11 de fev. de 2010

Doente do Pé

Não é isso. Eu gosto de samba. É um gênero musical envolvente, em qualquer dos seus estilos (até a bossa nova). O samba é a assinatura definitiva do brasileiro, em detrimento do futebol, que não é mais. Quando fui, com dezoito anos, estudar na Alemanha, eu sabia tudo de tocar James Taylor, mas os alemães queriam ouvir o que, de um brasileiro? Samba! Spielen Sie die Samba, bitte! Samba é vida, sensualidade, tristeza, melancolia, consolo, afeto.
O samba das escolas de samba é um verdadeiro heavy metal desse gênero musical. Vibração pura. Meu aparelho digestório todo vibra na mesma freqüência. Não há como ficar parado.
O problema não é a música. O que seria então?
Quando criança, e como toda da minha época, fui levado a um baile de carnaval infantil (existia isso) fantasiado de índio. Fantasia das mais fáceis. Bem, ao chegar lá, a maioria dos meninos estava fantasiado de cowboy. Foi um massacre. Um verdadeiro Little Big Horn invertido. Por causa disso sei exatamente o que Custer sentiu.
Cresci. Na adolescência passei minha primeira noite acordado fazendo festa num baile de carnaval. Fui até beijado por uma prima bêbada dez anos mais velha do que eu. Sabíamos todas as marchas (e não sambas) de cor. Ao mesmo tempo em que pulávamos (e não dançávamos), cantávamos a plenos pulmões “quanto riso, ó, quanta alegria” ... Na hora da cabeleira do Zezé, meu primeiro nome era um bom trocadilho para a ocasião.
Quando adulto fui a dois bailes de carnaval somente. Um para não pular a noite inteira (eu fazia parte da banda) e outro para levar minha filha, pequena na época. Até Padre Marcelo teve no Baile. Fantasiamos minha filha de Branca de Neve enquanto as outras meninas da idade dela estavam só de shortinho. Acho que foi reminiscência do meu passado de índio.
Desfile das escolas de samba e carnaval de rua. Meu primeiro foi em Pelotas e curiosamente era um desfile em que todos os homens desfilavam fantasiados de mulher. Acho que não está ligado à fama da cidade. Não eram gays eu acho, senão o crescimento vegetativo daquela cidade valorosa estaria comprometido. Penso que estivessem apenas fazendo política de boa vizinhança. Assistindo ao evento, em dado momento levei um banho de farinho no rosto. Sábias palavras me vieram à mente naquele momento: “se te baterem na esquerda, mostra-lhes também a direita”. Mostrei minha direita bem no meio da cara do folião. O resto, vocês imaginam como foi. Segunda vez foi no Rio de Janeiro. Vermelho, queimado de praia, um pimentão, abordado em plena Sapucaí por um vendedor de cerveja que me diz: “Cool beer...ten dollars”. Aquilo foi que como uma iluminação para mim. Percebi que não pertencia àquele lugar. Nunca mais fui.
Nada disso me fez não ter interesse pelo carnaval. Possivelmente, tenha sido meu estudo de Antropologia, com aquela história de rituais de acasalamento na sociedade humana, coisa do Lévi-Strauss. E o que tem de sagitariano nesse Brasil, não é bolinho. Quase ninguém vai para o carnaval querendo procriar, mas acasalar... Bem...
O carnaval não é o ópio do povo. Quando muito, é a fluoxetina do povo, para estados depressivos leves. Por isso, talvez, a quarta-feira de cinzas. Onde Momo devolve as chaves da cidade ao prefeito e a fantasia da realidade substitui a de pirata, ou colombina. Carnaval é bom. Sem ele a mídia teria que esperar até a Páscoa para ganhar mais com comerciais.
Não é a festa. Meu problema é que não sei dançar. Tentei várias vezes, sem sucesso, aprender a dançar samba. Sei tango, mas não tocam tango em carnavais. Ao menos aqui, não.
Certa feita, nos anos noventa, o Príncipe Charles, o orelhudo, esteve no Brasil na época do carnaval e, sob as câmeras e holofotes de repórteres, ensaiou alguns passos com uma porta-estandarte. Horrível, mas me identifiquei com aquilo. Sou igual a ele. Uni isso ao episódio da cerveja e concluí que não sou brasileiro de coração. Sou um simulacro disso. A dança foi o vetor que me desterritorializou da festa da carne.
O que faço no carnaval? Santa internet. Santos canais de tevê que se lembram que existe quem não participe dessa festa. Cinemas vazios. Porto Alegre vazia. E amo a quarta-feira de cinzas. Todos tristes, eu... na mesma.
“Quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça, ou doente do pé”. Que injustiça. Amo o samba. Sou doente do pé.

2 comentários:

  1. Tô gostando de voce!!!! Eita gaucho, carnaval em Pelotas? Vixiiiiii

    noeli - POA

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  2. A verdade é que eu também não gosto de Carnaval, e não vejo nada de errado nisso.
    Abraço

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