1 de abr. de 2010

Ursinha da Páscoa

Naquele ano, só se falava nisso, no país dos bichos. — Como? É tempo de renovação, de troca. Chega de governo dos machos. Uma fêmea no poder trará vida nova ao evento. E o mundo não é mais dos machos — bradava, emocionada a águia mãe. A Páscoa, grande evento no mundo animal, estava se aproximando e um grupo descontente com coelhos e ovos, clamava por mudanças. Estranha essa história. Coelhos são mamíferos, não botam ovos. Aventava-se maracutaia na coisa toda.
Maracutaia nada — defendia-se o coelho — há tempos, nós coelhos, branquinhos, fofinhos, levamos alegria ao país dos bichos, entregando ovos de chocolate. O castor interrompe: — Como assim, chocolate? Então não eram ovos de aves, naturais? Por acaso a ONG de proteção aos animais que se alimentam do cacau sabe disso? Ou alguém molhou a mão das garças fiscais? Bem mais tarde ficou-se sabendo que sim, mas o coelho jurou não saber de nada, era esse o seu bordão. — Nunca, na história do país dos bichos, se distribuiu tantos ovos quanto agora — abriu-se então, uma CPI para apurar o caso dos ovos serem de chocolate, mas os elefantes da justiça, lentos e arredios, demoravam-se a redigir o texto final do processo. A população, já acostumada, sabia que tudo acabaria em pizza, servida na taberna da raposa.
Assim era a situação do país dos bichos, uma enorme nação, que se estendia da floresta à savana. O castor, em solene comício, lançou-se a candidatura para substituir o coelho da páscoa. O coelho já via-se impossibilitado de uma reeleição, então resolveu apoiar a ursa, conhecida por sua juventude rebelde e revolucionária em prol da distribuição dos ovos de chocolate para todos e não somente para os filhotes dos predadores. O castor e seu séqüito de doninhas, ariranhas e arminhos viam a ursa como terrorista, com cara de mau e uma predadora igual aos predadores que ela tanto combatera quando jovem. Disputa difícil.
— Mas, a gente é obrigado a votar? — Sim, está contido na constituição que todos os bichos maiores de 16 até os 60 anos, são obrigados a votar. É um dever. Aliás, é um direito antes de um dever. As cotovias e os pica-paus argumentavam que isso não era democrático, a obrigatoriedade do voto, mas o povo em geral não discutia essa questão, tudo estava centrado em quem substituiria o coelho, e o principal, O QUE seria distribuído.
Desde que o leão abdicara de ser o rei e entregou o país dos bichos a uma república, o povo perdeu o referencial do poder. Os primatas, cultos, separados do resto da bicharada pela acadêmica posição de habitar no alto das árvores, alegavam que o verdadeiro poder era exercido pelas corujas, que detinham em suas mãos a comunicação e a mídia. Diziam, resignados, que nada poderiam fazer contra o poder da comunicação.
Houve até quem se candidatasse além da ursa e do castor. Animais sem grande representatividade, era o que se ouvia nas alamedas. A serpente advogada, por exemplo. Já carregava nas costas um histórico negativo de astúcia e traição. Mas era da nobre profissão dos advogados, missão reservada a quem fosse cobra. Também tinha a vaca, professora, psicopedagoga, forte, resoluta, de uma classe que todos dependiam, mas que carregava uma fama ruim, de simplesmente ser vaca. E, além do mais, a alcunha “Vaca da Páscoa” não cairia bem.
Tradições. Muitos viviam sob o jugo das tradições. — Pra quê mudar? Por quê, mudar? — Páscoa era páscoa, todos sabiam disso. Era coelho, primavera, renovação, ovos, e era isso. Não. Fazia-se necessário acompanhar os ventos da mudança. A ursa não distribuiria ovos de chocolate, não iria se ligar a falcatruas do passado. Ela seria pioneira, e inauguraria os famosos “Favos de Páscoa” e o mel seria a nova tradição da festa anual. O castor promoveria uma ideia nova, mirabolante, mas que ninguém sabia o que era. E os outros candidatos? O que estariam preparando?
Todos iriam votar. Todos TINHAM que votar. Escreveriam a história, à força, não por livre vontade. Até que um primata, ao pesquisar as fontes históricas descobrira que páscoa não estava ligada a ovos e coelhos. E o mais importante: o país dos bichos ficava no hemisfério sul, portanto a páscoa não era na primavera, mas na entrada do outono. Então, a renovação era uma falácia.

Feliz Páscoa. Ho...ho....ho... ops.

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