Perdoem-me, mas por que falar de perdão? Não é assunto religioso? Não é assunto cuja área de debate é dominado pela teologia? Pode ser, considerando-se suas origens. Mas também pode ser visto como um espelho do mundo que vivemos, em comparação a épocas passadas. Muito mudou na sociedade da comunicação e pouco se denotou sobre isto.
Quem hoje não se justifica? Quem hoje acusa o golpe? Quem tem fibra para chegar num meio de comunicação e admitir que pisou na bola? Ou mesmo, na frente dos amigos e conhecidos, ou mesmo colegas de trabalho? Pouquíssimos vemos fazendo.
O que faz com que a sociedade viva o momento do "eu não fiz isso", ou mesmo "não foi bem assim"? Vejo claramente dois motivos. O fim dos limites e dos fatores que estabeleciam certo e errado, recompensa e punição gerou um certo relativismo quanto ao que se faz e ao que se fala. As redes sociais demonstram isto. Fala-se o que se quer, como quer e quando quer. Só que existem leis que protegem os lesados e causas por danos morais é o que não falta por aí. No trânsito, por falta de consciência e responsabilidade social, os seres humanos retornam à selvageria usando seu automóvel como se fosse uma lança a ser arremessada contra o inimigo impiedoso. Este sim, fez mal, eu não.
A perda de referenciais sociais e a má administração familiar compõe o outro motivo. O apelo da mídia, que faz a cabeça de milhões gira em torno do egoísmo e da busca pelo indivíduo total, pleno. "Compre um carro, mas não ligue pro CO2 que ele libera na atmosfera". As doenças respiratórias aumentaram consideravelmente e a qualidade do ar nas grandes metrópoles, cada vez pior. Mima-se o indivíduo, castiga-se a sociedade.
Então, se todos têm justificativa, pra que o perdoar? Simples, e nele está contido a responsabilidade e o bem estar social. Guardar rancor produz toxinas, desculpar é poder mencionar o erro alheio numa ocasião oportuna; agora, perdoar, na significação que o termo exige, é agir como se não houvesse acontecido, apagado da memória.
Ando muito de táxi, escolhi isto a ter um automóvel. Não sou cuidadoso com minhas coisas, e ter um carro nestas condições seria um desastre para a sociedade. Admiro o número grande de taxistas que trabalham no trânsito caótico de Porto Alegre. Constantemente eles presenciam barbeiragens e ações agressivas. Nada fazem. É como se não existisse. É como se não houvesse acontecido. Os outros berram, esbravejam. Eles não. Impassíveis. Admiro, chego a me emocionar. Eles aprenderam a intensidade do perdoar. Apenas, cônscios de que aquelas coisas irão acontecer, simplesmente relegam. Não geram toxinas, não produzem cortisol ou qualquer outro hormônio estressor do corpo.
Quando se conhece a natureza humana, defensiva e neurótica, o perdão já faz parte da essência dos que simplesmente não dão importância ao que se faz de ruim para eles. Aprendem a desenvolver o amor universal e a compaixão e viver em harmonia com o meio hostil.
Mais uma disciplina a se desenvolver: a do Estado do Perdão Constante. Esta sim deveria ser amparada por alguma ONG e noticiada todos os dias. Os que perdoam, os que transformam a energia da revolta em energia do bem.