22 de abr. de 2010

Uma Cidade Longe Demais

A operação Market Garden da Segunda Guerra Mundial, idealizada por Eisenhower foi um fracasso aliado, no cômputo geral. Perderam-se muitas vidas e não se ganhou nada, praticamente. O filme Uma Ponte Longe Demais, com grandes nomes do cinema da época, ilustrou esse fato histórico muito bem. A ponte do rio Arnhem, na Holanda, que daria livre acesso à Berlim e provocaria o fim da guerra. Ledo engano.
O Brasil de nossos avós e bisavós conheceu uma época conturbada de revoltas populares e militares. Aquela famosa e romântica foto da Revolta dos dezoito do Forte de Copacabana ilustra a facilidade com que se chegava ao Governo Central, na época, o Palácio do Catete. Era possível organizar uma revolta contra o poder no Brasil indo a pé, e se possível, adicionando correligionários ao movimento. Fantástico. Quantos governos atuais poderiam ter caído se o Palácio do Catete continuasse sendo a sede do governo brasileiro. O Brasil caminhou para uma descentralização do poder nos anos 50, mas claro, uma força contrária e muito conveniente, tratou de centralizar o poder geograficamente, criando o que eu chamaria de uma Cidade Longe Demais.
Não sou adepto da teoria de Ratzel, do determinismo geográfico, mas construir Brasília naquela região próxima ao lago Paranoá, foi de uma genialidade admirável. Longe de tudo e de todos. Muito convém isso num país continental como o nosso. Difícil acesso, fácil manipulação. E sem um povinho pra ficar enchendo o saco quando o aumento dos aposentados não é nem de longe satisfatório.
Uma cidade planejada. Patrimônio histórico da UNESCO. Orgulho brasileiro. O sonho premonitório de Dom Bosco. Não há turista que não se maravilhe com a beleza artística que a cidade propõe. Existe uma harmonia com o cenário natural, produto de uma mente brilhante como o Niemayer. Uma nova capital para um novo Brasil, que continua com essa frase de marketing eterna: um novo Brasil. Um barbudo há 2000 anos atrás chamaria isto de túmulo caiado. Expressão interessante.
Imagino o centro do poder nacional aqui, ao lado da capital gaúcha. O laçador, obviamente, pairaria orgulhoso à frente da Praça dos 3 Poderes, destacando-se sobre os candangos. O chimarrão seria bebida obrigatória no Senado. Nas campanhas presidenciais, Brasília se encheria de xotes, vaneiras, vaneirões e o que quer que seja a tchê music. Descontente com alguma votação da Câmara ou do Senado, eu pegaria um ônibus turístico e iria com cartazes e alguns compatriotas reclamar do aumento vergonhoso do salário mínimo. Veria senadores almoçando nos restaurantes chiques de nossa capital. Passaria por eles e gritaria: Libertas Quae Sera Tamen! Sabendo que não me dariam a mínima. Uma realidade próxima a mim, palpável. Lá está o poder político. Lá está a amante grávida deste, daquele...
Conviver com o poder, dá ares de poder. Mas Porto Alegre não é estrategicamente viável, então, o poder encontra-se afastado, inacessível. Ônibus é muito caro e demorado. Tenho que trabalhar, não posso me dar ao luxo de lutar contra as injustiças políticas faltando o emprego por uma semana ou mais. O povo vota, mas não pode gritar seu descontentamento. E o povo que mora perto do poder, precisa do poder para vender seu peixe. Rabos de peixe presos.
Brasília, a grande capital da Terra Brasilis. Comemora os 50 anos de sua inauguração. Dívida externa triplicada, uso do dinheiro da Previdência, um presidente bossa-nova, mas uma maravilha arquitetônica difícil de ser igualada. Brasília é a tevê de LCD 80 polegadas numa casa onde a renda familiar é de setecentos reais por mês com direito a "gato" na instalação elétrica. Construída para reinar solene. Não consigo alcançá-la, é uma cidade longe demais. Nem os dezoito do forte conseguiriam. Feliz aniversário, Terra do Nunca (na história desse país...)

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