31 de dez. de 2011

The X Factor

É. Coloquei em inglês o título sim. Mais chique. Imponente. Se estivesse em português, algum porto-alegrense desavisado começaria a salivar imaginando um saudável cheese bacon, livre de gorduras trans (trans, mais non sans). O título é instigante, justamente por ser uma constatação. Que a matemática não é, necessariamente, a mais exata das ciências humanas. Demasiado humanas.
Discorda? Hum. Ao longo dos anos em que minha consciência anda mais ativa que meus desejos primazes, ouço que calouros ficam estarrecidos ao ouvir, já no primeiro semestre, que a matemática não é uma ciência exata, desconstruindo o binarismo exatas-humanas, que permeia o mundo acadêmico e profissional. Ciências têm seus métodos próprios de investigação, sejam eles por aproximação ou por conclusão panorâmica multidisciplinar. Sim, Descartes deve estar revirando no túmulo agora.
O "X Factor" é sempre aquela pedra no sapato para tudo aquilo no qual depositamos certeza. É o pé atrás em algo que todos sabem ao certo que é exatamente do modo como todo mundo pensa que é. O X. Eita letrinha xarope que nos persegue. O fator que alguém esquecera de considerar. E que abatuma o bolo de casamento.
Este X encontra-se mais que presente, se bem que implícito, nas resoluções de fim de ano, para um ano novo cheio de felicidade, luz, paz, e inovações tecnológicas excitantes. A resolução é convicta? Claro que é. Ninguém diz "talvez", ou "se der". Todos bradam em alta voz que realmente colocarão em prática aquilo que a resolução determinou. "Vovó disse que em 2012 tratará melhor o vovô, que está com angina". Passa a meia noite, o velho deixa a tampa do vaso para cima e tudo continua como está. Aí apresenta-se o X. O condicionamento, o eterno inimigo das "novas consciências". Ninguém muda um padrão ou atitude sem um recondicionamento. Se agíssemos por consciência em tudo o que fazemos todo o dia, ficaríamos loucos.
O X da questão é que a questão só existe quando o X não foi transformado em número, em quantidade. Resoluções de uma vida mais saudável não implica somente em comer coisas saudáveis e inscrever-se numa academia. Neste caso os X são muitos. Arranjar horário e condicionar-se a ele, em detrimento de um trabalho causticante que te tira até a vida em família; ir ao super e aguentar o fardo de gastar mais com produtos "naturais" do que os industrializados; aguentar os primeiros meses de dores no corpo e reeducação alimentar. Pois é, caro resolucionista. O X é um pé-no-saco, e se você não é um pé-no-chão, então a resolução será meramente retórica. Há sempre um X, que fazemos questão de esquecer, mas que na hora certa pula sobre seu pescoço como predador à espreita. Happy new year, mon ami, em inglês e francês, para não perder o costume condicionado.

