10 de abr. de 2012

Desculpem-me, mas vou perdoar.

Há quem confunda termos. Perdoar e desculpar fazem parte do rol de confusões. Um pode estar contido no outro, mas não são exatamente, sinônimos. Há uma profundidade maior no perdoar, visto ser ele herança de tradição judaico-cristã, com forte intensidade na questão pecado. Já o desculpar, contido no perdoar, é furtivo, casual, do tipo "ah, deixa pra lá", mas não elimina por completo a culpa de quem cometeu algo prejudicial a outrem.
Perdoem-me, mas por que falar de perdão? Não é assunto religioso? Não é assunto cuja área de debate é dominado pela teologia? Pode ser, considerando-se suas origens. Mas também pode ser visto como um espelho do mundo que vivemos, em comparação a épocas passadas. Muito mudou na sociedade da comunicação e pouco se denotou sobre isto.
Quem hoje não se justifica? Quem hoje acusa o golpe? Quem tem fibra para chegar num meio de comunicação e admitir que pisou na bola? Ou mesmo, na frente dos amigos e conhecidos, ou mesmo colegas de trabalho? Pouquíssimos vemos fazendo.
O que faz com que a sociedade viva o momento do "eu não fiz isso", ou mesmo "não foi bem assim"? Vejo claramente dois motivos. O fim dos limites e dos fatores que estabeleciam certo e errado, recompensa e punição gerou um certo relativismo quanto ao que se faz e ao que se fala. As redes sociais demonstram isto. Fala-se o que se quer, como quer e quando quer. Só que existem leis que protegem os lesados e causas por danos morais é o que não falta por aí. No trânsito, por falta de consciência e responsabilidade social, os seres humanos retornam à selvageria usando seu automóvel como se fosse uma lança a ser arremessada contra o inimigo impiedoso. Este sim, fez mal, eu não.
A perda de referenciais sociais e a má administração familiar compõe o outro motivo. O apelo da mídia, que faz a cabeça de milhões gira em torno do egoísmo e da busca pelo indivíduo total, pleno. "Compre um carro, mas não ligue pro CO2 que ele libera na atmosfera". As doenças respiratórias aumentaram consideravelmente e a qualidade do ar nas grandes metrópoles, cada vez pior. Mima-se o indivíduo, castiga-se a sociedade.
Então, se todos têm justificativa, pra que o perdoar? Simples, e nele está contido a responsabilidade e o bem estar social. Guardar rancor produz toxinas, desculpar é poder mencionar o erro alheio numa ocasião oportuna; agora, perdoar, na significação que o termo exige, é agir como se não houvesse acontecido, apagado da memória.
Ando muito de táxi, escolhi isto a ter um automóvel. Não sou cuidadoso com minhas coisas, e ter um carro nestas condições seria um desastre para a sociedade. Admiro o número grande de taxistas que trabalham no trânsito caótico de Porto Alegre. Constantemente eles presenciam barbeiragens e ações agressivas. Nada fazem. É como se não existisse. É como se não houvesse acontecido. Os outros berram, esbravejam. Eles não. Impassíveis. Admiro, chego a me emocionar. Eles aprenderam a intensidade do perdoar. Apenas, cônscios de que aquelas coisas irão acontecer, simplesmente relegam. Não geram toxinas, não produzem cortisol ou qualquer outro hormônio estressor do corpo.
Quando se conhece a natureza humana, defensiva e neurótica, o perdão já faz parte da essência dos que simplesmente não dão importância ao que se faz de ruim para eles. Aprendem a desenvolver o amor universal e a compaixão e viver em harmonia com o meio hostil.
Mais uma disciplina a se desenvolver: a do Estado do Perdão Constante. Esta sim deveria ser amparada por alguma ONG e noticiada todos os dias. Os que perdoam, os que transformam a energia da revolta em energia do bem.

4 de abr. de 2012

A "Prática" do Bem

"Ele me bate e ainda diz Deus te abençoe". Desabafo do garoto sensação do momento num jogo de campeonato regional. Uma frase que pode muito bem, resumir o que é o mundo hoje. No coração e na mente, o princípio do bem, da redenção e da salvação; na hora do "vamos ver" os fins justificam os meios.
O processo da inquisição medieval seria hilário, se no fim não houvesse tortura e morte. A mínima acusação por parte de alguém gerava um processo cujo resultado seria a confissão, após passar pela experiência de uma dama de ferro. Damas. Sim, as mulheres eram o foco principal. Quando queimavam, exalavam um odor mais agradável do que os homens. Eram perseguidas. Vistas como instrumentos do demônio. Não é difícil de entender a raiva da Igreja pelas mulheres: os sacerdotes simplesmente não podiam tê-las.
Milhares se arrependiam sem saber exatamente do que. E o clero perdoava sim. Então, por que eram queimados? Para serem purificados, uai. Com a purificação do fogo, a alma poderia ser aceita nos céus. Apanhavam, sofriam, queimavam. Mas...que Deus as abençoava, não havia dúvida.
A religiosidade popular brasileira ainda é intensa. O que mudaram foram os vetores, na última década. O sincretismo religioso brasileiro está regerando a significação do ser religioso: um pentecostalismo latino com elementos afros. Maravilha. Praticamente um novo conceito em religião. Retetés são uma demonstração disto. Uma música repetitiva com forte ritmo afro-brasileiro, letra da música com teor evangélico e uma noite inteira de louvor.
O futebol, convenientemente, é um rio farto para se pescar homens. O número de jogadores evangélicos é grande. Outras religiões também, no entanto não se vêem manifestações como as dos evangélicos antes de começar uma partida. A oração ostensiva antes e depois das partidas sempre foi um ótimo marketing.
Há uma arqueologia do saber. Mas também há a do sentir, ao meu ver. E a religião ligou-se fortemente ao sentimento do bem estar espiritual. Também em épocas passadas a religião foi referencial de moral, ética e bons costumes. Hoje, em muitos casos, sobra o discurso.
O garoto é rápido, habilidoso com a bola. Domina-a com maestria. Mimado pela mídia. Mas não pelos colegas de trabalho. Quem não pode pará-lo com habilidade, tentará pará-lo na força. Força num esporte de contato transforma-se em violência com muita facilidade. E aí vem o conflito.
Prega-se a paz, o amor. Mas mesmo um volante ou um zagueiro precisa sustentar família e outros gastos. E não deixar passar o garoto hábil é uma forma de garantir o pão na mesa, ainda de forma violenta. Como sempre, os fins justificam os meios.
Talvez o "quem amar sua mãe ou pai, ou filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim" se aplique neste caso, ou mesmo, "amai vossos inimigos", mas não sei. Não sou teólogo e a teologia da prosperidade ainda não criou uma cláusula que contenha um inciso em que o mostrar a outra face não se aplique em um jogo de futebol profissional.
Uma frase define o momento. Define o discurso, define a prática. Espero, sinceramente, que os assaltantes não adotem esta prática. Ser assaltado, apanhar e ainda ouvir: que Deus te abençoe. Não pegaria bem. O mal não pode ser confundido com o bem. Ou pode?