6 de fev. de 2010

Meus eus. Só meus.

Decidido. Não sou mais eu. Nunca fui em última instância. Desde o final da minha adolescência. A sociedade me impele a descobrir quem sou. O “conhece-te a ti mesmo” não é mais uma orientação: tornou-se uma imposição. Uma frase colocada na entrada do Oráculo de Delfos. Um paradoxo. As pessoas iam lá consultar os deuses sobre o futuro, não para saberem quem eram. Talvez nem se importassem com isso e a frase ficasse no vazio.
Em detrimento a milhões gastos numa poltrona para se achar o self, resolvi acabar de vez com a opressão do eu. Demiti meu ego. O tri partidarismo dialético ego, id e superego desintegrou-se no mesmo instante em que mandei meu eu embora. E lá fora, ele abraçadão no meu alter ego para uma noite regada a vinho tinto, rock and roll e mulheres fáceis, plenas de seus próprios eus, a procura deles nos outros.
É, já sei. Meu eu se foi, e alguém perguntará o que (ou quem) vai ficar no lugar, já que o senso comum só pensa em identidade. É proibido a alma ficar vazia. Ninguém permitirá que um ser humano fique sem um eu, já que neuroticamente todos buscam pelos seus (mal sabem que todos estão lá, junto com meu eu demitido, tomando todas). Ficar sem identidade é um sacrilégio que a inquisição mente-global condena ao ostracismo e à solitária. Uma vaca é só uma vaca, não possui identidade. Se possuísse, provavelmente seríamos todos vegetarianos. Resolvi adotar o pós modernismo e aderir aos “eus larvais”
Eus larvais. Explicam tudo. Justificam tudo. Não sou eu, mas somos eus, dentro de um organismo. É como se meu rim se rebelasse contra meu cérebro e começasse a dar pitaco em seu próprio funcionamento. Fim do singular. Meu eu profissional interage diretamente com meu estressado no trânsito caótico da capital gaúcha, e por aí vai.
Exemplo de como os eus larvais são benéficos. A esposa pergunta:— foi você quem fez aquilo? O marido, tranquilamente, responde: esse eu, que esta aqui agora, não. Perguntarei aos outros eus. O eu que discute a relação foi tomar uma cerveja gelada e não me disse quando volta. Nem se volta.
Resolvido o grande problema do mundo atual. Achar-se no meio a bilhões. Como naquele livro em que temos que encontrar a personagem principal, então é melhor nem começar a procurar. Quando criança, meus eus inocentes não tinham malícia, não haviam comido o fruto do conhecimento do bem e do mal, então eram tranqüilos entre si. Hoje, meus eus maliciosos, temem que meus eus pueris queiram vir à tona e comandar o festerê.
Meus eus larvais, habitantes do meu corpo, evoluem constantemente. Meu eu pré-histórico precisa constantemente ser disciplinado pelo eu intelectual para que não acabe sendo preso numa fila de supermercado. Realmente, não é fácil, embora seja prático. Meus eus não têm um sistema hierárquico, a política é totalmente anarquista, não há líderes e sim uma democracia direta, a única que realmente existe na prática.
Quando você nos encontrar na rua, por favor, não pergunte: — como vai? E, sim: — como vão? Até para uma melhor explanação, pergunte qual dos meus eus está mais ativo no momento. Você poderá ter uma surpresa.

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