6 de abr. de 2010

Cultos, chiques, mas sim...ples.

Norbert Elias, em seu livro O PROCESSO CIVILIZADOR, Volume I, aponta para os costumes e hábitos da Alemanha do século dezenove. Gostaria de enfatizar a rigidez com que se produzia um Kulturrel (pessoa com alto nível cultural), todos os maneirismos, postura, linguajar, etiqueta, respeito às autoridades, aos mais velhos, aos pais, hierarquia e a tão famosa disciplina. Tudo era fleugmatismo. Não é de se admirar que o Dr. Freud, vienense, se preocupasse tanto com a histeria. Dado o plano de imanência da época, a constante vigília sobre os “bons costumes” era uma coisa causticante.
O que entendemos por boa educação é herança desse rizoma de normas disciplinadoras e punitivas da sociedade burguesa. Havia a necessidade de se diferenciar com certa consistência as classes sociais e não bastava que isso fosse demonstrado nas posses dos mais favorecidos: também o comportamento gentleman era uma diferença, uma força dominante na sociedade. Comer com a boca fechada (nos dois sentidos), não falar até que lhe seja dirigida a palavra; olhar nos olhos da pessoa com quem estamos falando, andar ereto, cabeça erguida, estar sempre bem vestido. Quando uma mulher levanta da cadeira, o cavalheiro levanta também. Curvava-se quando a mesma saía do recinto. Essa cena foi maravilhosamente demonstrada no filme KATE & LEOPOLD, e causa um pequeno e previsível espanto. Regras e mais regras que a sociedade moderna não mais pratica em sua plenitude, mas não esqueceu como norma de boa educação e bons modos. O velho senso comum dominando as mentes. Em resumo, quanto mais disciplinado, à custa de muita punição, mais educado. Hoje, vejo-me criando minhas filhas em modelos não muito distantes.
Os anos sessenta e setenta pregaram todo e qualquer tipo de libertação desses e outros costumes punitivos. Paz e amor (livre) era a frase da moda. Bem, esses jovens cresceram e tornaram-se pais. Alguns, donos de empresa de sucesso, outros, chefes de setor e outros, apenas outros. Como pais, ainda que inconscientemente, criaram seus filhos de maneira semelhante ao que foram criados. Foram disciplinadores, punitivos, mas com “flowers in their heads” ainda curtiam Janis Joplin, Beatles, Stones, Bob Dylan e Joan Baez.
A juventude dos noventa, filhos da juventude dos setenta, pregaram um outro tipo de libertação: a de que o jovem deveria ter sua voz na sociedade. Cidadania. Jovem vota, jovem derruba presidente, canta Nirvana, anda de grunge e participa de uma caminhada pela paz no Oriente Médio. Vai à balada, mas passa no shopping antes para conferir se não está fora de moda. Esses então serão os pais do século vinte e um. Aquele que ensina o filho a criticar, mas quando este aprende, não admite ser criticado. E o jovem de hoje passa no vestibular, mas também passa com o semáforo fechado sem culpa alguma.
No entanto, mesmo com todas essas disparidades, vemos um jovem despojado de diferenciais classistas. Arrumam-se, produzem-se, curtem as baladas, têm suas tribos como é próprio do ser jovem, e mantém laços dentro e fora do seu âmbito socioeconômico. Não dividem as festas por classes, dançam conforme seus gostos, que em geral, são variados. Vão a jantares chiques com seus pais, mas não se sentem desconfortáveis comendo um cachorro quente de carrocinha, nem um bauru ou salgado da Confeitaria do seu Zé da esquina. Todos muito chiques, com seus carrões estacionados na frente. E nem se deve ao fato que os restaurantes chiques não abrem no despontar do dia, e sim, pela própria curtição do momento.
Rio da minha juventude, em alguns aspectos, classista e racista. Era um sacrilégio ver uma loira abraçada a um afro-descendente. Metaleiro não ia à roda de samba (eu ia escondido). Velho não participava de festa de jovem. Tenho orgulho de ver minhas filhas livres desses condicionamentos.
Aqui em Porto Alegre, chamamos carinhosamente as carrocinhas de cachorro quente de “morte lenta”. O meu preferido é o da República com a Lima e Silva. É lá que eu vi esses jovens despojados que citei, e foi lá que eu senti a revolução do mundo pós moderno: junto ao convidativo cheiro do molho milenar do cachorro, um aroma de Chanel nº.5, um Givenchy, ou mais ousadamente, um Agnes B importado.
Novos paradigmas, novas concepções, novos comportamentos. E dê-lhe morte lenta nas manhãs de domingo, cultos, chiques e simples. Vamos ver o que o Norbert Elias do futuro escreverá sobre isto.

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