14 de mar. de 2010

Desvencilhar/Desenlaces

Um telefonema. Choro, ranger de dentes. É a quinta vez essa semana. A existência medida em passos e atos. A ânsia da comunicação. O hábito. Querer estar junto e ao mesmo tempo não suportar estar junto.With or without you, sucesso do U2. Vetores de potência do desejo, do cheiro, da incompatibilidade de gênios, da tonelada de micro histórias frustrantes num relativamente curto período de tempo, criando um caos na mente que nos empurram às mais variadas sensações e atos de impulsividade.
Por que é tão difícil se desvencilhar de um relacionamento significativo? Por que é tão difícil simplesmente cessar o hábito de estarmos em constante contato e comunicação mesmo sabendo que a convivência não é mais possível? Quando contabilizamos a relação e pesamos aquilo que suportamos e aquilo que não suportamos, esquecemos que as partes boas são difíceis de simplesmente, deixar ir.
Os jovens que são frutos da revolução técnico-científica criaram uma linha de fuga que mais ou menos resolve esse problema: o ficar. Satisfazem-se os desejos de afeto e libido, sem contanto criar um vínculo mais forte, o do hábito. Há que se analisar isso historicamente, pois a vida a dois era centrada do núcleo família, e não propriamente na relação em si. A relação criava funções, e consequentemente, papéis sociais. Com isso se convivia muito bem. A relação amorosa era relegada a segundo plano, onde, no final da vida, criava-se um companheirismo respeitável, aos olhos dos mais novos.
Voltando ao Ficar. O próximo passo dessa nova fase de relacionamento chama-se ficante. O ficante é aquele “pré-namorado”, ou seja, a pessoa que vai à festa e fica por várias vezes com a mesma parceria, por festas e festas. Esse ficante vai criando características especiais e o que era uma simples admiração transforma-se em paixão. Aí, de ficante a namorado é apenas uma questão de semântica. Há também a corruptela do ficante, que é o “fincante”. O próprio termo já induz à sua significação. Não se admira a personalidade, mas a performance. E geralmente se fica nisso.
E o relacionamento, frugal, descompromissado, pode desenvolver para o compromisso, aquele, do anelzinho de prata. Começam os hábitos. Ver filmes juntos e rir dos comentários. Jantar no mesmo restaurante sempre. Ir visitar a família em alguns fins de semana. O chimarrão na Redenção no domingo à tarde. E mails, melosos, torpedos doces, durante a semana, na hora do trabalho. Dividir tristezas, comemorar conquistas. Planejar o futuro numa folha de caderno rasgada. A noite intensa depois de uma briga boba. Tudo isto é hábito, e como todo hábito, cuja natureza é a repetição, é bom e duradouro. Nem que seja em nossa mente.
Tudo desgasta com o tempo. E, na revolução técnico-científica, o desgaste é mais rápido, por puro hábito. E carece de ser renovado. Se não pode ser renovado, que seja trocado. Relações desgastadas são difíceis de serem renovadas, e uma nova projeção surge, paralelamente, assim que um determinado problema sem solução fica insuportável. Não há rupturas. Há processos.
A separação inevitável traz consigo a perda do hábito. Do gostoso hábito de se cultivar coisas gostosas da vida... juntos. Como a eterna criança dentro de nós que fica alegre quando ganha uma barra de chocolate, mesmo sabendo que engorda. Desvencilhar. Coisa difícil. Forçamo-nos a isso para que o sofrimento cesse. Queremos nos libertar dos grilhões da relação, mas se pudéssemos, levaríamos a parte da outra pessoa que contém o hábito das coisas que nos proporcionam prazer junto conosco.
Como sempre, o tempo, o inexorável chronos, apaga o hábito e a vida moderna nos empurra facilmente à criação de outros. Que estejamos de bem com esse desapego natural. E que aprendamos que o hábito bom é antes de tudo uma prática individual, para depois ser praticado a dois. Afinal, dá pra tomar um bom chimarrão na Redenção, sozinho, acompanhado de um violão e uma canção do Chico, que diz o seguinte:

“Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim, não me valeu... mas fico com o disco do Pixinguinha sim, o resto é seu. Trocando em miúdos...”

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