6 de fev. de 2010

NETOS ESPERTOS, AVÔS APRENDIZES

Vô, por que o senhor passou o sinal vermelho? Perguntou o neto de oito anos ao ancião septuagenário. O sinal estava amarelo, retrucou o bom velhinho. Vô, o fiscal de trânsito que foi à escola na semana passada disse-nos que um carro só poderia atravessar o sinal amarelo se já estivesse na faixa de retenção. Faixa de retenção? O que é isso, menino? Uma faixa branca no meio da pista, paralela ao cordão da calçada, perto do semáforo. O avô calou-se, resignado. Quando ele tinha oito anos, nem sabia o que significava paralelo, que dirá retenção. Mas não deixou por menos, tentou dar a volta por cima contando-lhe a história de como aprendera a dirigir.
Sabia André, que seu bisavô foi um grande motorista de caminhão? Ele foi o primeiro a dirigir um Fenemê, no Brasil inteiro. O menino não deu importância, pois não sabia o que era um fenemê. Desde pequeninho, continuou o avô, eu me sentava no colo dele pegava a direção e... Vô, é proibido criança viajar no banco da frente, por isso estou aqui atrás. Novamente a resignação. André, naquela época auto-escola era pra gente rica, eu aprendi a dirigir com meu pai, seu bisavô. Com dezesseis anos eu já saía à noite, e... Vô, só se pode dirigir a partir dos dezoito anos e ainda com carteira de motorista. O avô não ganhava uma. Quem te ensinou isso, guri? A escola, ora. É lá que a gente aprende cidadania. Mais um termo desconhecido. Também não aprendera leis de trânsito na escola.
A gurizada de hoje é muito diferente da nossa, meu filho. Vocês só sabem ficar naquela coisa, o computador. Nós é que nos divertíamos de verdade. Eu, por exemplo, era fera no bodoque (bodoque?). Não havia um passarinho que se salvasse e... Vô! Caça deliberada, sem licença é crime e o senhor não precisa caçar pra comer. Tem carne pra vender no supermercado. A nossa professora, quando dá aulas de ciência, vive nos dizendo para preservar o meio ambiente e que várias espécies estão ameaçadas de extinção. Estava difícil aquele diálogo. O menino rebatia todas. Mas o avô, nascido no ano da segunda guerra mundial não era de desistir com facilidade. Sabe André, eu não tinha a metade das coisas que vocês têm hoje. Videogames. Eu tinha um carrinho de bombeiro feito de lata de azeite (azeites vinham em lata?). E adorava jogar bola no meio da rua até o anoitecer... Vô! Jogar bola no meio da rua é perigoso, além de proibido. Moramos no centro da cidade, podemos ser assaltados ou até raptados, e bola nós jogamos na Educação Física, na Escola. O avô, quando tinha aulas de Educação Física, só fazia exercícios. Seu professor era tenente do exército, reformado. A única coisa que salvava suas aulas era que as meninas usavam shorts. Era o máximo.
Guri, tu achas que aprende algo na Escola? Hoje em dia não se aprende nada. Eu decorei o Hino Nacional todo, e vocês não sabem nem a metade... Vô, de que adianta decorar o “gigante pela própria natureza” se vivemos “deitado em berço esplêndido”? Decorar hinos não muda nada. Até pode, meu neto, mas quero ver se tu sabes alguma data cívica de cor, pois eu sei todas. Repetíamos várias vezes para fixarmos o que aprendemos... Vô, a professora disse que decorar sem refletir não serve pra nada. E outra, data cívica no Brasil só é importante quando é sinônimo de feriado. Mas então, André, o que vocês aprendem na aula de história? Ah, vô, o que realmente precisamos saber: que perdemos a Guerra dos Farrapos, que o Império Brasileiro era escravista, que Vargas era um ditador... Opa! Vargas não era ditador coisa nenhuma! Sem ele não existiria o Fundo de Garantia e Carteira de Trabalho. Eu era piá, mas me lembro muito bem do que o meu pai me falava. Vô, a professora disse que Vargas era um populista. E era mesmo, isso o velho também ouvia desde guri. O negócio era apelar pra matemática. E a tabuada? Vocês hoje não decoram nem a tabuada. Ah, vô, mas isso é coisa ultrapassada. A professora nos ensinou multiplicação com tampinhas de garrafa pet e aprendemos também no ábaco. Tabaco? Não vô, áaabaco, a primeira calculadora que existiu... Notou, apesar de todos os esforços, que não seria na educação que o avô ganharia do netinho.
Certo tempo de silêncio se passou até que o avô irrompeu num grito que assustou o menino. Ler! A juventude de hoje não lê mais. Na tua idade eu já tinha lido Moby Dick... Eu vi o filme, vô. Chato, por sinal. André, eu li a Odisséia aos dez anos... Também vi o filme, vô, e a professora nos contou a história na sala de aula. Ler a gente lê, mas é melhor pegar o resumo na internet...
Aquela geração estava perdida, tudo era plástico, incipiente, nada vinha pra ficar. Não se memorizava nada, não se lia nada importante, não se decorava a tabuada. Um caos. A moral estava degenerada graças ao ensino moderno. Aquele devaneio todo foi cortado pelo grito do neto: Vô, o senhor passou o sinal vermelho de novo! É, aquela geração estava perdida mesmo...

Um comentário:

  1. Gostei muito !!!.............menino tuas crônicas são envolventes. .........Aurora...

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