10 de abr. de 2010

Ficha Limpa

“À mulher de César não basta ser honesta; tem que parecer ser honesta”. Essa frase atribuída a Cícero e recontextualizada para o momento atual, é de uma subjetividade excitante. Sim, porque hoje se dá mais força à ação do parecer do que para o “não basta”. Aparências, imagens, atitudes em frente às câmeras, tudo documentado. E produz-se a honestidade.
Honesto e trabalhador. Era esse o bordão paterno de minha adolescência. Claro que na hora de fazer o imposto de renda, o importante era o trabalhador. Honesto, nesse caso, era entregue à orgia do subjetivo. Dobrar uma esquina sem dar sinal depende do momento. Mas todos somos honestos. Passar a roleta (ou catraca) do ônibus com filho acima de cinco anos como se tivesse cinco, também não é desonestidade. Afinal, somos todos trabalhadores... e honestos. Nem vou falar de furar a fila porque “alguém” ficou guardando lugar para os amigos. Seria ousadia demais.
Ficha limpa. Tiradentes e os insurgentes contra a matriz lusitana. Um alferes, que tinha, digamos assim, “ideias malucas” acerca de liberdade, igualdade e fraternidade. A ficha dele sujou. Imagino-me sendo um funcionário da realeza escrevendo o laudo de execução, meus olhos talhados de lágrimas por ter cumprido com minha função pátria de lavrar o auto do contraventor do Império Português. Fui honesto, fui trabalhador. Tiradentes não. Não tinha a ficha limpa.
DOPS. Departamento de Ordem Política e Social. Quase fui fichado uma vez, por sorte escapei. Participei de uma passeata pelas diretas em Porto Alegre, e sei lá porque as autoridades acharam que nossas inocentes e honestas musiquinhas entoadas com o coração da ideologia de esquerda, eram ofensivas demais à ordem pública, e, honestamente, os porcos (como eram chamados os policiais militares na época) desceram o cacete nos honestos manifestantes da tranqüila passeata. Vários presos. Todos com a ficha suja. Até o Rod Stewart foi fichado no DOPS. Hoje, não existe mais.
O que seria honesto? Uma pessoa sincera e que diz o que pensa, é comumente confundida com uma pessoa honesta. Pode ela estar dizendo o maior disparate, mas pelo tom de voz firme e empostado, ela está dizendo o que pensa, portanto, honesta. Seria honesto pagar uma tevê em 24 vezes, mesmo sabendo que, desonestamente, os juros praticados pela loja estão muito longe de serem os determinados pela Constituição? Honesto seria sim, controlar o impulso. Em resumo, a honestidade é um conglomerado de princípios e ideias acumulados ao longo dos séculos, que todos sabem que existe, mas ninguém sabe dizer exatamente o que é. Caímos novamente na orgia subjetiva.
Que político terá ficha limpa? E que ficha será considerada limpa, realmente? Aquela do representante do povo que for produzido biopoliticamente? Aquela do político que continua, por baixo dos panos, a distribuir cestas básicas em troca de votos da população carente? Nada mais que o voto de cabresto revisitado.
Minha solução é simples, e por ser simples, soará idiota, não PARECERÁ ser razoável, porque foge ao academismo. O político de ficha limpa será aquele que se eleger com seus próprios méritos, não se ligando a nenhuma corporação que prenda seu rabo depois da eleição. Será aquele que não aceitará jantares de pessoas influentes, nem dirá sim a ligações no meio da noite para impedir esta ou aquela votação na câmara de vereadores, deputados ou senadores. Será aquele que quando vereador, não ficará sonhando em ser presidente da república. Será aquele que anda de ônibus, pois o dióxido de carbono dos carros aumenta o efeito estufa. Será aquele que não correrá cedo para votar aumento de salário dos políticos, mas aquele que será preso e terá sua ficha suja por ter organizado uma passeata intranqüila em prol de um salário mínimo realmente justo, ou uma forma mais justa de relação trabalhista. O político de ficha limpa será aquele conhecido por sua notoriedade, e não por sua fama, simplesmente. O político de ficha limpa terá, antes de tudo, um sentimento limpo de cidadania e cumprimento do dever. Exatamente como está escrito na Constituição.
A política brasileira, aquela que sonha com o óbvio, o do político de ficha limpa, vive da impunidade, mas esquece que antes da impunidade, os políticos vivem na imunidade, ou seja, criaram estratégias para PARECER serem honestos aos olhos do povo. Se for preciso, dançarão o reboleixon para angariar votos e depois de eleitos sumirão das vistas do público.
Proponho a ficha limpa pública brasileira: a de se anotar num papelzinho e colar na geladeira, o nome de todos os políticos que no passado fizeram algo que desagradasse o eleitor, e na hora do voto, levá-lo junto consigo para não esquecer de não votar naquele nome. Quem sabe, lá no plano de eliminação dos “menos limpos” não sobrará ninguém e a urna também poderá ficar “limpa”?

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