22 de nov. de 2010

Velhos Tempos, Novos Tempos

Velhos Tempos, Novos Tempos

Quem possui mais de 40 anos vai se lembrar dos antigos jograis que éramos democraticamente obrigados a declamar em homenagem a algum herói do passado, ou eventos como dia do Soldado ou Natal. Assim, nós ganhávamos pontos com os pais e a professora, pontos com a direção. E nós, os escolhidos, pagávamos um mico do tamanho do King Kong, em frente aos colegas.
Jograis eram líricos, positivistas, exaltavam uma pessoa ou um evento, levando os espectadores às lágrimas mais sinceras. Isso sem falar nos intermináveis ensaios após as aulas. Sinceramente, caro leitor de semelhante faixa etária, não sei o que era pior: se desfilar no sete de setembro ou declamar jograis em dias festivos.
A fim de espantar os fantasmas, criei humildemente um jogral de Natal, moderno, em consonância com o processo ensino-aprendizagem atual, com clareza, questionamento e criticidade, como querem as beneméritas Escolas de minha capital gaúcha. Espero que gostem. Aos professores, dou minha autorização para ensaiá-los com os alunos (e assim, ganhar pontos com a direção):

Jogral de Natal

1. O que é o Natal?
Todos: Papai Noel?
2. Não tem Mamãe Noel?
Todos: Não sei. Tem?
3. Sim, porque se tem papai Noel, tem que ter mamãe Noel. Ninguém é filho de chocadeira.
Todos: Como assim?
4. Papai Noel tem milhares de duendes trabalhando pra ele.
Todos: São filhos?
5. Só pode ser. E é muito presente pra fazer. Um pra cada duende.
Todos: E um pra cada criança?
1. E ele não se esquece de ninguém.
Todos: NÃO?
2. Ele já tá bem velhinho. Pode ter Alzheimer.
Todos: Então ele esquece.
3. É, pode ser, mas todas crianças ganham brinquedos
Todos: Então, quem é que dá?
4. O Papai Noel, ora. Os pais compram os presentes e pedem que ele os entregue.
Todos: Ah, entendi. Mas de onde vem tudo isto?
5. É uma tradição. Existe há muito tempo.
Todos: Como começou?
1. Um senhor, fabricava presentes e os doava às crianças muito pobres.
Todos: Ah, e a árvore de Natal?
2. Servia pra pendurar as maçãs carameladas que eram comidas no Natal.
Todos: Por isso as bolinhas?
3. Exatamente. E as bengalas eram doces também
Todos: E as meias na lareira?
4. Era onde o Papai Noel colocava os presentes de cada criança.
Todos: No Brasil, as casas não têm lareira, nem chaminé.
5. Papai Noel manda por Sedex. Ou por e mail
Todos: Por E mail?
1. Sim, uai. Cartão virtual também é presente.
Todos: Papai Noel Hi-Tech
2. Tem cada mensagem... e cada mamãe noeel... (leva um tapa)
Todos: E os presentes? De onde vêm?
3. É uma tradição.
Todos: explica, né?
4. Os três reis magos. Vieram dar presentes.
Todos: Ao Papai Noel? (todos riem)
5. Não. Papai Noel dá presentes, ele não recebe.
Todos: Deve ser um velhinho triste.
1. Deixa pra lá. Voltemos aos presentes.
Todos: Vamos ganhar presentes?
2. Não, só no Natal
Todos: Aaaaaaaaaaaaaaaah
3. E eu que me matei pra decorar essa... (leva um tapa)
Todos: Quem são os três Reis magos?
4. São aqueles que presentearam um nenê. Devia ser importante.
Todos: vai ver era o Bisavô do Papai Noel.
5. Eles vieram no Natal?
Todos: só pode, uai.
1. Não. Eles vieram no dia 6 de janeiro....logo depois.
Todos: Então, por que recebemos presentes no Natal e não no dia 6 de janeiro?
2. Porque os shoppings têm que fechar o ano no saldo positivo.
Todos: Papai Noel compra presentes nos Shoppings?
3. Ué? Tudo o que é shopping tem Papai Noel. E se pagar 20 reais, sai com uma foto tua e dele
Todos: Papai Noel ganha dinheiro?
4. Claro, meu! De alguma coisa ele tem que viver.
Todos: Mas papai Noel não dava os presentes?
5. Distribuição igual pra todos é comunismo
Todos: Culpa do PT!
1. Não. Nada a ver. Papai Noel só é generoso.
Todos: o que é ser generoso?
2. É dar uma coisa que se tem, sem querer nada em troca. É dando que se recebe. (Silêncio desconfortável, olham para o 2 com olhar estranho)
Todos: Por que tem neve no Natal?
3. Nunca tinha pensado nisso. No Brasil não tem neve.
Todos: Papai Noel usa uma roupa de inverno.
4. Aqui no Brasil é verão.
Todos: Papai Noel de Bermuda?
5. E sem barba. É muito quente.
Todos: Papai Noel é de onde?
1. Do Pólo Norte.
Todos: Aaaaaaaaaaah, por isso a roupa
2. Por isso as renas.
Todos: Renas?
3. Sim. Levam o trenó do Papai Noel pra tudo o que é lugar.
Todos: No Brasil não tem Rena.
4. Tem veados (leva um tapa)
Todos (menos o 4): Olha os nomes!
5. Os presentes dos magos foram ouro, incenso e mirra.
Todos: que isso?
1. Eu não quero ouro. Quero um Playstation três.
Todos: Nós queremos comida!
2. Eu pedi um laptop pra ele.
Todos: Papai Noel Hi Tech 2, a Missão
3. Eu pedi uma boneca.
Todos: Boneca? UUUuuuuurgh
4. Eu pedi a paz universal
Todos: ele dá isso também?
5. Isso não tem no shopping. E se tiver deve ser muito caro.
Todos: Mas Papai Noel não atende a todos os pedidos?
1. Ele tem Alzheimer. Esqueceu?
Todos: Ah, é! Também temos.
2. Pra quem os reis magos deram o presente?
Todos: é mesmo? Pra quem?
3. Já foi dito. Prum nenê.
Todos: Que nenê?
4. Ah, sei lá....ele não aparece em shoppings.
Todos: É muito feio?
5. É barbudo.
Todos: Nenê barbudo?
1. Dizem que ele foi o primeiro presente.
Todos: Nenê barbudo de presente?
2. Uma irmã minha tem uma amiga que saiu duas vezes com o namorado e ganhou um nenê de presente.
Todos (menos o 2): Você não sabe nada da vida!
3. Bem, o nenê é quem?
Todos: não sabemos. Como saber?
4. Pesquisando no Google.
Todos: muito demorado
5. Tive uma idéia!
Todos (menos o 5): Qual?
5.Vamos perguntar ao público.
Todos: Ótimo.
Todos: Qual é o nome do Nenê?
Público: zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.....

