30 de mai. de 2011

Funk do Hino e o Hino do Funk

1985. Nova República. A então famosíssima Fafá de Belém cantou, numa emissora com nome órbico, o Hino Nacional Brasileiro. Do jeito dela, lógico. De maneira sentida, lenta, com interpretação de mpb. Faltou apenas a cuíca fazendo o repinique do repleplé. No dia seguinte, lembro-me muito bem, manifestações contra e a favor do ocorrido. Quem era contra foi associado de cara com a direita; a favor, com a esquerda. Tudo o que se postasse como contrário ao status quo militar era logo associado à Nova República, que de esquerda só tinha alguns políticos que eram canhotos.
Positivismo. Postulado filosófico dominante no século XIX. O positivismo na história demandava um processo histórico definido por "grandes homens". O exército brasileiro da proclamação da República era todo positivista, praticamente. Seu maior expoente foi Benjamin Constant. A Igreja Católica, a Maçonaria e outros segmentos políticos e religiosos têm uma base forte no positivismo até hoje. O positivismo é hierarquizante. Os bons exemplos, os atos heróicos. Os valores, os tão afamados valores. Seja pai, aluno ou professor de uma escola particular e você verá vômitos verbais em torno desses "valores". Ao irmos fundo nesta questão, não há unanimidade nos valores, muito menos na intensidade deles. Pura hipocrisia social.
Militares. Instituição que, no Brasil, não se ocupa de tentar conquistar o Afeganistão, matar o Bin Laden nem malhar o Judas Saddam. Foi simplesmente tocante ver o que esses profissionais, juntamente com outros, fizeram ao participar das operações de resgate das vítimas das cheias do ano passado. Como trabalham tentando, com escassos recursos, manter a ordem e a paz na Amazônia Legal. Esse é o exército que eu sempre sonhei, na minha "esquerda direitosa". Ele existe e está aí.
Símbolos da Pátria. Armas nacionais. Endeusadas à exaustão no regime militar. Intocáveis. Mudar o hino ou fazer a bandeira do Brasil de camiseta era um sacrilégio. Usar uma calça verde e uma camiseta amarela já era motivo de escárnio pelos colegas. Malgrado dos que eram obrigados a vestir o que os pais obrigavam. Hoje, respeitados sim (ninguém gosta de queimar a bandeira brasileira, preferem a dos EUA) porém não endeusados. A bandeira do Brasil não é tão maior assim do que a camiseta do time para o qual se torce.
Funk. Nádegas a comentar. Batidão. Nome distorcido do que seria o movimento Miami Bass do começo dos anos 2000. Popular nas festas de periferia e também nas festas chiques, depois da quarta cerveja. Homarada enlouquecida e mulherada em franco ritual de acasalamento. Afinal, somos todos filhos da grande mãe, África.
Militares dançando funk numa versão do hino nacional, numa cidade do interior. Todos felizes, num momento de descontração, como mostra o vídeo. Uma encenação gostosa de um estereótipo da rigidez e da disciplina. Em tempos de paz, os soldados russos praticavam as danças folclóricas para se manterem ágeis e em forma. Os soldados franceses de Napoleão bem sabiam que não adiantava correr atrás de um russo: ele quase sempre vencia. Mas as regras. Ah! As regras. Algo que a brasilândia já há muito deixou de dar a devida importância, segundo o parâmetro dos "valores". Mas, assim como o benefício que os militares trazem em tempo de desgraças, as regras existem. Há que ser feliz com outras diversões, infelizmente. As regras não estão aí pra fazer a festa. Ainda mais com samba. Se fosse ao ritmo de Fafá, quem sabe...
O positivismo não se faz presente na sociedade, ao menos como força dominante. Ele, quando muito é um devir, em formas dinâmicas. Meninos brincando com fogo. Um fogo simbólico que só arde na mente de quem endeusa essas coisas.
Dance funk e cante o hino. Mas nunca as duas coisas juntas. Senão o funk do hino pode acabar se transformando no hino do funk. Aí, os arautos da desgraça dirão que não há esperanças. Em 1985 havia. Pergunte à Fafá.

Um comentário:

  1. Correr atrás de um russo....rssss. Quem vencia era o frio. Mas mesmo sabendo disso...tinham que correr atrás deles. Melhor, até se esquentavam..rsss

    Realmente...o senhor é profissional do humor.
    Novamente, parabéns.
    Abraço.

    ResponderExcluir