11 de mai. de 2010

Paradinha

Nada traduz melhor o momento atual do mundo e do Brasil do que a “paradinha” na hora de bater o pênalti, em minha opinião. Essa estratégia é aplicada aqui no Brasil, em detrimento da Europa, onde o árbitro não permite esse subterfúgio do atacante. O Brasil, então, é o país do novo paradigma: o da paradinha.
Em primeiro lugar, não consta nas regras do futebol que o jogador que vai cobrar o pênalti não possa parar bruscamente na hora de bater na bola; em contrapartida, o goleiro não poderá se adiantar antes que o jogador bata na bola, pois isso diminui o ângulo de visão de quem cobra o pênalti. Ora, pra quem se defende existe regra, pra quem ataca, não. Semelhante ao estado natural das coisas em nosso país. Experimente ser honesto e trabalhador, pra ver se não te pegam no primeiro deslize. Você, o goleiro. Os espertos, os batedores.
Há uma questão musical nisso tudo. A paradinha é um compasso 1/8 numa música de compasso 2/4. Em linguagem mais simples, é uma quebrada de ritmo. É como se alguém, a cada 8 passos dados, desse dois passos para o lado esquerdo. Sabe aquela hora em que você está andando na calçada e alguém em sentido contrário vem em sua direção, e, educadamente desvia pra direita e ele faz a mesma coisa (claro que pra ele será a esquerda)? Pois é, a paradinha tem esse descompasso. O goleiro acompanha, intuitivamente, o ritmo do batedor do pênalti, e sem mais nem menos, ele causa um descompasso na situação, deixando o goleiro numa sinuca de bico.
Por que a paradinha, se o pênalti já é meio gol? É difícil para o goleiro prever em qual dos lados o batedor vai direcionar a bola. Meio loteria o negócio. Simples. Os goleiros vêm pegando a manha dos batedores de pênalti e têm defendido mais cobranças do que antigamente. Os goleiros estão mais ávidos. Descobriu-se que além de fazer gols, é muito saudável não tomá-los. Até pouco tempo não se treinava goleiros especificamente. Goleiros normalmente são altos além de ágeis. Alguns continuam jogando mesmo passando dos 38 anos. Experiência é tudo nesse ramo, o da defesa. À medida que envelhecemos, vamos aprendendo as manhas da vida e nossa defesa fica cada vez mais eficiente. Mas aí vem a paradinha.
Ela é uma linha de fuga na ânsia do resultado. Não foi o goleiro quem pegou. Foi o batedor que executou mal a cobrança. Sempre achei o pênalti uma coisa injusta num esporte dito “social”. Naquele momento não há nada de social. Individual. Um contra um. E ninguém por todos. A paradinha é a tentativa de salvação para o processo evolutivo dos goleiros em defenderem mais pênaltis. Quanto mais se aumentam as técnicas e os treinamentos, mais se confiam nas intuições, sim, porque naquele momento, a técnica fica subordinada a outros vetores como tranqüilidade, intuição, etc.
Quanto tempo levará para que os goleiros se adaptem a essa nova jogada? Ela é lícita? Se compararmos com a lei que o goleiro não pode se adiantar e dar sua “puladinha”, a paradinha é, no mínimo, injusta. Como será na Copa do Mundo? A FIFA permitirá esse tipo de cobrança? Ou na hora crucial em que a seleção precisar de gols e resultados paralelos a desculpa não será “perdemos porque o juiz não permitiu a paradinha”.
Queremos e ansiamos por mais justiça em nosso país. Mas talvez estejamos esquecendo que antes da transgressão da lei, sempre haverá a corrupção de princípios que regem essa lei. A corrupção é a paradinha da política e da economia atual. É aumentar a velocidade quando vem o sinal amarelo. É sair de fininho quando o cachorrinho faz cocô e não temos saco plástico para juntá-lo, como diz a lei. A paradinha é o simulacro necessário de um mundo em constante mudança, sem saber porquê e para quê a mudança.
Questão de ponto de vista? Na vida, seremos tanto os goleiros que reivindicarão justiça, como seremos os batedores de pênalti, reivindicando o melhor resultado. Já estou treinando para defender a paradinha. Tenho uma técnica infalível. Mas é segredo de Estado. Só a vendo por alguns milhões.

PS.: A pergunta que não quer calar: Se o Baggio tivesse dado a paradinha, teríamos alcançado o tetra?

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