16 de nov. de 2010

Professores X Educadores

Sob o ponto de vista da história, meio século não é muito tempo para mudanças sociais drásticas. Não era. Agora...
Tabuada. Meu bicho papão particular. Todos os dias ele me assombrava. Era onipresente. Habitava tanto a escola quanto o meu quarto alimentando-se de meus pueris e tenros neurônios. Sonhava com a tabuada tentando me alcançar enquanto eu corria, desesperado, sem sair do lugar. Hoje, não saberia afirmar, mas penso que devo a esse monstro minha habilidade de fazer cálculos simples de cabeça, em detrimento a um fato que me deixou extasiado. Eu vi, ninguém me contou: uma professora de matemática em frente a mim, indo atrás de uma calculadora para fazer uma soma de quatro fatores.Todos, dezenas. Ela, bem mais nova do que eu, não convivera com o mesmo monstro em sua infância.
Na pré-história (anos setenta, quando a informática era privilégio de poucos), os professores ensinavam? Bem, há que se conceituar o termo ensinar (pedagogos adoram conceitos). E isto aqui é uma crônica, não um ensaio. Como a força social dominante era o mercado de trabalho, ensinavam sim, numa época onde o sistema fordista era o modus vivendi na brasilândia. Usava-se o processo ensino-aprendizagem como simples ferramenta de eficácia. Não era hábito de um professor ensinar regras de comportamento social. Isto era obrigação da família.
O que a era da informação fez com o ensino? Tornou o professor um instrumento secundário. A alienação da revolução técnico-científica alcançando esta área profissional. E segundo a teoria da evolução, as mutações aumentam exponencialmente quando algum vetor ambiental modifica-se rapidamente. Animal em extinção em longo prazo. Basta que a tecnologia crie uma sistemática própria e eficaz e as empresas da educação farão com que o professor (aquele que professa), que evoluiu para educador (aquele que toma tiros, cadeiradas, manda sentar direito e “resgata” valores que nem ele segue mais) venha evoluir para “facilitador”(aquele que adestra o aluno para lidar com a parafernália digital). Não é negativismo. É prognóstico.
Vivi uma situação muito curiosa nos anos oitenta. No mesmo dia, duas afirmações totalmente opostas: pela manhã, numa reunião pedagógica de escola confessional, daquelas que tem até freira tocando violão, com fins motivacionais (= tortura), foi dito pela coordenadora pedagógica que o profissional da educação é, antes de tudo, um educador (termo novo para a época). Quando indagada das funções específicas de um educador, ela repetiu o que havia dito sobre ser professor, ou seja, mudam-se as moscas... Na tarde daquele mesmo dia, na faculdade, o professor de Idade Média brada, com sua voz tonitruante, que o professor não educa e sim, informa e esta informação pode ser usada com total liberdade pelo aluno. Anos oitenta. Época difícil. Era jovem e influenciável. Vivia entre a cruz de ser um “corpo dócil” como operário da educação e a espada do mundinho utópico das universidades. A definição de educador na realidade atual e habitual é a seguinte: além das mil avaliações a serem corrigidas, pareceres, projetos multidisciplinares e uma burocracia monstra que exime a Escola do óbvio (que ela não é mais o único veículo de informação perdendo o monopólio como construtora de opiniões), ainda suportar jovens armados de i pods, celulares e outras armas de fuga. Robótica, música, informática, línguas, dança e outras atividades extra-curriculares ganhando espaço e tirando tempo precioso da criança, esse “pequeno adulto preguiçoso que prefere receber um carinho a aprofundar-se no espanhol”... Fica doente, mas “na realidade” quer apenas chamar a atenção.
O meio universitário até tenta preparar melhor o professor do século XXI, mas precisaria de mais quatro anos de curso. Um professor de ensino médio, para ser eficiente, além do domínio do conteúdo do que vai ensinar, precisa também dominar conhecimentos como didática de ensino, comportamento do adolescente, técnicas de envolvimento e, se quiser ser adorado, uma pitadinha de neurolinguística e estar atualizado com a “linguagem do aluno”.
Ser professor sempre foi, antes de tudo, uma arte, um kung fu, no sentido mais profundo do termo. E embora as máquinas venham a substituir uma classe enfraquecida e combalida por problemas estruturais cujas soluções jazem no plano das utopias, educar não é formar, nem mais informar, mas questionar, compartilhando com os aprendizes as mais variadas formas de pensamento. Mas, mexer nisso significa fuçar numa colméia de abelhas africanas... E, levante o dedo quem aí quer arriscar o couro pela educação...