4 de mai. de 2012

Gandula Expiatório

Substituição. Sai o bode, fedorento, repugnante. Entra a musa, olhar doce, cabelo rabo de cavalo, professora de educação física. Segundo tempo, um time perdendo e outro, obviamente, ganhando. Dirigentes que propuseram ideias mirabolantes agora veem-se acuados pelo fracasso; técnicos descartáveis, como figurinhas repetidas dos antigos álbuns tentando desesperadamente achar uma explicação externa para a derrota de seu time. E as luzes da ribalta voltam-se para quem era um elemento quase esquecido: o gandula. Particularmente em dois momentos em jogos de decisão.
Galtieri & Cristina. Uma Argentina em crise. Culpa disto, razão por aquilo, mas o povo argentino vai sim às ruas incomodar em frente à Casa Rosada. Então torna-se mister criar um mecanismo de diversão, dissimular, procurar bodes expiatórios os quais atenuam a revolta popular. Galtieri jogou-se aos leões bretões. Cristina, peita o touro espanhol. Não me assustaria se fossem parentes. Dissimular e trocar o foco do problema é uma estratégia usada desde que o homo sapiens descobriu que a mini-saia era mais IN do que a folha de parreira.
Ética. Adorno, Husserl e outros que tanto discutiram o valor da moral, dos costumes. Alguns, como o Fritz desconstruindo, outros reconstruindo. A ética é a parte da filosofia que hoje mais se debate, pois será sempre a pedra no sapato da liberdade individual. A ética é a visão do bem estar social visando o outro. Mas num mundo de eternas desconfianças nunca saberemos se o outro proporcionará bem estar social aos outros outros. No entanto, ela é reivindicada por tantos. Também para os gandulas. Afinal, eles também são filhos de Deus.
Proponho aqui então um curso relâmpago, prático e filosófico ao mesmo tempo, de ÉTICA GANDULAR. Transcender ao mero e enfadonho "repor a bola".  São dez os quesitos éticos para um gandula consciente. Postarei os primeiros cinco quesitos como ilustração.
1. Imparcialidade - resista à tentação de torcer para algum time. Faça melhor. Torça para uma equipe de Badminton e diga que gandula é sua aspiração, profissão. Mostre ao mundo que Auguste Comte e outros positivistas estavam certos este tempo todo. Mostre imparcialidade. Você nem gosta de futebol! Você gosta mesmo é de correr atrás da bola!
2. Precisão - mantenha exatamente o mesmo tempo de reposição da bola para ambos os times, não importando a situação em que isto ocorra. Cronometre a reposição da bola em milissegundos. Não sorria para nenhum jogador, ou sequer esboce uma sílaba para qualquer um deles. Seja cartesiano e impassível. Nada de relativismos ou nihilismos.  Não reaja. Apenas recoloque a bola em jogo em tempos iguais para o outro time, ainda que precise voar para pegar a bola que foi pra torcida.
3. Previsão - Estude antecipadamente esquemas de jogo fracassados por técnicos performáticos mas que vivem fazendo lambança. Estes, por sua vez, treinarão jogadores para fazer mais lambança ainda. Aí fica fácil de prever quando e para onde a bola vai, quando este ou aquele pé de pau estiver em posse da bola. Melhor prevenir do que sair nua na Playboy depois.
4. Sagacidade - a melhor habilidade do gandula. Imitar os pegadores de bola do tênis é uma boa pedida. Ficam lá, com cara de paisagem mas com a expressão de estarem salvando o mundo de terríveis extraterrestres. Sagaz é o indivíduo que leva sua missão às últimas consequencias, não importando se o cartola do time mandante o pressiona para favorecimentos do seu time incompetente.
5. Globalicidade - a maior e mais nobre das habilidades do gandula. Ao seguir as quatro instruções anteriores, o bom gandula, se não for massacrado pela torcida, se não virar dançarina do Faustão ou se não ganhar uma participação na novela da Record, pode galgar o céu dos gandulas: atuar no jogo da seleção brasileira, na final contra Gondwana. O jogo está zero a zero e o tempo de jogo é de quarenta e um minutos do segundo tempo. Um gol e o Brasil será Hexa. Mas você, gandula, é ético. Imparcial. Vê igualmente os dois times, mesmo não sabendo onde fica Gondwana. Repõe a bola em jogo ao mesmo tempo que repôs bolas em jogo durante toda sua carreira de gandula, com a mesma precisão. Naquele momento, em que você repôs a bola eticamente para o jogador Gondwanense cobrar a lateral, ele lança um atacante que pega a impenetrável defesa brasileira de surpresa e faz o gol. Você foi ético, foi preciso, foi imparcial. Mas sua nação perdeu a Copa, e em casa ainda. Seu trabalho justo e competente foi mal interpretado no vídeo tape do jogo como reposição muito rápida da bola. Afinal a câmera não registrou suas reposições anteriores, nem havia ninguém para cronometrar sua performance. Azar. Comoção nacional. Mas você, gandula, é um cidadão do mundo. Você é ético e não se envolve só porque é brasileiro. Porém, neste caso, morar em Gondwana não seria uma má ideia depois disto. Lá você será recebido como herói, aqui, nem tanto.
Sejamos honestos. Quanto mais coordenadores e supervisores um profissional tem, mais a culpa recai sobre os que carregam o piano.

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