14 de jan. de 2010

Crônica minissaia

Como eu queria ter nascido mulher. Não, não é homossexualismo latente, nem transformismo crossover. É uma questão socioeconômica mesmo. O mundo atual é o das oportunidades. E nesse mundo, a beleza feminina leva pesada vantagem. Ainda mais quando a oportunidade é precedida de um escândalo, não importando se a protagonista é vítima da situação ou não.
Houve um tempo em que a minissaia era o grito da liberdade do devir feminino. Acreditem. Olhar de perto as coxas de uma mulher era, ao mesmo tempo, sensual, revolucionário, instigante, desafiador, polêmico. A mulher que saísse de minissaia numa tarde quente era adorada, invejada, execrada e crucificada, tudo ao mesmo tempo. Deixem-me respirar, gritavam as coxas. Deixem-nos ser mulher. Desejadas, amadas, gozadas. Mal sabiam elas que 40 anos depois, a minissaia serviria de alavanca para a fama.
Se eu tivesse nascido mulher, investiria tudo o que eu tivesse no visual. Procuraria ser o menos feia possível, e seria uma viciada em academias e dietas. Ainda mais agora que alguns estudos apontam a restrição calórica como uma das formas da longevidade. Teria o corpo torneado, violão, bumbum e seios siliconados. Pararia o trânsito, causando frisson.
Bem, mas nem tudo seria forma. Um pouco de conteúdo também viria a calhar, afinal “mens sana in corpore (muito) sano”. Que conteúdo seria esse então? Cultura formal? Não. Muito chato. É raro encontrar uma turma de amigos bebendo cerveja num bar e debatendo o real significado da frase “Críton, não esqueça que devemos um galo a Asclépio”, de Sócrates. Eu investiria na esperteza. Seria uma oportunista nata. Com minha intuição muito apurada, sim, porque nós homens ainda engatinhamos nesse quesito intuição, trataria de cativar o rico que sustentasse toda essa estrutura. Óbvio que o meu discurso eterno seria que riqueza não é tudo, e que sonharia com um homem inteligente.
Dinheiro não é tudo, mas fama é. Ser famoso é o banho de leite com os mais finos sais no nosso ego. Famosos, somos reconhecidos em qualquer lugar por onde passamos. Sendo mulher então, melhor. Propostas mil, todos querendo sugar um pouco da minha fama. Fora os assédios constantes de fãs enlouquecidos e a ameaça de seqüestro da minha mãezinha, ser famoso é viver um pedacinho do céu aqui na Terra.
Como então, eu poderia ser famosa não sendo culta, nem esportista, nem atriz competente? Simples. Sendo esperta. Esperando a oportunidade certa, causando polêmica, atirando um rojão num estádio de futebol, atingindo um jogador, ou, como a crônica mesmo diz, desfilando num lugar público de minissaia. Se nesse lugar não fosse conveniente andar assim, melhor. Ação e reação. Causa e efeito. E nem precisei ler Descartes. O resto, a mídia, sedenta de novidades sensacionalistas, o faria por mim. E como no mundo moderno beleza é uma questão de produção e edição de imagens, tornar-me-ia famosa num piscar de olhos. Eu, inocentemente, diria numa entrevista coletiva do lançamento de uma revista masculina, que nunca teria imaginado tudo o que estaria acontecendo.
Pobrezinhas das que não pensam assim. Devem ter lido muita porcaria conscientizante para terem princípios e escrúpulos. Devem se consolar na vida trabalhando em prol do bem comum e fazendo o bem aos necessitados. Essas só aparecerão na mídia em horários de almoço, tendo seus quinze minutos de fama. Talvez, as mais notórias, tenham um e mail de slides em sua homenagem depois de mortas. Coisas do altruísmo. Eu se fosse mulher, também seria altruísta, afinal, de minissaia eu proporcionaria prazer e alegria por aí. Viva o feminismo, o meu, pelo menos.
Deveria ter nascido mulher, realmente. Minissaias são muito práticas em dias de calor.