6 de jul. de 2010

Pedacinhos

Guilherme Arantes, na década de 1980, conseguiu ser um romântico incorrigível sem alcançar o perigoso nível da breguice chauvinista. E conseguiu isto numa canção de mesmo nome do título desta crônica.
A despedida da seleção brasileira desta copa no país do “apartheid comportadinho” (ou que propósito teria tantos discursos contra o racismo?), pode ser comparada ao final de um relacionamento, ou de modo geral, ao final de todo vínculo emocional com uma coisa ou alguém.
Ficam as mágoas, juntam-se os pedacinhos. O que era um ardente “meu bem” transforma-se num efusivo “meus bens”. Cobra-se até o custo da peridural que permitiu um alívio maior no nascimento do filho; no fragor da batalhas, não há fracassos, não ao menos da parte do que analisa. É sempre o outro, o causador do sofrimento. No mundo das causas e efeitos alguém sempre paga o pato.
O pato pode ser o infiel da relação. No caso da seleção, Dunga não foi infiel. Ele era o marido autoritário. Não discutia a relação com sua esposa, a imprensa. E esta, como sói acontecer, o destruía para sua melhor amiga, o povo. O pato também pode ser o chato da relação. O exigente, o fleumático, o sempre sério. A esse não concedemos o perdão, pois a sisudez não está na moda do culto ao corpo, e agora, à psique. Até a “melhor idade” deixa de lado as constantes dores de um corpo desgastado para sorrir diante das câmeras. Bem, nesse quesito, o técnico da seleção pagou caro. Poderia ter sido o técnico mais afetivo e compreensivo que a seleção brasileira já conheceu, mas... à mulher de César... bla, bla, bla... Diferente de seu arquiinimigo, o Dieguito, sorridente, passional, afetivo com seus jogadores. No caso argentino, ninguém pagou o pato ao final da relação, pois como disse Nietzsche, “aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”. Foi uma paixão que se perpetuou em sua torcida.
Pagar o pato era uma especialidade masculina, até o meio da década de 1990, de quando as mulheres sentiram cheiro de sangue e foram em massa, à luta. Hoje o pato pode ser pago por elas também. Assim como dos jogadores. A seleção havia jogado apenas contra uma equipe forte, com quem empatou sem gols, antes de jogar contra a forte e decidida Holanda. Quando o problema tornou-se grande, a brasileira titubeou, escorregou e, caiu. A mulher do pós modernismo não é mais aquela que aturava tudo. Hoje ela contabiliza, ou seja, ama, mas pensa. Claro que, acaba pagando o pato.
O pato seria melhor administrado numa relação se fosse dividido conscientemente. E que se caísse logo a ficha de que um relacionamento acabou e que o mundo continua a girar, o sol brilha e a grama cresce. O relacionamento de Dunga com a CBF acabou como acabam os relacionamentos modernos: pela internet. Bola pra frente, literalmente falando. Não é conveniente continuar tratando o outro da mesma forma que se tratava durante o relacionamento. Distância, respeito e, se possível, amizade. Os pedacinhos ainda necessitarão de muito tempo para reunirem-se novamente. Na seleção, como na vida de pessoas que ainda insistem em valorizar o mundo das ideias, fica sempre o “e se?” Se paga o pato. Mesmo porque, e se o Pato tivesse sido convocado? Teria sido diferente? Não importa. O passado é história. Daqui a quatro anos será documentário. Como diz o senso comum: nada como uma nova relação para esquecer a velha. Ame, mas não esqueça nunca de convocar o pato para sua seleção.

“Eu bato o portão sem fazer alarde, eu levo a carteira de identidade, uma saideira, muita saudade e a leve impressão de que já vou tarde.”
Chico Buarque

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