22 de dez. de 2011

Caim e Abel: A criação dos Filhos

Ho, ho, ho... Neste Natal, dê presentes. Muitas dívidas? Novos financiamentos. Cheques voltaram? Renegocie-os. O 13º já foi gasto no fim do ano e os banqueiros estão felizes com isto? Comprometa o décimo do ano que vem. Pode ser que algum dia o Senado aprove o fim do décimo terceiro, aí banqueiros não demonstrarão alegria, apenas indiferença. Afinal, com sete bilhões de pessoas no mundo, basta aumentar as tarifas alguns centavos.
Filhos ganham presentes, óbvio. Pais podem não ganhar, avós podem receber cartões de alguma instituição filantrópica, tios podem ganhar aqueles e mails natalinos maravilhosos do tipo "lembramos de você" (e de toda a lista de contatos), mas os filhos ganham presentes. Têm de ganhá-los.
Ganham a mesma coisa? Não. Mesmo porque não pedem a mesma coisa. Mas o que acontece? Em alguns casos, a "outra" coisa é melhor do que a "sua" coisa.
Parafraseando o grande Inácio, "nunca na história desse país", se comparou tantos as coisas. Trabalhamos nosso cérebro por comparação quantitativa e de valor agregado, a fim de sabermos se o que temos é bom ou não. No caso das crianças, irmãos, o do outro é "sempre" melhor. Minha filha menor pediu um note. Ganhou. A minha maior, um PC. Ganhou. Qual é o discurso agora? A maior diz que o note é melhor porque dá pra carregar pra lá e pra cá. A menor diz que o PC é melhor porque dá pra jogar jogos pesados. Nem a gregos nem a troianos. Muito menos a portoalegrenses.
Sabe aqueles enfeites de Natal que ficam nos pinheiros? Aquelas bolas? Sabe o que elas significam?
As bolas de enfeite de Natal simboliza o presente que toda a criança pobre ganhava na Europa Medieval. Maçãs carameladas. É, isto que você leu mesmo. As crianças ficavam contando dias para receberem de presente, maçãs carameladas. Comiam-nas, devoravam-nas e começavam a contagem regressiva para o próximo natal. Era este o presente. Não havia comparação. Uma maçã não era mais doce que a outra, um filho não era melhor que o outro na hora de receber presentes. Era aquilo.
Presente se dá. Não se pede. Presente é uma graça que alguém oferece em retribuição, ou pelo simples prazer de ver algum olho brilhando. Presentes significativos fazem chorar. Presentes errados nos fazem rir. Ganhar sabonete cheiroso, xampu ou colônia poderia ser sinal de desconfiança. Será que ando fedendo? Pais ganham gravatas. Nunca vi um pai reclamando que sua gravata era pior do que a gravata do cunhado. Pedir presente é mais um subterfúgio do consumismo natalino.
Irmãos pedem presentes. Já sabem o que irão ganhar. Acho que a maior sacada do meu natal era a surpresa. O que eu ganharia? Quem me daria o que? A maioria hoje já sabe o que irá ganhar. Não tem graça. Fora amigo secreto. Que na maioria das vezes nem é mais secreto.
Filhos reclamam que são injustiçados, são tratados de maneira diferenciada. Que são menos amados do que os outros irmãos. A irmãzinha, terceira da família que é a mimadinha do papai. O primeiro filho, primogênito, que merece maior respeito. E o segundo, sempre o rebelde da família, por justamente estar no meio. Nunca igual, nunca melhor. Por que?
Educação é hoje a coisa mais difícil de se definir, mesmo que pedagogos tenham orgasmos piagetanos. Os vetores sociais de comportamento são múltiplos e multifacetados, o que torna a educação e o aprendizado mais complicado que os doze trabalhos de Hércules. Como criar, o que priorizar na Educação, que informações os filhos podem ou não podem ter. Falo de morte com minhas filhas desde que eram pequenas e com a maior naturalidade possível. Na minha morte, chorarão de saudade, pela perda, não pela morte em si. Faço errado?
Não criamos os filhos de igual modo. Mesmo que sejam gêmeos e andem ridiculamente com a mesma roupinha, são apenas semelhantes, não iguais. Agora, criar filhos diferentemente não significa que um seja melhor ou mais amado. Significa que respeitamos as diferenças de personalidade de cada um. Uma maneira de falar para com o maior. Outra maneira de falar com o menor, o mesmo assunto. Conteúdo igual, retórica e discurso diferente.
Respeito, boa educação, amabilidade, sociabilidade e cidadania é igual para todos. O mesmo respeito que temos por chefes, superiores, ou aqueles que nos alimentam, devemos ter pelos filhos. E ensiná-los a ter este respeito. Não são limites. São filtros. Sermos amáveis é normal, não é exceção. Sendo amáveis, nossos filhos naturalmente o serão. Crianças aprendem mais por modelagem e imitação do que por discursos e métodos mirabolantes. Sendo, eles serão. Não comparando, eles não compararão. Não julgando, eles não julgarão. Não jogando, eles não jogarão. Ou então faça como eu: juntarei dinheiro pra comprar um note pra maior e um PC pra menor. E haja conta de luz...

13 de dez. de 2011

CARTA AO PAPAI NOEL

Não, Papai Noel. Desta vez não pedirei carrinho de bombeiro. Eu cresci. Meus desejos também cresceram. E ademais, as crianças não sonham mais em ser bombeiros ou pilotos de caça para defender o país dos comunistas. As crianças de hoje são mais realistas. Sonham em ser um Peter Punk e ter uma banda como a Rock Bones, ou sonham em ser como o Neymar, mesmo que elas não saibam direito o que o seu herói faz com as modelos. Falando nisso, as barbies perdem espaço para kits de maquiagem e vales-corte de cabelo. Meninas não sonham mais em ser modelos. Elas querem ser modelo no agora. Ser modelo e jogador de futebol só depende de vetores que você, Papai Noel, não precisa dar de Natal.
Minha cartinha, bom velhinho, faz pedidos fáceis de realizar. Nem precisarás explorar os pobres gnomos que fabricam sem parar nesta época do ano. E, mesmo porque no pólo norte deve ser difícil de aparecer algum fiscal do trabalho. Foste esperto, by the way...
Desejo pouca coisa. Peço pra ti que faça com que as pessoas não se apresentem na defensiva e deem uma chance de conhecer melhor alguém estranho. Peço pra ti que os seres humanos busquem um comportamento amigável e que se desliguem um pouco do trabalho extenuante e pensem mais nas pessoas próximas que as amam. Que parem de reclamar e vão à luta para conquistar seus sonhos. Que promovam uma índole pacífica e não usem automóveis como arma de destruição em massa. Que bebam, mas que peguem um táxi e deixem o carro em casa, pra variar. Peço que o mundo pare um pouco e reflita sobre o que seremos num futuro próximo. Um uso mais consciente dos recursos naturais e uma convivência equilibrada com a natureza. Peço que os vizinhos de um mesmo condomínio cumprimentem-se com um simples "bom dia", e se fizerem algo que possa ter prejudicado outrem, um simples "desculpe" já basta.
São desejos, talvez nutridos por sonhos. E, Papai Noel, que se veste de vermelho e obviamente torce para o mesmo time que eu (nossa única identificação), não peço essas coisas pra mim. Peço por minhas filhas, e por bilhões de filhos e filhas que habitarão este mundo depois que eu for embora dele. Não é muito, é só uma pequena mudança de atitude e, consequentemente, de pensamento.
Mas eu sei. Minha carta ficará jogada no meio de muitas e não será atendida. Foi o que aconteceu na minha primeira carta. Pedi um carrinho de bombeiro, daqueles que levanta sozinho a magirus. Ganhei um Forte-Apache. Sempre ganhava um Forte Apache. Não me atendeu. Mas foi bom. Eu cresci e descobri o que realmente acontece no Natal.
É uma estratégia tua, Papai Noel. Tu não atenderás o meu pedido por uma questão muito simples: se o mundo for um lugar melhor para se viver, as crianças não pedirão obsessivas, um novo game ou tablet. Se as pessoas se respeitarem mais e o mundo ficar menos violento, a sociedade não precisará da fuga do consumismo patológico. Aí tu não serás mais necessário nos shoppings. O natal passará a ser o que era, uma história religiosa. Bem esperto, velhinho barbudo.
Encerro minha carta com um protesto. Que se acabe com o monopólio do entregador de presentes. O mercado sem concorrência não evolui. E tu, Papai Noel, monopoliza a entrega de presentes. E não atende a todos os pedidos. Quem sabe a criação de alguma "Mãe Katiúscia", ou algum "Titio Horácio" não te faça mais competente e eficiente?
Quem sabe...
Um sindicato dos EPN (Entregadores de Presentes Natalinos) até que não seria uma má ideia.

