13 de ago. de 2010

Marketing Candidato

Sobre a mesa, um exemplar do periódico mais famoso da cidade. Organização simétrica. No pano de fundo, uma estante cheia de livros, alguns ainda virgens. Ambiente que respira cultura e sofisticação. Roupa da moda, mas sem perder a velha formalidade dos ares de doutor ou doutora. Maquiagem impecável, voz impostada, linguagem corporal de liderança e determinação. Na linguagem verbal, erudição e, ao mesmo tempo, identificação com o popular. Toda uma neurolinguística voltada para assuntos cruciais, que voltam à baila de quatro em quatro anos, mas com profundo envolvimento social. O mundo digital da imagem-ícone, aquela que diz tudo… Com direito a sorriso sincero na foto.
Incrível como uma força reativa pode desconstruir toda uma “estrutura” montada para vender uma imagem de político responsável. Pena que é uma única propaganda que parafraseia uma entrevista de emprego. Única, mas criativa. Se os nativos votantes da brasilândia prestarem a devida atenção, o resultado das eleições podem surpreender.
Marketing eleitoral pode ser comparado a um currículum vitae: praticamente não se vê ninguém descrevendo suas inépcias, seus medos, suas inseguranças no trabalho. Assim também são os horóscopos. Todos têm maravilhosas virtudes e os defeitos… Bem, quanto aos defeitos é bom ter cuidado. E só. Isso, dos defeitos, descobre-se mais tarde, o que para uma empresa privada não é um fim do mundo, mas para um cargo político conquistado pelo voto, é tarde demais.
Candidato que recorre a técnicas apuradas de marketing pessoal, ou não tem claro o que irá fazer com o programa de seu partido, ou se aproveita da cultura brasilandesca de que se vota numa imagem, num virtual, e não numa proposta séria de gestão pública. E como não existe o fundo do poço, as duas alternativas podem coexistir juntas. A história está aí para mostrar isto.
O descaso da maioria da população com a vida política, não aquela da carreira, do rabo preso, da maracutaia, mas o da atuação, da fiscalização, no sentido maior da “res publica” facilita em muito esse marketing emburrecedor.
O marketing vende, facilita, agiliza e busca uma maior eficácia no atendimento e prestação de serviços. Ele, enquanto conjunto de técnicas auxilia um mundo centrado na tecnologia, produção e comércio. A partir de parâmetros sociais de boa imagem e apresentação pessoal, o marketing “vende” a pessoa, projeta o indivíduo ao mundo da credibilidade. O político, representante da coletividade, não precisa vender nada, apenas gerir, administrar, defender ideias, princípios e, dentro do processo democrático, evitar os abusos da elite. Para isto, um programa cheio de projetos bem definidos para o bem social, é o melhor marketing eleitoral.
Político que recorre a marqueteiros profissionais é semelhante a banco privado que vive fazendo comercial de tevê. “E a poupança Bamerindus continua numa boa”. Fechou, quebrou. Se os eleitores que votaram no candidato produzido pelo marketing acompanhassem seus passos, poderiam constatar se essa crônica traduz a realidade.
O pior de tudo é que nós, consumidores de imagens políticas, nem podemos reclamar à AGERT por propaganda enganosa. O ser político ainda é mitológico na brasilândia, mas isso está mudando. Até os Estados Unidos quebraram o mito do Vaticano e indiciaram os padres acusados de pedofilia. Final dos tempos? Não. Começo de outros.

6 de ago. de 2010

Pais

Desde longa data os arautos da desgraça vêm anunciando o fim da família enquanto instituição social. Fala-se na tentativa, desesperada, de se resgatarem valores já relegados a quarto plano. No que tange a valores familiares, para que se possa resgatar alguma coisa, dever-se-ia proibir o divórcio. Óbvio que isto soa, no mínimo, como absurdo, atualmente.
Papéis. Não se poderia esperar outra coisa de uma sociedade estratificada. E no mundo da futilidade comunicativa de eternos rótulos, somos de tudo um pouco. Pais, até.
E somos pais, num mundo de mães. Aqueles homens que quebraram os grilhões do machismo chauvinista tornaram-se pais mais presentes, mais amigos e porque não, mais crianças? As renovações compensam a falta de valores antigos, considerados bons para a sociedade. Pais mais presentes, independente de viverem ou não com as mães de seus filhos.
Sou produto de família dividida. Tive dois pais e sinto-me privilegiado por isso. Uma grande contribuição dessa situação foi a visão disfocada que tenho da realidade: a de não enxergar apenas uma alternativa para as coisas, mas no mínimo duas. Dois pais diferentes, com duas visões de mundo diferentes. Edipicamente falando, tive de matar dois pais. Bobagem. Tenho-os comigo constantemente fazendo parte de meu ser. E sou feliz com isso.
Não sou dado a datas comemorativas porque o comércio as abarcou como suas. Apenas aproveito a intensidade do momento para discorrer sobre a comemoração. Pais quarentões como eu, que já aproveitaram sua virilidade satisfatoriamente e hoje choram em filmezinhos românticos, preferem receber um abraço apertado de seus filhos ouvindo, orgulhosos, “o quanto você é importante em minha vida”, a ganhar o último grito em televisão de LCD. Lembro-me muito bem quando ganhei a primeira carta do dia dos pais. Fiquei lendo e relendo sem parar por dias. Ali, naquele papel rabiscado, cheio de garatujas, eu vi que era pai, ou melhor, que alguém me considerava pai. Agora, neste momento em que estou escrevendo esta crônica, estou ao lado de minha filha no posto de saúde, esperando que ela seja atendida. Hoje então, foi também meu dia dos pais, com toda a intensidade desta significação.
Neste dia dos pais, digamos a eles o quanto os amamos e o quanto são importantes para as nossa vidas. Mesmo que eles já tenham se ido, digamos isto para o pai que vive dentro de nós. Sim, porque o maior legado de um pai, a educação e o exemplo, vivem em nosso interior. Não importa se o pai genético não foi presente. Alguém cumpriu esse papel, ainda que fosse uma vizinha ou a própria mãe. Como havia dito anteriormente, os termos pai e mãe já transcenderam ao gênero. Feliz dia dos pais. Com certeza, não há presente maior do que este.

