29 de out. de 2010

Coligômenas

A filosofia, segundo Gilles Deleuze, tem como função primordial, a criação de conceitos. Humildemente então, peço licença para o saudável exercício da mente: filosofar, criando conceitos.
A década de 1980 foi vital para minha maturidade cultural. Percorri-a desde o início, com o advento da ideologia das esquerdas até seu final, que culminou com a entrada do neoliberalismo na brasilândia. E dê-lhe PC.
O binarismo esquerda-direita era bem definido. Uma direita atrelada à classe dominante e às grandes corporações. Antigas relações com as igrejas e o tradicionalismo populista. Uma esquerda, oposição ferrenha, uma ligação com o socialismo maoísta ou leninista. A tão cantada revolução socialista: fosse através da luta armada, fosse através da militância panfletária, pacífica. Grandes esperanças.
Meu saudosismo reporta à cavalos de batalha dantes esquecidos: a reforma agrária, a liberação do aborto, a nacionalização das transnacionais, etc. As campanhas da esquerda dos anos oitenta cantava Cazuza, Paralamas. Os de hoje cantam samba e tchê music.
A direita clamava pela manutenção de um estado baseado em antigos valores éticos. Até hoje a maioria das escolas particulares, depositárias dos filhos dos filhos da classe que dominava, tentam desesperadamente “resgatar” esses valores. O resultado é fantástico e mereceria um filme: professores extenuados e alunos com i-pods.
Bem, como na brasilândia tudo é uma questão de jeitinho, deu-se, para a derrocada do socialismo no mundo e para a ascensão do neoliberalismo, um jeitinho bem brasileiro de se fazer política, batizado de Coligômena. Não é um ser, uma coisa; nada palpável. Coligômena é um sistema, uma estrutura habitando dentro de conjunturas. Um sistema ao mesmo tempo fechado e totalmente flexível, adaptado à qualquer situação.
A coligômena tem por princípio básico a enjambração de ideias ligeiramente parecidas com a omissão e releitura de práticas e crenças opostas. Uma capitalização do social e uma socialização do capital. A coligômena, característica do tropical tupiniquim percebe-se num mundo que transcende ao político, vindo a habitar no plano das conveniências do cotidiano.
Coligômena é a melhor solução para velhos desafetos do passado. Simplesmente se eliminam memórias negativas, de distanciamento, e passa-se a exaltar pontos de convergências. E se eles não existirem, bem, “o nosso amor a gente inventa”.
A coligômena tornou os debates na tevê mais leves. Os tops da cadeia alimentar digladiando-se e os outros analisando a situação para ver se sobra um pedacinho de ministério para devorar. Debates como o de 1989 marcaram o contraponto dos atuais. Acirrados, intensos, uma biodiversidade de soluções para um país adormecido. A diferença para o hoje é que aqueles realmente queriam acordá-lo, apenas discutiam a forma e o som do despertador. Os de hoje, com os discursos da continuidade e o do “plus a mais”, esconderam o projeto do despertador, substituindo-o por um poderoso calmante, um sonífero que concede os mais lindos sonhos, o de um país respeitado pelo resto do mundo, em constante crescimento econômico (mas não social), livre da violência... Parafraseando Huxley, um soma.
A coligômena veio para ficar e completar com mais uma importante peça o puzzle do nosso Zeitgeist. Nunca se sabe. Os grandes rivais do passado tornar-se-ão os aliados de amanhã e os conciliadores do hoje. E a coligômena será a palavra de ordem de nossa existência. Afinal, sempre fomos da turma do “deixa disso”. Conceitos fazem refletir e principalmente, desejar. E, segundo Deleuze, somos máquinas desejantes. E tudo se faz pelo poder.




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