27 de mar. de 2012

O Mito da Tevê

Imagens bruxuleantes sob a luz de raios catódicos. Noção de movimento, muita cor, muita música. Um personagem-referência de sucesso e carisma preenche a tela de modo a parecer um deus falando. Tudo o que é "importante" (escolhido como) passa por ali. Realidade ou simulacro, não importa. O que importa é que se vive fora com a mente dentro dela.
Pessoas do lado de fora. Acorrentadas, como no mito da caverna. Os grilhões são a família, o trabalho, uma vida sem muita produção de adrenalina, o desconforto, o conformismo, o hedonismo e falta de perspectiva maior na vida. Talvez porque pensem que esta vida se repetirá ainda por várias vezes, então tudo ficará para a próxima. Correntes grossas e uma vontade louca de não querer se libertar.
Em filosofia, o Mito da Caverna de Platão sempre me intrigou. O que ele realmente quis dizer com aquilo? Que no plano das representações, ninguém vê a realidade e se delicia com sombras bruxuleantes na parede da caverna projetadas pela luz do fogo? Alguém consegue se libertar, sai da caverna e vê um mundo maravilhoso. Volta pra contar e ninguém acredita. E não acredita porque não enxerga ou porque acha que o libertado era doido de pedra?
Muitos sonham com a volta da Ditadura Militar. Não viveram aqueles anos de repressão onde eu e meus colegas éramos proibidos de sair dizendo qualquer coisa na rua. Onde, na adolescência, um Maverick todo preto com insulfilm nos vidros (sim, já existia), pegava um jovem barbudo com um bornal do Tchê impresso e uma boina suspeita, e levava não sei pra onde. Nunca mais o vimos. No entanto, o não vivido, o não experienciado, quando bem propagandeado e omitidas as crueldades, vira solução. Mais uma caverna, mais grilhões.
A Caverna é o mito mais conhecido de Platão. E como o senso comum mantém muito do pensamento hierarquizante do platonismo, ela simplesmente transformou-se em algo sólido e sonho de consumo do homo sapiens sapiens. A televisão promove a libertação da caverna domiciliar apresentando vários outros tipos de cavernas, com mais luz, mais música, mais glamour. E filme pra libertação de cavernas é o que não falta. De nacional a hollywoodiano.
Mas e a realidade? Ela existe? Sim, embora a palavra tenha significados multifacetados. A realidade, ou seja, tudo o que acontece, tudo que se é, se faz, não pode ser captado por nosso cérebro, por melhor que ele seja. No entanto o cérebro mesmo, "ciente" desta limitação, trata de preencher lacunas recriando o real. E por intermédio desses estímulos do real geramos emoções que serão expressas para o mundo lá fora. O que nos leva a concluir que: não estamos na caverna, nós SOMOS a caverna, pois a nossa querida massa cinzenta trata de completar a historinha da tevê ou mesmo do mundo virtual, onde se vive como se fosse a realidade presente, atual.
É bem capaz que o Fritz estivesse certo. "Depois da caverna, há outra, caverna, e depois da outra caverna, há outra..." Somos nossas cavernas. A tevê apenas se aproveita disto. Grilhões? Só em nosso pensamento. Não há do que se libertar, se nós somos aquilo que vivemos e que queremos ser. Em termos populares, um grande amigo, professor de matemática sempre me dizia quando analisávamos algum problema alheio: "cada um se f... da maneira que mais gosta". As escolhas são as únicas armas contra esta parte espertinha do cérebro. Mas escolhas custam caro. Ter a consciência das escolhas é realmente ser livre. E, quem quer ser livre?

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