12 de abr. de 2010

Prisões

Fausto Silva. Desde os tempos do Perdidos na Noite, grande programa de auditório, não o sigo. Bem, não assisto o domingão, mas nesse domingo, esperando o Fantástico a fim de garimpar uma crônica, deparei-me com aquele Fausto dos bons tempos: sensível, humano, e sutilmente, irônico.
Antes de iniciar o Fantástico, Fausto deu uma declaração que me fez refletir muito sobre a condição humana do século XXI. Fez um comentário choroso, agradecendo aos colegas de trabalho que estavam ali trabalhando com ele. Ele que tinha enterrado o pai, no dia anterior.
Estamos então, tão comprometidos com nossos afazeres e com nossa posição social por causa do trabalho? Não importando se foi o Fausto que quis trabalhar ou se foi a Globo que o “aconselhou” a não faltar o domingo à tarde, tão combalido por programas sem criatividade. Não é esse o centro, quem tomou a iniciativa do “show must go on”. Mas a questão que por detrás de uma imagem pública, do apresentador, tem um ser humano com um pai, que segundo ele, era um amigão.
Muito remotamente, lembro-me de uma vez que o Sílvio Santos não pôde apresentar o programa de domingo. Foi nos anos setenta. Uma vez apenas. Foi então que conheci o pedaço de carne por trás da voz: o Lombardi. Lembro-me que foi ele quem apresentou o programa.
Alguns filmes de hollywood apresentam essa problematização do mundo pós moderno: da escravidão que o trabalho proporciona no século XXI. Pais que são desafiados pelos filhos a passarem mais tempo com eles. Carência afetiva, o primeiro passo para a violência. Curiosamente, lembro-me do meu professor de história da faculdade dizer que havia lido um livro de ficção dos anos sessenta, afirmando que, nos anos oitenta, as máquinas fariam todo o trabalho do ser humano, e que este trabalharia apenas duas horas por dia. Pois bem, o que se vê é totalmente o contrário. Não há mais sábado nem domingo para alguns setores da produção. Na China não existe semana inglesa. Trabalha-se até no domingo, e nesse dia se sai mais cedo. Empresários saem com amigos para um jantar e acabam falando de trabalho. Transformam diversão em reunião. Fazem reuniões-almoço com o intuito de não perder tempo. Filhos atirados ao vídeo game enquanto pais atiram-se aos seus projetos, porque? Ou a carreira tornou-se a coisa mais importante do mundo, ou tem-se muito medo de perder o emprego, ou o cliente. Não creio que este seja o problema do Fausto.
Trabalho. Rendo-me aos grilhões da produção moderna, que exige do ser humano cada vez mais iniciativas e criatividade. De competitivos passamos a neuróticos. De neuróticos a bipolares. E de bipolares a contraproducentes. Porque buscamos a compensação para todo o nosso esforço. E essa compensação é mais esforço ainda. Não é à toa que o tempo tem passado mais depressa até para os jovens. Nem os pais podemos mais enterrar.
Faço minha as palavras sentidas de Fausto Silva. Admiro-o não só como profissional, mas também como pessoa. E fico consternado com seu sofrimento. Na idade média, algumas mulheres vestiam o preto do luto pela vida toda. Luto durava dias, em memória do ente querido que se fora. Hoje, vale a máxima “deixe os mortos enterrarem seus mortos”.
A prisão pode ter barras imaginárias, tal como o canarinho que mesmo com a portinhola aberta, não sai da gaiola. Podemos achar que é liberdade uma coisa que é, na realidade última, uma prisão. Baseado nisso, quando minha filha mais nova me conclama a um jogo de vôlei, não penso duas vezes em gritar pra ela: VAMOS PARA A PRAÇA!

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