13 de mar. de 2012

Eu Nasci pro Trabalho...Minha Máxima Culpa.

Um vídeo no youtube. Corriqueiro, sem trilha sonora, sem ensaio ou cuidado com a iluminação. Dois irmãos vivem uma saga de 56 segundos. O bebê cutie-cutie, careca, sorridente com os dentes da frente separados (o que lhe renderá algumas zoações futuras). O irmão, dois anos mais velho, sentado logo atrás dele, dando-lhe o dedo para que seja mordido. Isto rendeu até agora, para os pais, cerca de cem mil libras esterlinas, o equivalente a duzentos e oitenta mil reais. Pagamento do youtube.
Cresci numa família de trabalhadores. Tio Flávio, o que melhor se deu na vida, fez concurso pro Banco do Brasil. Trabalhou duro desde o começo de sua carreira, junto com a tia Valesca. Tio Manoel, hoje falecido, foi caminhoneiro, dava duro de sol a sol. Tio Fernando (pasmem) trabalhou toda sua vida profissional na mesma empresa. Tio Plínio deu duro como analista de crediário na antiga J. H. Santos e Jurema, sua esposa, foi datiloscopista da polícia civil. Meu pai, José, fez concurso pra Polícia Civil e aposentou-se como Delegado. Além de dar duro, estudou muito para ter uma velhice tranquila (velhice tranquila = poder pagar dois mil reais para uma injeção no olho). Meus avós, com quem fui criado na minha infância, trabalhavam de sol a sol. Vó Maria na lida doméstica e Vô Edmundo como representante comercial. O trabalho era território onde todos habitávamos e os dísticos que referendavam tal hábito eram "o trabalho enobrece o homem", ou mesmo "estude para ser alguém na vida". Bem, até hoje me pergunto se sou ou não alguém na vida. Eu vivo...acho.
Em meio a todos estes exemplos de trabalho, simultaneamente eu vivia sentado em cima daquilo que viria a destruir estas visões românticas acerca do trabalhar e crescer na vida. A Revolução Técnico-Científica da década de 1970, que criaria a tecnologia da informação e, consequentemente, um vídeo patético que já rendeu um montante que atividade nenhuma minha (lícita) renderia, nem em 10 anos. Hoje ganha-se dinheiro, e justamente os que não trabalham, tem real tempo para isto.
Vejamos: um professor de doutorado, com pós-doutorado em Europa (uma das luas de Júpiter), que obviamente malhou muito o cérebro para chegar onde está e hoje é um professor inseguro, sem didática, intransigente, que faz de tudo para que o aluno tenha medo de perguntar, ganha em média dez mil por mês, o que já é considerado um alto salário para esta categoria. Do suor do teu rosto comerás. Ele suou e sua. Muito. Mas, como ele poderia triplicar seus ganhos mensais? Trinta mil por mês? Escrevendo livros de sucesso, suponho eu. Mas pós-doutores em administração não são lá os dramaturgos que vendem best sellers. E o mais deprimente: ele foi criado mais ou menos no mesmo mote que eu. Não foi uma menina baladeira, bonitinha, jeitosinha que seduziu uma inocente celebridade do mundo futebolístico. Ah, uma outra profissão que enobrece, pois contribui muito para o Rivotril Social de manutenção do Status Quo. Todos quietinhos torcendo para o time do seu coração. Esta menina sim, ganhará R$ 30.000 por mês. Outras ganham mais. Outras, ganharão mais ainda.
Um investidor na Bolsa de Valores trabalha? Dada a conceituação formal do que seja o trabalho moderno sim. O que ele está livre é dos grilhões que tornam o trabalho o suor do rosto. Ele investe, e se o faz de maneira eficaz, ganha uma boa bolada, permitindo-o viver muito bem por um determinado período de tempo. Aí é só reinvestir.
Mas o trabalho está aí, ainda comanda nossas mentes. O que ainda não comanda nossas mentes é como ganhar dinheiro sem suar o rosto. Libertando-se do fardo de trabalhar, dar duro. E num mundo de superprodução, poucos acharam um meio de gerir superganhos. E eu, um superidiota. Bem, ao menos é assim que me sinto.
Não sou investidor da Bolsa, não conseguirei seduzir nenhum jogador ou cantor e não tenho filhos bebês para ganhar com o youtube.
No início da década de 1990, uma música causou impacto. Vamos Dançar, do Ed Motta. "Eu não nasci pra trabalho, eu não nasci pra sofrer, eu decidi que a vida é muito mais que viver". Foi censurada no coral de crianças que eu regia. Uma crítica direta ao trabalho. Pobres crianças. São adultos hoje. E devem estar numa situação muito parecida com a minha. Trabalham, trabalham e trabalham. Sem tempo pra ganhar dinheiro.
Trabalhar enobrece o homem. Mas desde o final do século XIX a nobreza foi derrubada pela burguesia investidora. Eu assisti ao tal vídeo para compor minha crônica. Ajudei os pais da dupla a ganhar suas próximas cem mil libras, enquanto me preparo para o trabalho. Minha culpa, minha máxima culpa.

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