3 de ago. de 2010

Fórmula para Um

Esporte. Desde tempos imemoriais, uma fórmula de vitalidade e superação dos limites. As Olimpíadas eram sagradas. O atleta que as vencesse, seria considerado um verdadeiro herói, quem sabe um semideus. As justas medievais não testavam somente o condicionamento físico do contendor, mas seu caráter, o que mais tarde transformou-se no espírito esportivo. Como o esporte é um produtor de vencedores, e, portanto, parâmetros de sucesso, não tardou muito para que o modo capitalista de ser usasse o esporte como arma de propaganda. Até aí, tudo bem.
O que temos visto no mundo da pós modernidade é no mínimo, curioso. A ciência, a tecnologia e o patrocínio tornaram-se a “tríade intrínseca” por detrás da superação. Em nome do resultado e da manutenção deste, foi criado o contrato, com cláusulas bem sólidas de conduta. O atleta não pertence mais a si próprio. Ele pertence agora a um conglomerado de instituições comerciais. Nada mais apropriado para quem quer vencer campeonatos.
Lembro-me claramente de minha pré-adolescência e de como penava para ser aceito no meio social onde vivia. Tocar um instrumento não era algo assim muito valorizado, mesmo porque o game dominante dessa minha época era o jogo de botão. Se fosse o Guitar Hero, talvez eu exercesse maior poder sobre meus amigos. Bem, tive de me esforçar muito para jogar bola de modo satisfatório, para não sofrer a humilhação de ser o último escolhido para compor um time. Não havia lido ainda Sun Tzu, porém minha estratégia logrou êxito: tornei-me um eficiente defensor. Marcava, retomava, passava e lançava com uma considerável eficiência, reconhecida pelos meus amigos. Não fui craque, mas não era um pé torto. O bom do amadorismo é que não precisamos assinar contratos. Não sofri nenhuma crise ética por causa disso. Consciência ética e letrinhas miúdas de um contrato definitivamente não combinam.
Esporte profissional. O termo hoje em dia encontra-se no plano do contra-senso, do ponto de vista da liberdade de praticá-lo. Concentrações, dietas (desculpe, Ronaldo), direitos (e deveres) de imagem, fama, cláusulas punitivas, condições impostas por quem patrocina, só para citar. Quanto mais popular o esporte, maior o número ds cláusulas. Vidas e mortes constantemente expostas porque, se o bom exemplo traz dinheiro, pelo menos aqui na brasilândia, os maus exemplos trazem mais ainda.
Amo a Fórmula 1. Não sei porque, vejo mais graça na velocidade do que 44 pernas em movimento cuja bola é a centralidade e o gol, o céu ou o inferno, dependendo do ponto de vista. Pilotos a trezentos por hora lidando com o tempo, desgaste do motor, dos pneus, vencendo dificuldades mecânicas, pressões psicológicas dos donos de equipe… Um verdadeiro rizoma de forças que transformam-se em dominantes numa fração de segundos. No futebol é bem mais simples: em caso de derrota continuada, vão-se os técnicos, ficam as pernas.
Falando em pernas, Barrichelo teve de abri-las num passado não muito distante. Schumacher somava mais pontos. Schumacher devolveu mais tarde, um perfeito gentleman. Afinal, não é somente no futebol que existe o jogo de comadres.
Num Deja Vu manjado, a história apresenta seu retorno. O carro ia bem, a corrida estava na mão. Mas o contrato não. A sede de vitória do eqüino vermelho foi além da prática esportiva. Tá no contrato da vida, vencer sempre, não importa o custo. A conhecida frase “o importante é competir” obviamente foi escrita por alguém que não conheceu o verdadeiro gosto da vitória e por quem ficou famoso com ela.
O frustrante não é saber que o esporte profissional é assim. O frustrante foi ver o rosto conflitado dos dois pilotos quando se encaminhavam para o podium. Humilhação maior foi de quem ganhou sem ter vencido. A fórmula para um esporte verdadeiro é cortar os elos com os contratos. Afinal, superação é o que conta para quem torce.