16 de dez. de 2010

Literatura Caça Níquel

Pode ser sim. Preconceito. Não descarto a possibilidade. Quarentões desejantes que a recém passaram da andropausa, carregados de lirismo e ranços literários, não aceitam uma literatura mercadológica do tipo “público-alvo”.
Mas ela está aí e carece de maiores explicações. Ainda que um Hamlet tenha maior grau de profundidade, ele anda perdendo feio para lobisomens que teimam em proteger sonsas desengonçadas de vampiros brilhantes, ainda que elas não tenham essa necessidade.
Meu avô, grande amante da literatura mundial vivia me dizendo que os grandes clássicos nunca morreriam, estariam sempre vivos e presentes nas mentes joviais. Mas, em sua crença inocente, ele não contava com a revolução moderna: o trinômio livro-filme-continuações. Uma mina de ouro quase inesgotável. Atualmente, o número de jovens que leem Machado, Alighieri, Cervantes e Sófocles é ínfimo. Estudantes dos cursos de Letras. Talvez, porque resenhas e resumos proliferam na internet feito culturas de bactérias enlouquecidas.
Como se cria uma literatura caça níquel? A receita é simples. Adereços e temperos ficam a cargo dos regionalismos. Aposto que um grande número de praticantes da Wicca desdenhem de alguns aspectos de Hogwarts.
Para se criar uma boa literatura caça níquel basta voltar uns mil anos na história (da Europa, lógico) e criar um mundo fantástico cheio de magia e mistérios. O período medieval no entanto caracteriza-se pela superstição e pelo medo do desconhecido. Loucos e histéricas eram endemoninhadas; adoradoras da natureza eram bruxas que se alimentavam de crianças não batizadas. Mas, esse mundo maravilhoso onde a mitologia vira escrava de uma mente designer é atemporal, incorporal. Além do que o medievalismo presente neste tipo de literatura é somente o pano de fundo, porque os conflitos existenciais são mais do que modernos. Adolescentes e crianças não tinham vez nenhuma no período medieval. Aqui, na LCN eles são heróis.
Falando em herói, acabou-se a ditadura do indivíduo. Não é mais o Wasp gostosão, mas um tipo o mais globalizado o possível, tipo um caucasiano com porte afro que viva sob alguma filosofia oriental. Aí é batata. Vira sucesso mundial.
As mulheres são heroínas. Na idade Média nem alma elas tinham. Hoje possuem QI elevadíssimo e tiram os outros heróis das piores enrascadas. São mais espertas e cruéis que os vilões. Ah! Os vilões. Saudosos Boris Karloff e Christopher Lee, que aterrorizavam só com o olhar. O mal era o medo da morte, ou pior, o medo de ter a alma roubada. Hoje é fashion ter a vida eterna sem sangue, é lógico.
Um quesito importantíssimo para a literatura caça níquel é a progressão etária. Os protagonistas das histórias têm de amadurecer junto com o público-alvo. Claro que isso não deve influenciar de modo algum a centralidade das histórias que tem uma semelhança com games: acabar com o Senhor das Trevas no final e passar níveis. Vencer o chefão, destruir o mal. E nós, “trouxas” comuns, assistimos extasiados as façanhas dos escolhidos.
Escolhidos. Desde Star Wars esse messianismo domina este tipo de literatura, Eles têm a Revelação. Melhor. Eles SÃO a Revelação. Mas isto sempre existiu. O que tem de novo nesse negócio todo é que o escolhido é igual ao seu inimigo. Seu oposto é apenas um outro ego, voltado para o mal. A força é a mesma. Seu diferencial é somente uma questão de maior ou menor luminosidade.
Por fim, o romance. Não há LCN sem o amor. Não o amor piegas, de dominação e mostras de força, mas o amor conflitado, que amadurece com o tempo, sem contudo perder a fantasia teen.
Entre guerreiros intergalácticos e bruxos bretões não há disparidades. Todos sofrem dos mesmos males do espírito homo sapiens. A LCN só o deixará de sê-lo quando bruxos conseguirem realizar a magia do salário durar até o fim do mês e os guerreiros do lado luminoso da força impedir pais estressados de descontarem suas frustrações nos filhos. E que a FORÇA das blockbusters e best sellers esteja com você.