16 de nov. de 2010

Professores X Educadores

Sob o ponto de vista da história, meio século não é muito tempo para mudanças sociais drásticas. Não era. Agora...
Tabuada. Meu bicho papão particular. Todos os dias ele me assombrava. Era onipresente. Habitava tanto a escola quanto o meu quarto alimentando-se de meus pueris e tenros neurônios. Sonhava com a tabuada tentando me alcançar enquanto eu corria, desesperado, sem sair do lugar. Hoje, não saberia afirmar, mas penso que devo a esse monstro minha habilidade de fazer cálculos simples de cabeça, em detrimento a um fato que me deixou extasiado. Eu vi, ninguém me contou: uma professora de matemática em frente a mim, indo atrás de uma calculadora para fazer uma soma de quatro fatores.Todos, dezenas. Ela, bem mais nova do que eu, não convivera com o mesmo monstro em sua infância.
Na pré-história (anos setenta, quando a informática era privilégio de poucos), os professores ensinavam? Bem, há que se conceituar o termo ensinar (pedagogos adoram conceitos). E isto aqui é uma crônica, não um ensaio. Como a força social dominante era o mercado de trabalho, ensinavam sim, numa época onde o sistema fordista era o modus vivendi na brasilândia. Usava-se o processo ensino-aprendizagem como simples ferramenta de eficácia. Não era hábito de um professor ensinar regras de comportamento social. Isto era obrigação da família.
O que a era da informação fez com o ensino? Tornou o professor um instrumento secundário. A alienação da revolução técnico-científica alcançando esta área profissional. E segundo a teoria da evolução, as mutações aumentam exponencialmente quando algum vetor ambiental modifica-se rapidamente. Animal em extinção em longo prazo. Basta que a tecnologia crie uma sistemática própria e eficaz e as empresas da educação farão com que o professor (aquele que professa), que evoluiu para educador (aquele que toma tiros, cadeiradas, manda sentar direito e “resgata” valores que nem ele segue mais) venha evoluir para “facilitador”(aquele que adestra o aluno para lidar com a parafernália digital). Não é negativismo. É prognóstico.
Vivi uma situação muito curiosa nos anos oitenta. No mesmo dia, duas afirmações totalmente opostas: pela manhã, numa reunião pedagógica de escola confessional, daquelas que tem até freira tocando violão, com fins motivacionais (= tortura), foi dito pela coordenadora pedagógica que o profissional da educação é, antes de tudo, um educador (termo novo para a época). Quando indagada das funções específicas de um educador, ela repetiu o que havia dito sobre ser professor, ou seja, mudam-se as moscas... Na tarde daquele mesmo dia, na faculdade, o professor de Idade Média brada, com sua voz tonitruante, que o professor não educa e sim, informa e esta informação pode ser usada com total liberdade pelo aluno. Anos oitenta. Época difícil. Era jovem e influenciável. Vivia entre a cruz de ser um “corpo dócil” como operário da educação e a espada do mundinho utópico das universidades. A definição de educador na realidade atual e habitual é a seguinte: além das mil avaliações a serem corrigidas, pareceres, projetos multidisciplinares e uma burocracia monstra que exime a Escola do óbvio (que ela não é mais o único veículo de informação perdendo o monopólio como construtora de opiniões), ainda suportar jovens armados de i pods, celulares e outras armas de fuga. Robótica, música, informática, línguas, dança e outras atividades extra-curriculares ganhando espaço e tirando tempo precioso da criança, esse “pequeno adulto preguiçoso que prefere receber um carinho a aprofundar-se no espanhol”... Fica doente, mas “na realidade” quer apenas chamar a atenção.
O meio universitário até tenta preparar melhor o professor do século XXI, mas precisaria de mais quatro anos de curso. Um professor de ensino médio, para ser eficiente, além do domínio do conteúdo do que vai ensinar, precisa também dominar conhecimentos como didática de ensino, comportamento do adolescente, técnicas de envolvimento e, se quiser ser adorado, uma pitadinha de neurolinguística e estar atualizado com a “linguagem do aluno”.
Ser professor sempre foi, antes de tudo, uma arte, um kung fu, no sentido mais profundo do termo. E embora as máquinas venham a substituir uma classe enfraquecida e combalida por problemas estruturais cujas soluções jazem no plano das utopias, educar não é formar, nem mais informar, mas questionar, compartilhando com os aprendizes as mais variadas formas de pensamento. Mas, mexer nisso significa fuçar numa colméia de abelhas africanas... E, levante o dedo quem aí quer arriscar o couro pela educação...

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