26 de mai. de 2010

Devagar

O pedido era a coisa mais difícil. O coração, prestes a sair pela boca, tornava turva a visão; os ouvidos não funcionavam; as ideias não fluíam; tudo se resumia ao momento crucial de um simples sim. Depois, as coisas iam devagar. Pegar na mão e andar de mãos dadas era o primeiro passo. Avisávamos que existia ali uma união. O primeiro beijo. Muitos casais passavam um namoro inteiro sem se beijar. Para algumas meninas, isso era compromisso demais, e elas eram de família. Mas, assim como o primeiro sutiã, o primeiro beijo é praticamente inesquecível. E outra: tudo o que se fizesse, era junto. Esse negócio de um ir à festa e o outro não é de agora, não era nem aventado na minha adolescência. Isso era namorar. Era estar junto sempre que se pudesse. Namorar em casa era raro. Só depois de alcançar certa idade, 16 ou 17 anos. E muitos pais não aprovavam o namoro. Era uma verdadeira loteria. Namorava-se no sofá, vendo a novela, com os pais presentes na sala, geralmente. Terminada a novela, bocejavam e crivavam o inocente casalzinho de olhares inquisidores. O pai limpava a garganta com um sonoro “arramm” e a mãe dizia a célebre frase “está tarde, né?” Era hora de o namorado escafeder, e se fizesse cera, de fenestrado seria, sem cerimônias. Pequenas conquistas eram grandes negócios. Os irmãos mais velhos vigiavam suas irmãzinhas como se fossem a jóia da família. Numa festa, sem a presença paterna, tínhamos que burlar a constante vigilância fraternal. Mas quando conseguíamos um momento sozinhos, era a Glória (não, não tive nenhuma namorada chamada Glória). Um beijo, juras de amor, e a paciente espera pelo casamento, onde o “enfim sós” tinha uma real significação. Mas isso demorava em acontecer. O tempo corria devagar. O Chronos nos devorava a lambidas. Assim, prezada geração subseqüente à minha, era um namoro do meu tempo adolescente. Não importava se o casal tivesse 13 ou 14 anos. Todo namoro era um compromisso sério com uma centralidade: o casamento e a instituição de família.
Mas como se chegava ao namoro? O planeta onde habitamos na segunda metade da década de 1970 não tinha internet, portanto, orkut e Messenger seriam palavras ouvidas somente no interior de uma Enterprise. O telefone era um bem e não um serviço. Uma linha telefônica custava o mesmo que um apartamento de dois quartos. Escrever cartas era um suicídio declarado, pois certamente os pais (ou o irmão) interceptariam. A solução eram os amigos e os bilhetinhos. Olhares furtivos, sorrisos tímidos, sentar perto e sorrir sempre que o outro dissesse algo eram os sinais de proximidade e aceitação. Um bilhete, o primeiro, era sempre anônimo, mas a moça já sabia de quem era aquela caligrafia toda torta de quem escreveu nervosamente. Os amigos transformavam-se em verdadeiros pombos correios e a fofoca era inevitável. À noite, sonhava-se com o bilhete de resposta. Quando, no outro dia, ele não vinha, a vida perdia todo o seu sentido.
No meu caso não foram os bilhetes. Foi o famoso “questionário”. Pegava-se um caderno de 100 folhas (aqueles da Cepal, que tinha um burro na capa azul anil) e colocava-se na primeira linha as perguntas mais estapafúrdias que se possa imaginar. Mas a que gerava adrenalina era: “de quem você gosta?” Pergunta reveladora. E se a nossa projeção romântica respondesse que não gostava de ninguém, ou que gostava de outra pessoa? Lembro-me como se fosse hoje. Logo após a essa fatídica pergunta, vinha a pá de cal: “Ele(a) gosta de você?” Bem, eu era o número dois, ela era o número 14. O que ela respondeu está gravado em minha mente: “pergunta para o número dois”. Era o aviso. Assim começou meu primeiro namoro.
A lentidão com que as coisas aconteciam era impressionante se comparada à atualidade. Eternidades separavam o namoro do noivado e o noivado do casamento. Ir morar junto era passível da fogueira semiótica da sociedade local. Acredito ser por isso que todos nós almejávamos alcançar a idade adulta com tamanho afã.
Num relacionamento moderno, não importa a idade, fala-se muito em ir devagar. É consenso entre o casal começar devagar. A palavra é ordem. Mas e seu significado? Sua significância, dada a intensidade como se dão os relacionamentos nascentes torna-se complicada de traduzir. Ora, como ir devagar quando temos a liberdade à nossa frente (o irmão já não é mais o pitbull, é ele quem dá as dicas), quando temos as formas de comunicação mais rápidas da história. Temos celulares com operadoras que oferecem planos tentadores para se falar mais e mais. Nem o transporte público é mais desculpa para que o casal não se veja. Tudo isso são fatores para que os relacionamentos sejam muito intensos e a vagarosidade perde seu sentido lato. Não há pequenas conquistas, como no planeta onde habitei minha década de puberdade. Há uma conquista apenas, de sentir que é intenso e essa intensidade, vivida pelos dois, independente de tempos.
Melhor? Pior? Não acho. Vivi e vivo as duas situações. Cada uma tem uma intensidade e vida próprias. Continua-se sonhando e amando como sempre se fez. E, como, provavelmente, por muito tempo ainda se fará.

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