação, além de um pedido formal de desculpas é a época, as férias de outros caixas, o horário que era de almoço, o sistema que não coopera, enfim... Minha arma não foi eficiente. Não fiz nenhum arranhão no sistema. Nem picada de mosquito. Saudade da adaga do meu ascendente. E, talvez, do machado.

18 de jan. de 2012

Subir a PIPA não será SOPA

Comum se alguém pensar na pipa como algo fálico. "A pipa do vovô não sobe mais" é mote de marchinha de carnaval. Mas esta pipa não. Esta não é sopa. Ela trata de algo que só não veio antes porque o mundo da informação é invisível e funciona na velocidade da luz, em detrimento à máquinas governamentais, ultrapassadas, lerdas e confusas. Mas quando atuantes, destruidoras.
E lá voltamos nós aos ditames da Idade Média. À opressão do pensamento, da liberdade de expressão. Qualquer expressão. Baixaria ou erudição são todos cultura, carentes de interpretação. Funk é música? Hip Hop é música? Pixação é arte? Preconceitos, sempre eles. Haverá sempre um a tentar barrar o desenvolvimento da livre expressão de pensamento. E claro, Tio Sam tem que ser o primeiro. Em nome da propriedade intelectual e do combate à pirataria.
Engraçado. O que é pirataria? Produzir deliberadamente a invenção de algum outro povo sem pagar a este o royalty necessário? Humpf. Se assim for, o ocidente deve uns cinco séculos, no mínimo, de direitos autorais aos chineses, prováveis inventores da pólvora. Ah, e da tipografia também. Gutemberg apenas tornou o processo de imprensa chinês mais rápido. E o que dizer da massa? Italiana? Tolinho. Ela é chinesa. É pirataria. Da grossa. Mas é passado, e os chineses têm hoje uma invenção que eles fazem questão que todos imitem pelo simples fato de que já são modelos: o "socialismo de mercado", a forma mais perfeita de exploração social e welfare state já conhecida, mas ainda não reconhecida (claro, não foi o Tio Sam quem inventou). Este, caro leitor é o tema da SOPA (em inglês, lei para impedir a pirataria online).
Vamos à PIPA (em inglês, a lei que protege a propriedade intelectual). Fico elucubrando sobre a "propriedade" intelectual. Um pensamento meu, só meu. Produto meu. Sinapses árduas fabricando insights. Neurônios deram a vida por uma ideia. Sócrates (se é que existiu) reivindicando sua frase "só sei que nada sei" de intermináveis livros de filosofia e literatura. Mas ele mesmo roubou a propriedade intelectual de alguém, quando afirmou o "conhece-te a ti mesmo", frase que não foi dele, mas estava no portal de entrada do Oráculo de Delfos. Esses norte-americanos, políticos leitores de Times e Marvel Comics não se dão conta que propriedade intelectual é uma abstração de um desejo infantil do "carrinho é meu". Ninguém tira uma ideia do nada. Há uma arqueologia do saber que proporciona um mundo infindável de ideias que se em desuso, tornam-se "novas" da noite para o dia. Nunca se criou algo, no plano humano. Sempre se desenvolveu o que alguém outro pensou. E não houve quem tivesse o primeiro pensamento. Até o plano da abstração, o ser humano primitivo foi prático. E de prático, a pragmático. E aí caímos na PIPA que só tem SOPA dentro.
A internet está acima das leis norte-americanas. Não que elas não tenham poder. Mas os norte-americanos, de tanto virem curtir o carnaval tupiniquim, acabaram aprendendo a usar o jeitinho brasileiro de resolver situações intrincadas com muito bom humor e disposição ao som de "ai, ai, se eu te pego". Hoje, sites norte-americanos deverão protestar contra esses dois projetos de lei a serem votados. Mas a internet, o Kraken pós-moderno que veio para destruir o poder opressor que se vale do controle de informações para exercer este mesmo poder, saberá contornar possíveis problemas surgidos com as leis criadas. Hecho la ley, hecho la trampa, como dizem os espanhóis. O universo internético é o poder impessoalizado. Não há quem o detenha. É a anarquia na melhor acepção do termo. A liberdade continuará e o Wikileaks foi só o começo do fim dos Estados Nacionais orgânicos, elitistas. Não estarei vivo para contemplar esse admirável mundo novo, mas esta crônica estará, com certeza.
Minha crônica ficará aqui, dando SOPA, enquanto acho que vou ali, tentar levantar uma PIPA (uma, não a minha).