8 de dez. de 2011

Por Quem os Sinos se Dobraram

A história é cruel com o desuso. Ela é avassaladora com os recursos que outrora eram significativos à sociedade. A lei do uso e desuso em vigor. O que não é hábito, o que não é mais significativo para o meio social, torna-se supérfluo. Ah! E incomoda, atrapalha. Afinal, o ser humano tem de progredir linearmente, não pode retroceder. Exemplos? A caligrafia. Ganhava-se prêmios pela melhor. Alunos exemplares eram detentores das formas perfeitas, com letras esguias e imponentes. Arremedo de conteúdo e estética. Hoje, garranchos inteligíveis são tolerados por serem inteligíveis e não causar desconforto entre pais permissivos e professores estressados. Pra quê? Net, notes e PC's têm teclados e não canetas. Uso e desuso. Caligrafia (kalós = belo; grafós = escrita)é supérflua. Incomoda.
Até o visionário rico Santos Dumont usar o primeiro protótipo do relógio de pulso, sendo ele e Cartier, seu amigo, os prováveis inventores, relógios eram caros e usados pela aristocracia. As horas então eram medidas por outros meios. Meu tio de Venâncio Aires, olhava o sol e não errava. É, talvez os minutos. Mas a hora ele sabia. Quando não tinha sol? Não sei, não me lembro de tê-lo visitado quando chovia. Sinos de igreja eram um dos recursos. A comunidade mantinha-se informada da passagem das horas ou de algum evento importante pelo bater do sino. Ouvia-se a quilômetros. Não incomodava, nem se calculavam decibéis para saber se era poluente ou não. Estava lá, no alto das igrejas, imponente. Uma cena significativa do filme 2012 e que passou despercebido por quem não tinha conhecimento de causa, foi a do monge budista tocar tranquilamente o sino enquanto uma onda gigantesca o assolava. No Oriente, os sinos eram os arautos de invasões, tragédias ou qualquer outra coisa que pudesse ser antecipada. O sineiro no Japão da dinastia Tokugawa era importante. Não importa o que acontecesse. Ele tinha que tocar o sino. Sinos são, até hoje, o prenúncio do Natal. Mesmo que não vivamos em meio à neve.
O sino caiu em desuso. As igrejas badalam seus sinos para avisar o começo do serviço de adoração. Domingo pela manhã normalmente. E isto deve incomodar. Foi o que aconteceu com o Serginho, numa cidade litorânea próxima. Sua casa ficava ao lado de uma igrejinha protestante, antiga mas bonitinha, construída com a chegada de imigrantes alemães, há muito tempo, onde o sino era importante.
Serginho é um adolescente, como diríamos, "prafrentex". Dinâmico, pro-ativo, produtor, re-produtor, bombástico, bombado, surfista bronzeado 365 dias por ano, estudante de direito na faculdade particular da metrópole mais próxima. Aos sábados, a prancha e o neoprene são suas ferramentas de trabalho: surfa até umas 17h. Seus amigos o admiram. As moçoilas casamenteiras, doidas de amor não-interesseiro, o admiram. Serginho, o queridão. Fica no bar com os amigos à beira-mar, curtindo a vista, tomando sua cervejinha moderadamente e ouvindo sertanejo universitário, com o som vindo de sua caranga envenenada com 150W RMS e duas caixas médio-grave. Aliás, Serginho é altruísta. Não só ele, mas toda a praia pode desfrutar de seu gosto musical. Embora a cidade possua uma lei que reprime a poluição sonora, acima de 50 decibéis, Serginho é filho do Seu Nestor, o melhor amigo do prefeito. Policiais militares não querem incomodação. Afinal, quem reclama são os idosos. A maioria fica inerte e não se pronuncia. Lá pelas 20h, Serginho volta pra casa, larga suas ferramentas de trabalho, toma um banho, come alguma coisinha, briga com a mãe e sai pra balada de sábado à noite. Afinal, as moçoilas estão aí e não estão prosa...
Volta pelas seis da manhã no domingo. Cansado, extenuado de relações pessoais e intrapessoais, dirige-se ao leito gostoso, arrumado por Dona Chica, sua mãe. Dorme o sono dos justos mas não dorme direito (nem sempre o que é de justiça, é também de direito). Serginho tem sono leve, pobrezinho. O sino da igrejinha evangélica toca às nove horas da manhã. Pessoas simples, idosos, crianças e casais dirigem-se para seu interior. O sino chamou. Serginho, no entanto, não se sentira "chamado" pelo sino e sim, incomodado. O caso, claro, chegou à Câmara de Vereadores. Seu Nestor sofria ao ver o filho não conseguindo dormir por causa da poluição sonora. O decreto foi claro: o sino da igreja estava proibido de tocar. Incomodava. Culpa do sino. Não tocava sertanejo. O sertanejo é estimulador, o sino, bucólico. O sertanejo é romântico. O sino, gótico. Uso e desuso. Meu espírito saudosista pranteia, tocando bucolicamente, o som sineiro em meu coração.