8 de mar. de 2010

Jovens & Trotes

Dois meninos amarrados a um poste. Caras pintadas. Uma menina toma vários goles de uma bebida alcoólica, direto da garrafa. Tapas, cuspidas. Tudo isto mostrado numa reportagem que versa sobre o famoso e conhecido trote.
1982. Janeiro. Lembro como se fosse hoje. O listão de aprovados da Federal. Incrível, o trote foi ali mesmo. Rapazes e moças, não escapava ninguém. Saíam correndo, comemorando a aprovação e eram caçados por um grupo de sêniors do diretório acadêmico, com uma máquina manual de cortar cabelo, tosquiando, ao bom modelo gaúcho, cabelos inocentes. Carecas. A marca da aprovação. Ninguém reclamava, pois eram os novos privilegiados de uma universidade pública de alta conta, que elegia um grupo seleto de estudantes: os melhores. Tive sorte. Passei pelo local do delito por acaso, vi o que estava acontecendo, olhei meu nome na lista e fui comemorar em casa. Meu cabelo sempre foi ruim de crescimento.
Passei muito trote na juventude. Ligava para um número qualquer perguntando ao interlocutor se havia um fusca gelo na frente de sua casa. Como a resposta era quase sempre não, a réplica era “então vai ver, já derreteu”. Desligávamos o telefone na cara da infeliz vítima e ríamos sem parar. No país da única lei que ninguém contesta, a de Gérson, um trote era um “pleno exercício” do que seria o mais conveniente no mercado de trabalho. Óbvio que, como toda lei, não funciona sempre.
Trotes de faculdade não são um fenômeno atual, muito menos endêmico. Em várias partes do globo pratica-se tal atividade, alguns até com responsabilidade social. É praticado também há muito tempo, e visto com o olhar antropológico como um ritual de passagem, tipo — “muito bem, acabou a mamata... bem vindo ao mundo dos adultos” .
Com o passar dos anos, os trotes violentos e com o intuito de humilhar aumentaram consideravelmente. A violência é um dos efeitos de vários vetores da sociedade pós moderna. Também a humilhação, fruto de uma hierarquização, aparece constantemente no mercado de trabalho, de forma mascarada. Jovens em fase de conclusão, os seniores, impingem castigos dolorosos, em nome de uma pirâmide social baseada na antiguidade. Na reportagem da tevê, no caso, eram estudantes de medicina. Curioso. Os mesmos que cuidarão de vidas um dia, praticam a violência e a humilhação. Hipócrates de Cós com certeza entraria em conflito existencial. Aliás, quero aproveitar para dizer que paradoxos como estes já se tornaram comuns na atualidade.
O que se passa na cabeça de um grupo de jovens que tramam um trote daquele tipo? Sim, porque tudo aquilo foi premeditado e bem planejado, se não, repetido. Quais vetores de potência incidem sobre muitas mentes que receberam uma boa educação familiar? Limite demais? Limite zero? Com certeza, muitos dos calouros que sofreram o trote o fizeram porque têm a certeza de que um dia, no futuro, farão o mesmo com alguém. Aí se vingarão de sua própria vontade de sofrer.
Felizmente, a maioria dos trotes não dá em nada, porém algumas mortes e ferimentos graves têm acontecido com uma freqüência preocupante. Coisas da estatística e da probabilidade dos eventos, e o sofrimento de famílias inteiras, que perdem um ente querido por bobagens. A quem penalizar pela violência? A Universidade? Os alunos? Os calouros? A solução seria cobrar cestas básicas? Punição para uma brincadeira. Brincadeira já se define por não possuir regras definidas. E se não há regras não pode haver punição. Proibir o trote dentro do espaço físico da Universidade só fará com que este seja praticado do lado de fora, em terra de ninguém. Conscientizar? Duvido. Nenhum daqueles aplicadores de trote que apareceram na reportagem pareceu-me sem instrução. Há muito tempo que a máxima “eduque as crianças para que não seja preciso punir os homens” perdeu sua significância. Simples. Há tanto para se educar, que já não se sabe mais o que ensinar, e o pior: COMO ensinar.
Uma coisa na reportagem, entretanto, deixou-me perplexo: o promotor entrevistado desejando mover uma ação pública contra aqueles atos, não era um idoso, um “pré na cova”, ou um pré idoso como eu, mas um jovem. Inflamado, clamando por justiça. Jovens contra jovens. A responsabilidade contra a intemperança. Na mesma faixa etária, numa mesma territorialidade. Até reacendeu minha esperança que já era por demais, temerária. Possam os jovens curar os jovens, de velhas doenças sociais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário