18 de mai. de 2010

Eu Bebo Sim, estou Vivendo.

Incrível como uma canção simples pode muito bem expressar o sentimento de uma época, bem como de seus vetores metonímicos de verdade. Ou o que queremos acreditar ser verdade. “Eu bebo sim, estou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo”, sucesso da década de 1970. Vejam a profundidade filosófica que encerra esta frase. Beber ou não beber, vamos morrer de qualquer jeito. Então se bebe porque ao menos se vive melhor. A força do sim. Sim, eu bebo, concordo em beber e gosto do que faço. O mundo atual perdeu a força do sim (sem perder a do não). Quando dizemos sim para alguma coisa é porque temos a forte convicção de que aquilo é a mais pura verdade.
Não pretendo ficar aqui mostrando hipocritamente, os males das bebidas alcoólicas, pois cairia no clichê e no velho jargão da moral de cueca. Quero apenas falar de um cinismo social manipulatório, que atende a interesses de um setor em detrimento de outro. Tenho saudades, por exemplo, do Free Jazz Festival. Ouvir e ver os maiores jazzistas da atualidade era único. Claro, patrocinado por marca de cigarro, uma coisa tóxica e prejudicial, execrada pela sociedade moderna. Os jovens andam fumando menos, as mulheres mais, os homens, sei lá. Quem sofre com isso são os atores, porque uma ótima linha de fuga para a proibição da publicidade do cigarro são os filmes nacionais ou internacionais. Atores de renome, charmosos, pujantes, aparecem fumando nos filmes, e sabem como é o ser humano, né... Há que se ter parâmetros de beleza para que os imitemos, ou diminuamos nossa auto estima por não sermos como eles. Parafraseando o Fritz*, o mal do mundo é Platão, e não somente o cigarro.
“Eu fumo sim, estou vivendo, tem gente que não fuma e está morrendo”. A frase serve pra qualquer coisa. Ela é perfeita. A força da vontade. Mas o foco é a bebida, não nos desviemos dela. Somente bêbados é que podemos desviar dos assuntos, e ainda assim, no outro dia, negar até a morte que falamos que a Gisele é nariguda. “In vino, veritas”. Dizem por aí que se você quer realmente conhecer alguém, dê poder a ele. Eu já digo o seguinte: se você quer conhecer alguém, dê algumas doses a ele. Um outro eu, há muito enterrado, emerge para a superfície e raramente não nos impressionamos com o que ouvimos. Nosso lobo frontal defende com unhas e dentes nosso passado, e nossas concepções heréticas sobre a realidade. Muito cínico esse lobo frontal. A bebida então, é a salvadora da situação. Dali, abre-se a caixa de Pandora. O tímido fiel vira mulherengo; o mulherengo vira gay; o gay continua gay (não é questão de bebida, como dizem); sim, senhores, experimentem tomar um bom porre e telefonar para os amigos no outro dia. Ah, não esqueça de anotar quem foram os amigos que o acompanharam, você provavelmente esquecerá. O auto conhecimento é um dever. Tomo um porre por ano, mas, num bar onde ninguém me conhece, e já marco com um taxista para ser levado para casa. Nesse porre, espanto os fantasmas. Falo mal até da Dilma e do Serra, que é a pontuação da atualidade.
O cigarro faz mal. Não há dúvidas. Mata, corrói. E a bebida? Não?
Estatísticas. Números, porcentagens. Elas dizem o que queremos que elas digam. A bebida mata menos do que os acidentes de trânsito. Claro que não se diz que na maioria dos acidentes, a autópsia demonstrou que alguém tinha tomado um pouco mais do que devia. A bebida mata sim, mata nas estradas, provoca homicídios e faz a gente dizer a verdade. Mas, curiosamente, não há leis que proíbam a livre propaganda de bebidas alcoólicas na tevê e em outros meios de comunicação. A bebida alcoólica inclusive, agora, patrocina a seleção brasileira. Fantástico. “Eu bebo e torço sim, tem gente que não bebe e não torce e está morrendo, eu bebo e torço sim”. Meninos que sonham em jogar futebol. Alguns alcançarão o estrelato, outros jogarão na segundona, com uma média de salários em torno dos 800 reais. Mas a maioria vai beber. E uma parte vai se tornar alcoolista. Melhor para a indústria da bebida. Melhor para os programas de saúde, que terão matérias infindáveis.
Até hoje, não vi em nenhum hipermercado da capital onde resido, uma caixa pedir o documento do jovem que compra bebida alcoólica. A lei existe, está ali. Se há algum bar que pede a documentação para jovens que sentam e pedem bebida, não vi também.
Bebamos, pois amanhã poderemos não estar mais aqui. Maria Alcina que o diga. À noite, tomarei um porre, quero esquecer a crônica que escrevi. E viva Maria Alcina. E viva a seleção. E viva o refrigerante...ops!

PS.: Fritz é uma alusão carinhosa a Nietzsche, não se preocupem, não bebo pela manhã.

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